segunda-feira, 31 de março de 2008

O Amante

O amante surge por trás
Como se fosse um criminoso
Cobrindo o Sol
E o ar
Criando o vazio com a sua presença

Sou filho pródigo
Em casa alheia
Alimentando a carne crua
Sentindo e vendo o pulsar
Destes rostos sem misericórdia
Ou sentimento

Nas horas
De abandono
Em que esta cidade
Estranha se dobra sobre si
Como uma cólica
Há sempre uma consciência de absurdo
E de desperdício


Nasce todos os dias para a vida
Ignorando
A ausência
Daqueles que a amam

E eu apenas sou a memória
Daquilo que fui

A FELICIDADE É IMPOSSÍVEL

1
A noite era a parte mais difícil do dia. A perspectiva de partilharem a mesma cama era aterradora para os dois. Por isso ficavam calados os dois, à espera do sono que não vinha, fingindo estar concentrados no programa que dava na Televisão, mas que, na verdade, não viam.
O ritual encenado que todos os dias praticavam na hora de deitar era um lento arrastar de corpos vazios onde já não havia nem alma nem química.
A distância era a única forma de lhes ser possível manterem uma imagem de normalidade que transpirava para o exterior.






domingo, 30 de março de 2008

de regresso, o Sr. Nogueira

Regresso de vista saudosa e encanto renovado, depois de uma ausência de recomposição, coisa que habitualmente se insinua como férias. Andei pela Estrada, saboreando o rigor de Cormac e fui-a percorrendo na lembrança dos tempos últimos do pai de Roth. Os génios não se distinguem e se – para alguns – apenas lá andam próximos, continua a não se saber como os graduar. E não é caso disso. Também já espreitei a Rosa Vermelha, na esperança que, todos os dias, menos custe a vida.

Depois de tantas ignorâncias, de si mesmo inconclusivas, regresso agora ao Sr. Nogueira (usando a expressão de AM) ou, de outro modo dito, ao Sr. Pessoa, agora na pessoa de Álvaro de Campos, engenheiro naval e poeta.

Trata-se de uma carta-resposta a um inquérito de A Informação, redigida no ano de 1926. As seis perguntas que justificaram a resposta eram:
1) Qual é, dos seus livros, aquele que mais estima?
2) Qual deles lhe trouxe mais admiradores?
3) Deve às suas obras alguma aventura amorosa?
4) Qual foi a maior compensação moral que lhe deu a literatura?
5) Algum dos protagonistas dos seus livros teve existência real?
6) Qual é a sua maior preocupação intelectual ao escrever
?

“1 – (…) Agrada-me estridentemente a “Ode Triunfal”, inserta em Orpheu 1. Sei bem que a “Ode Marítima”, trazida por Orpheu 2, tem mais construção e arredores; mas não esqueço que escrevi a primeira com emoção em linha recta, e que ela é a obra prima da sensibilidade moderna. São favores que devo aos Deuses: não quero ser ingrato para com eles, desreconhecendo-os.
2 – Tenho influído indeterminadamente em várias composições subsequentes, por não ter o segredo de ter influído nas anteriores. Mas não sei se me têm admirado aqueles que me têm admirado. O certo é que não tenho podido passar a minha emoção intelectual para os copistas da minha expressão dela. Mas contento-me com o que não me descontenta, e basta…
3 – Não costumo pôr à arte a canga da sexualidade. Confesso, contudo, que devo a uma obra minha, mas de maneira indirecta, uma aventura amorosa. Foi em Barrow-in-Furness, que é um porto na costa ocidental da Inglaterra. Ali, certo dia, depois de um trabalho de arqueação, estava eu sentado sobre uma barrica, num cais abandonado. Acabava de escrever um soneto – elo de uma cadeia de vários – em que o facto de estar sentado numa barrica era um elemento de construção. Aproximou-se de mim uma rapariga e entrou em conversa comigo. Viu que eu estava a escrever versos, e perguntou-me, como nestas ocasiões se costuma perguntar, se eu estava a escrever versos. Respondi, como nestes casos se responde, que não. A tarde, segundo a sua obrigação tradicional, caía lenta e suave. Deixei-a cair. É conhecida a índole portuguesa e o carácter propício das horas, independentemente das índoles e dos portugueses. Foi isto uma aventura amorosa? (…).
4 – A única compensação moral que devo à literatura é a glória futura de ter escrito as minhas obras presentes.
5 – (…) As coisas são sensações nossas, sem objectividade determinável, e eu, sensação também de mim mesmo, não posso crer que tenha mais realidade que as outras coisas. Sou, como toda a gente, uma ficção do “intermezzo”, falso como as horas que passam e as obras que ficam, no rodopio subatómico deste inconcebível universo.
6 – Não tenho preocupação intelectual ao escrever. Tenho a única preocupação de emitir emoções, deixando à inteligência que se aguente com elas o melhor que puder. Tenho o desejo de ser de todos os tempos, de todos os espaços, de todas as almas, de todas as emoções e de todos os entendimentos. Mesmo que tudo é nada para a alma que não cata piolhos na lógica, nem olha para as unhas na estética. Não podendo ser a própria força universal que envolve e penetra a rotação dos seres, quero ao menos ser uma consciência audível dela, um brilho momentâneo no choque nocturno das coisas… O resto é delírio e podridão”.






sábado, 29 de março de 2008

Rosa Vermelha Em Quarto Escuro




O regresso de Pedro Paixão, agora em nova editora.
"Salvo nos momentos de paixão em que vivemos a tremenda certeza de estarmos a ser quem somos. A sua última paixão chama-se Cate Blanchet. Uma actriz de cinema australiana. Uma actriz não é bem uma pessoa. Não é forçada a ser sempre uma mesma pessoa. Muda de pessoa. Tudo lhe pode acontecer. Muito diferente da habitual ansiedade de saber se algo vai ou não acontecer. A paixão é um engano em que nos queremos enganar mais do que tudo. Uma partida pregada pela vida que depois nos reconduz ao lugar quotidiano ao qual pertencemos e nos vai construindo e desfazendo. Dia a dia, todos os dias. O castigo de ter querido ser mais do que se é. Do que se pode. Ela pensa várias vezes em coisas deste tipo. Coisas que apelida do tipo inútil. Que não parecem ajudar. sem aprofundar muito. Com receio de pensar demais nisso e ficar retida algures numa dúvida cheia de perigos..."

MEANINGLESS LINES

I became good, and was despised.
I became bad; I hated was.
If good or bad I was not prized,
In good or evil, equal loss.

I became bad and good by turns,
And thus did but unite two ills.
The spleen that now within me burns
Therefrom, nor good nor evil stills.

Fernando Pessoa, Poesia Inglesa

sexta-feira, 28 de março de 2008

DOUBT

Tell me, tell me who dreams most -
He who sees the world aright
Or the man in dreaming lost?

What is true? What is't that seems -
The lie that's in reality
Or the lie tht is in dreams?

Who is unto truth less near -
He who sees all truth a shadow
Or he who sees dreams all clear?

He who is a good guest, or he?
Who feels alien at the feast?

Fernando Pessoa, Poesia Inglesa

caixa vazia

Palavras que ainda oiço agora
deslizam entre
a caixa da costura e os panos.
Abre-se as gavetas em escada,
cheias e ecos.
Os panos estão velhos e corroídos
por um pó azul estelar.
Sei-o porque hoje
bateu no céu o vento como panos.
Devagar abre-se
a caixa da pobreza de Pandora
que nos oferece desde o nascimento
a sua escassez.

FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO, Cenas Vivas

Já a raiz é rio



As raízes/depois de pensadas/pesam

Um fio/com o peso da germinação/então um rio/condiz/raiz/com o chão

Já a raíz é rio/e sai do chão/com peso para cima/tal como cai/do pensamento a rima

É mais perfeito o peso/da raíz/quando se diz/que o pensamento a gera

FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO

Reflexões sobre o Sr. Pessoa



WHAT is the self? I cried./Come, show me where it lives./What is the coin it gives/ to buy my fratricide?

I know that I have brothers/who shyly haunt my dwelling/como whwn there's no foretelling/ depart to solace others:

and sometimes they and I/exchange our names and faces/ and walk familiar places/ under a changing sky.

One self would keep me tethered/chewing one cud of dreams/ forgetting the wild moon - beams/ ans storms that I have weathered.

Construct a thick-walled tower/and seal it with a name/the tower will stay the same/ but the name lose its power.

Be singular, be one/deny the spirit's flowing/in dying or in growing/ brook no companion

and find when night comes down/you journeyed round and round/ a barren patch of ground/ not moved through fied and town.

The poet eyed the key/that turned in the self's door/eyed ceiling, walls and floor/askance, distrustfully

wanting no final choice/of mask or diagram/no sealed-in 'this I am':/ needing his plural voice.

JOHN WAIN



Quase

Um pouco mais de sol – eu era brasa.
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu permanecesse aquém…

Assombro ou paz? Em vão… Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor – quase vivido…

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minh’alma tudo se derrama…
Entanto nada, foi só ilusão!

De tudo houve um começo… e tudo errou…
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim… -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou…

Momentos de alma que desbaratei…
Templos aonde nunca pus um altar…
Rios que perdi sem os levar ao mar…
Ânsias que foram mas que não fixei…

Se me vagueio, encontro só indícios…
Ogivas para o sol – vejo-as cerradas;
E mão de herói, em fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os meus precipícios…

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí…
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi…

(….)

Mário de Sá-Carneiro

quinta-feira, 27 de março de 2008

Pastelaria Catita (V)

Os lençóis contornavam-lhe o corpo, a enrugar as mesmas desgraças. A luz do candeeiro trôpego escrevia sombras na cal da parede, ritmando o virar das páginas do livro gasto de surpresas. Em vão tentou conciliar o repouso. Do quarto ao lado, ouviu o pingar de um choro miudinho. A pena crescia-lhe ao pensar na do pai. O ridículo do desencontro invadia a casa. Virou-se de encontro à almofada e chorou pelos dois.

Teatro 2

O primeiro intrelocutor é um Fidalgo que chega com um Paje, que lhe leva um rabo mui comprido e üa cadeira de espaldas. E começa o Arrais do Inferno ante que o Fidalgo venha.

DIABO - À barca, à barca, houlá!
que temos gentil maré!
- Ora venha o carro a ré!
COMPANHEIRO - Feito, feito!
Bem está!
Vai tu muitieramá,
e atesa aquele palanco
e despeja aquele banco,
pera a gente que virá.
À barca, à barca, hu-u!
Asinha, que se quer ir!
Oh, que tempo de partir,
louvores a Berzebu!
- Ora, sus! que fazes tu?
Despeja todo esse leito!
COMPANHEIRO Em boa hora! Feito, feito!
DIABO Abaixa aramá esse cu!
Faze aquela poja lesta
e alija aquela driça.
COMPANHEIRO Oh-oh, caça! Oh-oh, iça, iça!
DIABO Oh, que caravela esta!
Põe bandeiras, que é festa.
Verga alta! Âncora a pique!
- Ó poderoso dom Anrique,
cá vindes vós?... Que cousa é esta?...
(...)

Auto da Barca do Inferno
Gil Vicente

Teatro 1

SCENE I. King Lear's palace.
Enter KENT, GLOUCESTER, and EDMUND


KENT
I thought the king had more affected the Duke of

Albany than Cornwall.
GLOUCESTER
It did always seem so to us: but now, in the

division of the kingdom, it appears not which of
the dukes he values most; for equalities are so
weighed, that curiosity in neither can make choice
of either's moiety.
KENT
Is not this your son, my lord?
GLOUCESTER
His breeding, sir, hath been at my charge: I have

so often blushed to acknowledge him, that now I am
brazed to it.
KENT
I cannot conceive you.
GLOUCESTER
Sir, this young fellow's mother could: whereupon

she grew round-wombed, and had, indeed, sir, a son
for her cradle ere she had a husband for her bed.
Do you smell a fault?
KENT
I cannot wish the fault undone, the issue of it

being so proper.

(...)
King Lear
William Shakespeare

Freixedas

O Centeio espalhando
Calor do Verão pelos campos
Escondendo no seu ventre
Repteis
E criaturas rastejantes
Provocando cansaço e o medo
Nas mulheres
Carregadas de fardos e de esperança

É longo o planalto
Feito de estrume e suor
Cortado por vales
Escondidos do vento seco
Que já se esqueceu do mar

Giestas
Aguardando o improvável

Battlestar Galactica vs. Star Wars

A pensar no amigo viriato...

"Molti mari e fiumi"


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gianna nannini - meravigliosa creatura

A pedido de um amigo...

quarta-feira, 26 de março de 2008

Pastelaria Catita (IV)

O pai balouçava-se na cadeira de castanho, escondido nas folhas do Notícias que puxaram às centrais o escândalo da primeira página. Uma nora descabelada, desalmada de instintos, diluíra remédio dos ratos na gasosa da sogra e foram escassos instantes até que a santa se esticou. Rosarinha subiu os degraus a acautelar-se, silente como quem pisa neve, e rodou a chave com o cuidado de gatuno de cofre. O pai, mesmo assim, agitou-se e, depois de piscar os olhos de sete décadas, olhou os dela. Rosarinha fez por disfarçar o desencanto, mas a um pai que filha engana? Apercebendo-se, logo cogitou não acrescentar o drama. Desejou-lhe as boas noites e desculpou-se com o cansaço de um dia longo. Rosarinha foi esquentar uma verbena para melhor acolher os lençóis saudosos.

terça-feira, 25 de março de 2008

Puro Vintage

De lâmina em riste, António tentava não cortar a cara, nessa aborrecida empresa quotidiana de aparar aquilo que já ia sendo a sua barba grisalha.
Todos os dias, com excepção do Domingo - dia de grandes sofrimentos, vividos junto a uma fanhosa telefonia de um "esférico rolando sobre a erva", ora impiedosa, ora triunfal -, aquele era um ritual que envolvia uma certa arte de concentração, destreza, precisão e paciência.
Um marco ritual da sua passagem à idade adulta, António, lembrava-se bem do dia em que seu Pai, o senhor Zeferino, lhe disse para começar a cortar aquela "barba de mancebo", porque lhe daria um ar mais apresentável lá no armazém onde já trabalhava há dois anos como pequeno grumete.
De grumete a fiel, foi subindo na vida e estava agora responsável por todo aquele vetusto edifício de enorme pé direito e com grandes portadas de madeira de castanho.
Entre um pequeno corte e um pequeno fio de sangue, os impropérios sussurados para si próprio, apenas cessavam no gesto seguinte: mergulhava a cara na bacia de porcelana do lavatório, na água tépida previamente regurgitada por duas torneiras prateadas - uma de quente, outra de frio -, limpando os restos de creme de barbear aplicado na face, ao pincel, esperando um qualquer alívio para aquele rubor ardente.
Perfeccionista, pegava naquele balsâmico "Musgo" meio mentolado que se queria para a realeza, para as "Pessoas de Primeira Categorya e Qualidade" (o maior desejo de uma classe média vitoriosa), e cobria a cara de espuma, tirada em mais umas quantas conchas de água.
Em breves gestos levava à cara o verde e áspero turco atoalhado, encontrado no varão fixo ao azulejo branco da parede, olhando-se depois ao espelho com a sensação de dever cumprido e em estado de total prontidão.
Ao sair do quarto de banho, toalhão de banho aos ombros, lá ia todo lampeiro vestir-se.
No lavatório, permanecia essa gasta barra de sabonete com óleo de côco, o mesmo desde os seus tempos de petiz. Um "must" ainda muito antes de nascer tal conceito, mas que dava aos dias úteis um sentido de confiança, de permanência e de certeza de que iria ser sempre assim.
Os clássicos em espuma no seu melhor.

(Um mote avulso numa esplanada onde se bebe nostalgia)

segunda-feira, 24 de março de 2008

Pastelaria Catita (III)

A noite ia já escurinha quando volveu a casa, só umas luzes fatigadas faziam de pirilampos. Também o coração lhe estava pouco iluminado. Andava a mãe pela Beira, à beira das tias anciãs que depenicavam afazeres de lavoura perdulária. Pensou frigir um ovo, a burlar o estômago. Mas atormentava-o o desencontro. Tinha que deixar nas letras o desgosto que o atravessava. No papel rosado, redigiu
Menina Rosarinha. Predilecta.
Daqui lhe entoa, suplicante, o Calisto que seus olhos apartaram, deixando os dele turvados de pranto.
Bebeu um vaso de água fresca e sacudiu-se. Voltou à suave pena, lavrando as que o padeciam.

domingo, 23 de março de 2008

manha

Ergo-te os olhos tímidos, anfitriã
Varado dum brusco receio do não
Como se eu fosse Adão, e a maçã
Me impusesse destino e condição

Sacando-me a diminuta liberdade
De mesmo junto a ti, eu não pecar
Como sendo mentira, não verdade
Que penso entregar-me sem pensar

De desculpas do fado não careço
Quando a vontade irmana destino
Sei, de início, a soma que mereço
Na conta em que faço d’adivinho.

No Gira Discos



A banda sonora perfeita - porque acolhedora - para este gélido início de Primavera. Também à beira da Catedral, numa esplanada com aromas perfumados.

(Rita Redshoes - Dream on Girl)

sábado, 22 de março de 2008

O Senhor do Olá


Preenche as páginas 90 e 91 da revista Única do último Expresso.
Chamam-lhe o Senhor do Adeus, mas ele é o Senhor do Olá.
A identidade oficial, no entanto, revela-o como o Sr. João Manuel Serra.
Tem 78 anos. Usa óculos de moda antiga, que não o impedem de ver todos os que o saúdam e a quem ele saúda.
Acena no Saldanha (Lisboa) a partir da meia-noite.

O texto (entre o depoimento, a criação e a entrevista) tal como a fotografia (em que se multiplica num único aceno) é de Ana Sofia Fonseca.
Está muito além do belo.
A solidão é a senhora malvada que persegue o Senhor do Olá.
Ele avisa da fantástica mudança do mundo, que até no cinema trocou a pieguice pela tecnologia.
E diz assim, na palavra de quem o canta:
A vida dá estranhas voltas, o meu destino é acenar a quem me cumprimenta. ESTOU SUJEITO A QUE ME CHAMEM MALUCO, MAS NÃO ME IMPORTO. DA MINHA SOLIDÃO, SEI EU.

Pastelaria Catita (II)

O senhor Calisto regressou tombado de desânimo. Carregava uma sombra pesada que lhe fazia de vulto, mas a noite respeitosamente escondia. Seis de aguardente, bebera-a de trago e o estômago voltou a arrefecer. A noite vinha pálida e fria. Apertou o último botão do sobretudo cinzento, esfregou uma mão na outra e estugou o passo. Antes de recuperar o Amarelo, resolveu abeirar-se do rio, olvidando por instantres o cacimbo. Ali lavou os olhos, a estender a vista na corrente.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Toque do Paraíso

Foi preciso algum tempo até me aperceber que a amava.
Só quando senti que o interesse dela por mim esmorecia me apercebi da real dimensão do meu amor. Todos aqueles momentos, que me pareceram banais quando os vivi, surgiam então na minha memória emoldurados numa substância mágica, que preenchiam o corpo de um doce formigueiro e a alma de um suave sorriso. Mas sentia que ela esquecia esses momentos…

Primavera


Cristo na Cruz

El Cristo de San Juan de la Cruz, 1951,
205 x 116 cm., óleo sobre Tela
Salvador Dali

Glória

Esta é minha maior glória;
Ser poeta...
Estar vivo
E não viver.
Sentir,
Sentado, a dor daqueles que desconheço.
Estar só ainda que acompanhado,
Sofrer e desejar, acima de tudo,
Ser amado.
Esta é minha maior glória;
Ser poeta...
Estar morto
E viver.
Recordar em cada passo a dor que senti,
Abandonar a vida
Ainda que preserve esta esperança;
Procurara alguém para amar
E ser amado

Poética

O acto poético é o empenho total do ser para a sua revelação. Este fogo de conhecimento, que é também fogo de amor, em que o poeta se exalta e consome, e é a sua moral. E não há outra. Neste mergulho do homem nas suas águas mais silenciadas, o que vem à tona é tanto uma singularidade como uma pluralidade. Mas, curiosamente, o espírito humano atenta mais facilmente nas diferenças, esquecendo-se, e é Goethe quem o lembra, que o particular e o universal coincidem, e assim a palavra do poeta, tão fiel ao homem, acaba por ser a palavra de escândalo no sei do próprio homem. Na verdade, ele nega onde outros afirmam, desoculta o que outros escondem, ousa amar o que outros nem sequer são capazes de imaginar. Palavra de aflição mesmo quando luminosa, de desejo apesar de serena, rumorosa até quando nos diz o silêncio, pois esse ser sedento de ser, que é o poeta, tem a nostalgia da unidade, e o que procura é uma reconciliação, uma suprema harmonia entre luz e sombra, presença e ausência, plenitude e carência (...).
Eugénio de Andrade, Rosto Precário

profetas

Profetas falsos vieram em teu nome
Anjos errados disseram que tu eras
Um poema frustrado
Na angústia sem razão das Primaveras.

Porém eu sei que tu és a verdade
E és o caminho transparente e puro
Embora eu não te encontre e no obscuro
Mundo das sombras morra de saudade.

Sophia, Mar Novo

Sexta-Feira Santa

Na carne adormecido...
Deus morto, Deus imortal.
Magistral discurso
o altar vazio e despojado
no centro de uma Sarça Ardente
de flores em botão e ramos e
inclinados rostos em chamas.
O tremendo documento
do cordeiro branco
emoldurado de trágicas jóias
- Deus imortal, Deus morto -
onde, graça ou condenação,
apenas por intuição na cruenta púrpura
era concedido assinar ao cálamo do Autocrata.

Cristina Campo, O Passo do Adeus
(trad. de José Tolentino de Mendonça)

ah!, poesia...

Poesia sou
Metade do que canto
Caminho onde vou
A cada espanto.

Verbo que deixo por dizer,
Cidade que ilumina o meu escuro;
Ou hino de chuva por chover,
Ramo de gladíolos que procuro.

Tivera eu verso presto
Te cantaria, Poesia.
Eu sei que tudo o resto,
Isso sim, é fantasia.

dia mundial da Poesia

DOLORA

Dantes que quão ledo afectava
Uma atroz melancolia!
Poeta triste ser queria
E por não chorar chorava.

Depois, tive de encontrar
A vida rígida e má.
Triste então chorava já
Porque tinha de chorar.

Num desolado alvoroço
Mais que triste não me ignoro.
Hoje em dia apenas choro
Porque já chorar não posso.

Fernando Pessoa, 1908.



TANTO DE MEU ESTADO…

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio;
O mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto, um desconcerto;
Da alma um fogo que sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra chego ao céu voando,
Numa hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha senhora.

Luís Vaz de Camões, Sonetos.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Palavra

Palavra.

No início havia o silêncio.

Um silêncio feito de instintos e de ruídos sem sentido, que colocavam o Homem ao mesmo nível da realidade que o rodeava. A comunicação surgia de uma forma instintiva e imediata. Apenas se vivia o momento; não havia passado e o futuro era algo que ainda teria de ser criado.

Depois surgiu a palavra.

( Para alguns, uma dádiva de Deus que permitiu ao Homem fazer uso da mentira.)

Com a Palavra surgiram os conceitos; uma forma quase virtual de retratar a realidade sem que haja necessidade de a tocar. E o Homem alcançou um patamar diferente de tudo aquilo que o rodeava. Foi por fim, capaz de sonhar enquadrando a insegurança e o medo em mitos elaborados em longas noites, que se iam consumindo ao sabor do crepitar lento, mas constante, das fogueiras da imaginação.

O Passado e o Futuro poderam, por fim, tocar-se unidos pelo filamento que é o Presente. As diversas gerações foram então capazes de comungar os diversos Presentes deixados pelos antepassados desconhecidos, mas sempre presentes, em rituais que alimentam a memória colectiva, que alimentam a palavra e a sua evolução.

E o Homem foi crescendo à medida que a palavra se ia desenvolvendo.

Por fim ressurgiu o Silêncio.

Um silêncio feito de palavras. Palavras feitas de solidão e incompreensão, criadas num discurso hermêutico ao qual é praticamente impossível o acesso.

A palavra desuniu-se do Homem e da realidade que o rodeia. A palavra criou um espaço próprio, deixando naqueles que a usam uma estranha sensação de desadequação.

A comunicação foi lentamente retomando o seu carácter instintivo e imediatista, que teve nos primeiros dias.

Acreditar
Já não é um acto de fé
Acreditar
É estar vivo
Sentir saudades em cada suspiro
Misturar vinho broa e ignorância
Acreditar
É fazer corresponder trajectos
Como uma criança que brinca desinteressadamente
Apenas para não perder o lugar ou o futuro
Acreditar
É no fundo o abandono
Apenas na dúvida as pessoas se afirmam
É por isso que acredito
Na dúvida

A bela e pura...

A bela e pura palavra Poesia
Tanto pelos caminhos se arrastou
Que alta noite a encontrei perdida
Num bordel onde um morto a assassinou.

Sophia, Mar Novo

Busca

Quem me negou
Esta vontade de busca?
Quem se esconde encoberto pela hipocrisia,
Tomando, desta forma, aquilo que
Em princípio seria meu?
Porque acabei com a busca,
Sabendo que sem ela nada sou.

Lucas, XXIII

Gentil o hebreo o simplemente um hombre
Cuya cara en el tiempo se há perdido;
Ya no rescataremos del olvido
Las silenciosas letras de su nombre.

Supo de la clemencia lo que puede
Saber un bandolero que Judea
Clava a una cruz. Del tiempo que antecede
Nada alcanzamos hoy. En tu tarea

Última de morir crucificado,
Oyó, entre los escárnios de la gente,
Que el que estaba muriéndose a su lado
Era Dios y le dijo ciegamente:

Acuérdate de mí cuando vinieres
A tu reino, y la voz inconcebible
Que un dia juzgará a todos los seres
Lo prometió desde la Cruz terrible

El Paraíso. Nada más dijeron
Hasta que vino el fin pero la hiatoria
No dejará que muera la memoria
De aquella tarde en que los dos murieron.

Oh amigos, la inocencia de este amigo
De Jesucristo, esse candor que hizo
Que pidiera y ganara el Paraíso
Desde las ignominias del castigo,

Era el que tantas veces al pecado
Lo arrojó y al azar ensangrentado.

Jorge Luis Borges

Pastelaria Catita (I)

Tinha o coração desarrumado, logo naquela hora do dia em que o Sol se habituou a mandar beijos, trinados num “até amanhã”. As acácias já não filtram as venturas luminosas e, com o tempo em que se perdera, receava perder o troco dos olhos, que marcara na agenda rosa, semana e meia passada. Mesmo assim, desceu à Baixa em passo de andarilha, socorrendo-se do primeiro Amarelo. Foi com a Pastelaria Catita ao alcance da vista (nesse instante preciso o dia soltara o derradeiro beijo) que viu o vulto fugidio do senhor Calisto. Não era menina de arremessar um grito. Não! Nem com o sentimento a pressionar-lhe a garganta. Susteve a lágrima e o passo.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Segredo

Sei bem como é viver em segredo.
Escrevendo letras ilegíveis
Nas paredes
Capturando o Nome
Tornando real o amor
Sei bem como é viver em segredo.
Carregando fardos de dor
Pelas ruas estreitas da cidade
Deixando marcas ilegíveis nas paredes.

em cada dia, Pai

Foi naquele largo abraço forte que doía
Em que me apertaste ao mundo inquieto
(Na tarde em que o teu pai suave partia)
Que me senti inteiro teu filho completo.

Três rugas na testa são produto meu
Aquelas que do Toni não careceram
Talvez de confundir o chão e o céu
E as coisas que sempre se nos erram

Mas sei que tê-las é um gosto teu
Sulco da honra ensinada a partilhar
E que fazendo crente qualquer ateu
É pão e rosas que me obrigo a cuidar

Todo o mundo que hoje vejo nem existe
Não sei se é feito em forma de realidade
É fruto só teu, imenso ser que me persiste
E me lembra em cada instante: Liberdade.

Podia rimar-te ali o verso com Bondade
Que sempre tens no coração assim fazer
Nem mentiria se escrevesse ali Verdade
Mas na liberdade gosto de te agradecer.

terça-feira, 18 de março de 2008

História deste galo

Quando os meus amigos decidiram fundar esta revista, não sabiam dar-lhe nome. Eu conhecia a história do galo de don Alhambro, mas não me atrevia a ressuscitá-la. Há dias, porém, todos os redactores surgiram contentíssimos em minha casa. Traziam um galo admirável. Era de penas azul–Rolls-Royce e cinzento-colonial, com todo o pescoço de um delicioso azul-Falla que ficava mais carregado nos esporões.
- De onde é este galo?
- Sou o galo de don Alhambro!
- Então que fuja daqui! – gritaram todos.
- Renovei-me para vir à vossa procura, e poder subir ao título por que tanto anseio e para o qual fui criado.
- A mim, o título que me agrada é O suspiro do Mouro – disse eu.
- E a mim, Romeu e Julieta – disse outro.
- E a mim, Copo de Água – repetiu uma voz fina.
- Valha-me Deus, senhores! – gritou o galo. – Não peço que tenhais a ideologia de don Alhambro; eu próprio já mudei de opinião. Mas não me expulseis por causa da minha história. A isso não consigo resistir. Nada pode fazer-se aqui sem contar com a história. Sou belo. Anuncio a madrugada e serei sempre insubstituível como divisa.
Houve uma discussão violentíssima, em que o galo era suave a suplicar.
- Basta, meus amigos – disse eu por fim, em tom enérgico. – Sob minha responsabilidade, sobe ao título!

Abrimos a sacada e o galo ascendeu ao título com todas as suas penas incendiadas. E já na barra do título a todos nós saudou de maneira inefável. Maneira de água e jacinto. Poema de quem parte uma guitarra sobre o mar do amanhecer. Dália na oliveira e bosque na mão. Jogo e mentira.

Frederico Garcia Lorca
(Anjo e Duende, Assírio & Alvim)

Exposição


Aconselho a todos aqueles que perderam a inauguração desta exposição e que tenham oportunidade para que se dirijam ao Centro de Artes Visuais de Coimbra.
Michael Borremans, artista belga que se dedica à pintura e ao desenho claramente figurativos de origem fotográfica, tem vindo a merecer uma atenção crescente da critica internacional, com exposições efectuadas em algumas das mais prestigiadas instituições europeias e americanas. A sua obra, sendo oriunda da tradição surrealista da Europa central, possui uma intensidade que o tem vindo a colocar ao lado de pintores como Luc Tuymans e uma estranheza matizada com uma mestria técnica que ironiza a grande tradição pictórica.Nesta exposição, Borremans apresenta também um conjunto de filmes inéditos que tratam os mesmos temas da sua pintura e desenho.

em nome do Pai

Antecipando o dia (apenas nesta Jardim Atlântico, pois o tempo é mesmo muito relativo e São José já nasceu em tantos pedaços de Mundo…) copio dois poemas “em nome do Pai”. Precisamente da antologia com esse nome (Modo de Ver, editores e livreiros, lda – jornal Público).


A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha
.

Miguel Torga, Bucólica.


O que não fizermos sozinhos,
fazemo-lo agora solitários
recriando a natureza
até nos filhos dos outros.
Devolvendo amor de pai
ambientando em lembranças
vivas, tão vivas!, que a morte
nada pode contra elas.
Condição mais do que dúbia,
mas certa. Educar os filhos
a serem igual aos pais,
tal como foram amigos
ou lhes criámos a imagem.

Porque os pais são mortos vivos
e nós somos vivos mortos.

Reparem os meus ouvintes:
eu não me quero sentir morto
e chamo aos filhos dos amigos
os meus filhos.

Ruy Cinatti, Didáctica

Chuvas da Estação



Para tardes de chuva...

(Michael Nyman - The heart asks the pleasure first (The Piano - OST)


Também numa Esplanada abrigada.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Nebulosa

Barras-me num limite fluido
Aí envolves o a que não chego
Simuladora transparência, vidro
Tento de evaporar o mútuo medo

Se nos chegarmos um pouco mais
Ainda que o receio domine o gesto
Já acredito que acertei, e tu não sais
Porque aceitas que a vida vale o resto

Jogamos desse modo às escondidas
Entre todo o amor e o amor p’ra ter;
Mistura de cautelas e de desmedidas.
Dúvida tanta entre o querer e o poder.

gare


O mar acabara

O mar acabara para os olhos de Macário, naquela noite. A areia frágil também acabara, e o rochedo esburacado como uma esponja pela erosão, e a sua laca de espuma e de sol, e debaixo dos barcos virados, as redes amarfanhadas em que os peixes morriam e o amor, às vezes, principiava. Pousava nas mulheres o cheiro do mar, impregnava-as até aos ossos através das saias e das blusas, de modo que os seus corpos se abraçavam ondas solidificadas de água.
Maria Gabriela Llansol, A terra fora do sítio

Pensaste já...?

Pensaste já, ó Outra, quão invisíveis somos uns para os outros? Meditaste já em quanto nos desconhecemos? Vemo-nos e não nos vemos. Ouvimo-nos e cada um escuta apenas uma voz que está dentro de si.
As palavras dos outros são erros do nosso ouvir, naufrágios do nosso entender. com que confiança cremos no nosso sentido das palavras dos outros. Sabem-nos a morte, volúpias que outros põem em palavras. lemos volúpia e vida no que outros deixam cair dos lábios sem intenção de dar sentido profundo.
A voz dos regatos que interpretas, pura explicadora, a voz das árvores onde pomos sentido no seu murmúrio - ah, meu amor ignoto, quanto tudo isso é nós e fantasias tudo de cinza que se escoa pelas grades da nossa cela!
Bernardo Soares

domingo, 16 de março de 2008

A LENDA DOURADA e linda
Que me contaram outrora
Em minha alma dorme ainda
Mas é outra lenda agora.

Antigamente falava
De fadas, elfos e gnomos;
Hoje fala só da escrava
Indecisão que nós somos.

Mas elfos, gnomos e fadas,
Vistos certos, que mais são
Que as projecções enganadas
Dessa nossa indecisão?

Criamos o que não temos
Por nos doer não o ter,
E quase tudo que vemos
É o que ansiamos por ver.

Depois, cansados daquela
Visão que viu só o nada,
Fechamos toda a janela,
Ficamos na alma fechada.

Mas ainda esses entes todos
Que outrora eram visão,
Bailam mesmos, e inda a rodos,
Mas só no meu coração.

Fernando Pessoa, 1934.

sábado, 15 de março de 2008



Pergunto se é suficiente fugir

e a luz chama-me à varanda.

Mostra-me o mundo e diz:

"é tudo teu... assim voes!"

Recuo a casa, puxado na mão da fé:

O Mundo, ainda bem, é o que é!




No time to stop and think



The only hope is the next drink.
If you like, you take a walk.
No time to stop and think,
The only hope is the next drink.
Useless trembling on the brink,
Worse than useless all this talk.
The only hope is the next drink.
If you like, you take a walk.

Malcolm Lowry
(As cantinas e outros poemas do álccol e do mar)

quinta-feira, 13 de março de 2008

atento


Rocha


3000 - Coi


Os pregos na erva

(...)
Leonardo sentou-se aos pés da cama, à espera que a chuva abrandasse. Depois, encorajado pelo pensamento de que se partisse já com ela feita, de volta da fábrica apenas teria de que deitar-se, retirou os lençóis, os cobertores, e amontoou-os no chão lavado. Estendeu o lençol e lembrou-se de Raquel. Desejou-a deitada nele, não despida mas antes do momento de despir-se, ainda nublada pelo vestido, passiva sob a esperança em vias de consumar-se. pegou no outro lençol, nos dois cobertores aos quadrados castanhos e pretos, com um fruto em cada quadrado, e acabou de fazer a cama.

Maria Gabriela Llansol

Eu deixei de fumar e arrependi-me

Devo ter começado a fumar aos doze ou treze anos. Mas só comecei a engolir o fumo aos catorze, depois da humilhação produzida por um amigo que notou a minha maneira superficial de fumar. Ele denunciou-a como sendo uma batota. Mas era só ignorância. Queria ser um fumador a sério. Desde essa vez, nunca mais parei de engolir o fumo.

Passaram vinte anos, sempre dedicados e fiéis ao tabaco. Fui esmerado e leal. Até que um dia, ingrato, deixei de fumar. Eu não só fumava muito como também cheguei a ter um método que evitava uma impossível e indesejada saturação. Começava pela manhã com Marlboro; não essas mariquices lights, mas os verdadeiros, os dos cowboys com música de Os Sete magníficos. Quando podia, fumava Craven A, os meus preferidos, com um maior teor de nicotina e de condensado de alcatrão. Ao fim da tarde, passava aos míticos Gitanes sem filtro. Não andava ali a brincar. (…)
Até que um dia tomei a decisão de deixar de fumar. Não foi por medo de doença nenhuma. O cancro e os problemas cardiovasculares, não sei porquê, não conseguem ser suficientemente dissuasores. Suponho que se o tabaco provocasse herpes ou varíola as campanhas antitabágicas seriam mais eficazes. O meu problema era simples: acordava com uma tosse incómoda, barulhenta e muito, muito pouco discreta. Só passava depois do segundo ou terceiro cigarro. Foi assim que, farto desse acordar de tísico e de dar nas vistas, decidi abandonar o tabaco. Foi então que o pesadelo começou. O primeiro dia foi menos duro do que se poderia esperar. É uma questão de orgulho. Assim que comunicamos aos nossos mais chegados, ficamos com uma espécie de sensação de vaidade messiânica. Sobretudo se os mais chegados também fumam como morcegos. O problema começa no dia seguinte. Aquela pressão dos mais chegados transforma-se em indiferença. “Queres um cigarro? Ah! É verdade. Não te incomoda que fume” é o tormento mais usual. Sei de casos de desistências absolutamente deprimentes. De pessoas que três ou quatro dias depois recomeçaram a fumar e ninguém deu por nada. Eu não. Fazia questão que o mundo soubesse (…).
Ao segundo dia de ter deixado de fumar conheci a insónia pela primeira vez. Odiei-a, mas ela nunca mais me deixou. Dia, semanas e meses estive à procura do químico exacto que me devolvesse o meu dormir de bebé (…).
No meio de tanta infelicidade, decidi que pelo menos não podia andar a privar-me de tudo. Era necessário compensar tamanha falta de alegria. À medida que aquele mal-estar de que falei no começo desaparecia, o apetite e o sabor pela comida e a bebida aumentavam. Sempre gostei de comer e de beber, mas quando deixamos de fumar o sabor das coisas é mais puro, mais límpido. Isto parece bonito dito assim. Mas não é. È trágico. Para já desminto que antes de abandonar o tabaco eu era alto, loiro e magro. Eu era só magro. Deixei de o ser (…).
A propósito: quando fumava, qualquer mal-estar otorrinolaringológico, respiratório ou de simples fadiga era rapidamente explicado pelos meus excessos tabágicos. Agora, cada vez que tenho uma amigdalite, uma tosse inesperada, uma sonolência inoportuna, não tenho a quem raio culpar. Gasto o dobro em médicos, agora que estou livre do vício e supostamente saudável. Era tão bom dizer: “Ena pá! Estas escadas dão cabo de mim. Estou a fumar de mais. Tenho que me cuidar, pá…tens lume?”

Carlos Quevedo (nos idos de 1990), Já Não Me Lembrava – os delírios da Kapa e outros textos, Oficina do Livro, 2006.

Com especial dedicatória ao ilustre Viriato Castro e em desagravo de malévolos dizeres que diamantes (ralos como o talco) lançam à blogosfera, sem propósito.

Em memória

Leonardo via a noite desfazer-se, num ritmo apressado, através das vidraças livres de cortinas. O dia poluía o repouso da noite e começava a opor sombra e luz à escuridão uniforme. Pairava sobre a sua cabeça apoiada no colchão, sem travesseiro que a elevasse, um presságio de repouso acabado. Um movimento latente crescia nas calças e na sua camisa, estiradas na cómoda gelada por um tampo de mármore, ao lado do prato com o pão partido. Maria Gabriela Llansol, Os pregos na erva.

Páscoa, 1916

Encontrei-os ao fechar do dia;
vinham com rostos vívidos
Do balcão ou secretária, por entre
Casas cinzentas setecentistas.
Passei com um acenar de cabeça
Ou palavras de cortesia sem sentido,
Ou então demorei-me um pouco e disse
Palavras de cortesia sem sentido,
E pensei antes de partir
Numa história jocosa ou chalaça
Que agradasse a um amigo
À volta do fogo no club,
Na certeza de que vivíamos
Onde reina o bobo multicolor.
Tudo mudou, de todo mudou,
E uma terrível beleza nasceu.
(...)

William B. Yeats
(trad. João Ferreira Duarte
Leituras - poemas do inglês
Relógio d'Água, 1993)

The Falling of the Leaves

Autumn is over the long leaves that love us,
And over the mice in the barley sheaves;
Yellow the leaves of the rowan above us,
And yellow the wet wild-strawberry leaves.

The hour of the waning of love has beset us,
And weary and worn are our sad souls now;
Let us part, ere the season of passion forget us,
With a kiss and a tear on thy drooping brow.

William Butler Yeats

quarta-feira, 12 de março de 2008

Seinfeld: favorite moments

A melhor série de todos os tempos?

Seinfeld

Tudo pode tentar-me

Tudo pode tentar-me a que me afaste deste ofício do verso:
Outrora foi o rosto de uma mulher, ou pior -
As aparentes exigências do meu país regido por tolos;
Agora nada melhor vem à minha mão
Do que este trabalho habitual. Quando jovem,
Não daria um centavo por uma canção
Que o poeta não cantasse de tal maneira
Que parecesse ter uma espada nos seus aposentos;
Mas hoje seria, cumprido fosse o meu desejo,
Mais frio e mudo e surdo que um peixe.

W. B. Yeats
(trad. José A. Baptista)

terça-feira, 11 de março de 2008

tua luz

Queria eu a luz que vejo
Na escuridão da procura
Tendo ela o som de beijo
Três gestos antes de tua.

Foi esta a quadra exacta
E nesse momento preciso
Lançaste o olhar que mata
As réstias do meu juízo.

De que serviria correr?
Dali já fugira o eu…
E o outro queria morrer
Ao ver-te no olhar o céu

Ridículo!, assim escrito, este amor
Ou outro, explicaria o Sr. Fernando
De repente, no Pólo seca-se de calor
E parece eterno um pequeno quando

segunda-feira, 10 de março de 2008


Roth

(o que os romances fazem ao leitor comum) Os romances fornecem aos leitores algo para ler. Quando muito, os escritores mudam a maneira dos leitores lerem. Essa parece-me a única expectativa realista. Também me parece que seja o bastante. Ler romances é um prazer profundo e singular, uma actividade humana absorvente e misteriosa que não exige maior justificação moral do que o sexo.
(como se descreveria; como se julga ser, comparado aos seus mutáveis heróis) Sou como alguém que esteja vivamente a tentar sair de si mesmo e transformar-se nos seus heróis mutáveis. Sou muito parecido com alguém que passa o dia todo a escrever.

Entrevista a Hermione Lee, 1983-1984, Paris Review

Primeiro Final

Foi numa tarde de Julho que ela concretizou os meus piores receios…
O Verão submetia-nos à sua real dimensão. Estávamos os dois sentados no sofá de minha casa tentando espantar o calor que insistia em dar uma consistência gelatinosa aos nossos corpos.
Ela trazia no rosto a marca de cemitérios e de funerais, aniquilando desta forma toda a esperança (que agora só a mim fazia sentido) num futuro. Como ela não conseguia falar foi necessário que a pressionasse até que ela disse:
-Eu adoro-te, mas já não sei se te amo. As palavras tinham ainda o sabor do mel, mas eram frias, distantes e afiadas como uma navalha de capar grilos ou porcos.
- Não quero que me adores, disse eu. Não me adores. Prefiro ter o teu amor ou o teu ódio, porque ser adorado implica distância e eu quero-te sempre perto de mim.
-Lamento muito, mas não posso. Nos olhos dela nasciam lágrimas azuis e transparentes. Não sabes como eu lamento, mas não consigo viver com uma pessoa que não tem objectivos nem sabe lutar.
Cheguei a pensar rebater as conclusões dela e dizer-lhe que apesar de não lutar, nunca deixei de ter objectivos, nunca deixei de sonhar, mas achei que não valia a pena, que ela tinha tomado a decisão que achava mais correcta e que não voltaria a trás.

Nessa Noite sonhei com Sereias e Barcos naufragados mostrando sinais de rombos de esperança no Casco.
Publicada originalmente em http://estranhoanjo.blogspot.com/

O QUINTO IMPÉRIO

Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade,
Europa-- os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?

Fernando Pessoa
Mensagem

Será que alguém ainda sonha,
com este cumprir de Portugal?
Ou apenas se esconde a vergonha
por apenas se ter um destino normal...

sábado, 8 de março de 2008



Subo onde, se te não vejo?


No fundo, procuro-te

no fundo, perdendo

a vista onde vi

perderes o passo


ritual

Esse ritual que desenhas na penumbra,
se bem penso,
parece-me estudado;
treinado para apenas se vislumbrar um esboço,
sem espessura.
A primeira vez
- quantos anos lá vão?... -
cuidei ser apenas um modo,
igual a qualquer outro,
de te livrares dos adereços.

Prodígios

Esquecendo tantos outros merecimentos, tantas fantásticas escritas, fica aqui, ainda em louvor da data, um começo maravilhoso. Afinal, o titulo salvaguarda-me: o dia é mesmo de (dos) prodígios.
"Um personagem levantou-se e disse. Isto é uma história. E eu disse. Sim. É uma história. Por isso podem ficar tranquilos nos seus postos. A todos atribuirei os eventos previstos, sem que nada sobrevenha de definitivamente grave. Outro ainda disse. E falamos todos ao mesmo tempo. E eu disse. Seria bom para que ficasse bem claro o desentendimento. Mas será mais eloquente. Para os que crêem nas palavras. Que se entenda o que cada um diz. Entrem devagar. Enquanto um pensa, fala e se move, aguardam os outros a sua vez. O breve tempo de uma demonstração.
Carminha parecia fazer adeus, mas apenas lavava janelas."
Lídia Jorge, O Dia dos Prodígios.

No dia

Em louvor da data que corre, socorro-me de Fernando Pessoa, quando louva, sublime, duas mulheres sublimes:

D. Tareja

As nações todas são mistérios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe de reis e avó de Impérios,
Vela por nós!

Teu seio augusto amamentou
Com bruta e natural certeza
O que, imprevisto, Deus fadou.
Por ele reza!

Dê tua prece outro destino
A quem fadou o instinto teu!
O homem que foi o teu menino
Envelheceu.

Mas todo vivo é eterno infante
Onde estás e não há o dia.
No antigo seio, vigilante,
De novo o cria!


D. Filipa de Lencastre

Que enigma havia em teu seio
Que só génios concebia?
Que arcanjo teus sonhos veio
Velar, maternos, um dia?

Volve a nós teu rosto sério
Princesa do Santo Gral,
Humano ventre do Império,
Madrinha de Portugal.

8 de Março

A vós que no sem desejo m’enlouquecem
entre esperanças várias e gesto desmedido
Ficam as glórias enormes que enobrecem
todo o caminho das vidas e o seu sentido

Mães dos soldados, sem o quereres,
mães de poetas por dádiva de atenção
Vós também santas, pois sois mulheres
que fazeis das rosas um regaço de pão

Feito o preito, dito em escasso saber
que o merecimento seria bem maior,
fica a lembrança teimosa de vos ver
e onde olhar-vos é gesto de louvor.

sexta-feira, 7 de março de 2008


MÃE/MAR

Quando fores velhinha e de cabelo branco
Continuarás a sentar-te junto do mar
Naquele banco onde sempre te olho em espanto
E ver-te é um exercício completo de sonhar

Olhamos o mar aberto de olhos trocados
Indiferentes à visão sozinha de cada qual
Mas ao olhá-lo e sentindo os mesmos bocados
Eu sei que nos teus olhos o quadro é integral

Mais tarde os dedos falharão os traços d’artista
Com que me pintaste o tempo toda a vida
Ao areal e ao verde não chegará a mesma vista
Porque foi comprida a tua missão cumprida

Mas ensinarás lembrança mesmo em gestos lentos
Colorindo em sépia os recortes fugidos
Como quem enlaça da vida todos os momentos
E certifica a memória como foram vividos

Temo a saudade de olhar o banco, apenas
E ver-te igual, mas sem te ouvir a voz
Mesmo que no olhar me escrevas poemas
A rimar que os dois nunca seremos sós

Cem anos que vivesse te sentiria
Em cada instante que fecho os olhos
É impossível não respirar a maresia
Que contigo se mistura em meus sonhos

(2.ª edição, revista)

Antonio López

Gran Via, 1974-1981
Óleo sobre tela
90,5cmx93,5cm
Colecção particular
Mais um Pintor. Desta feita é o espanhol António López Garcia. A sua técnica hiper-realista é conseguida através de um trabalho minucioso de paciência. Esta obra foi realizada ao longo de 7 anos, onde o pintor procura captar a luz do nascer do sol, numa determinada época do ano. Pode-se reparar no pormenor do relógio digital parado às 6h e 30m o que acrescenta ao quadro uma dimensão de temporalidade.

Ainda n' A ESTRADA

Ainda A Estrada. Ou percorrendo A Estrada. Vendo e revendo.

“A fragilidade de todas as coisas enfim revelada. Velhos dilemas inquietantes esvaziados de sentido, dando lugar ao nada e à noite. O derradeiro exemplo de uma coisa leva consigo toda a categoria. Apaga a luz e desaparece. Olha à tua volta. Nunca é imenso tempo. Mas uma coisa o rapaz sabia. Que nunca é apenas um breve instante.
Sentou-se junto a uma janela cinzenta à luz do final da tarde, numa casa abandonada, e leu velhos jornais enquanto o rapaz dormia. As curiosas notícias. As bizarras preocupações.
(…)
Ele dormitava no calor maravilhoso. A sombra do rapaz passou-lhe sobre o corpo, a transportar uma braçada de lenha. Ficou a vê-lo atiçar as chamas. O meteoro chamejante de Deus.
(…)
Que mal teriam eles feito? Parecia-lhe bem possível que, na história do mundo, houvesse mais castigo do que crime, mas isso não lhe proporcionava grande consolo.”

Na tradução de Paulo Faria, CORMAC McCARTHY (Relógio d’água)

quinta-feira, 6 de março de 2008

poema

A cor da neve no rasto da lua
O tom do nevoeiro após a chuva
A luta do olhar por uma súplica
O som do sorriso quando te vejo

Tinha na veia um poema necessário

que precisava de escrever no teu peito
a escorregar, lânguido, em tons de vento
e que desça em encanto
ou encantamento

Olha, é o House, não é?


E antes de ser Doctor House ou mesmo o Zé Pesca (como, de resto, aqui se mantém), já Hugh Laurie era um bom artista, agradando qualquer um que o visse a trabalhar.

E também se ri aqui.

Gerhard Richter 2


Wolkenstudie (Gegenlicht) / Cloud Study (Contre-jour)1970
80 cm X 100 cm
Óleo Sobre Tela
Deixo mais uma imagem de um quadro do Pintor vais valioso da actualidade e que, infelizmente, em Portugal poucas pessoas conhecem. Como mera informação posso indicar que esta obra, que faz parte de uma série de várias dedicadas às nuvens, se encontra exposta no Museu Staatliche Kunstsammlungen, em Dresden, e que foi adquirida por mais de 3 milhões de Dolares americanos.
P.S. - Quem quiser roubar tem a minha integral autoização...

terça-feira, 4 de março de 2008

adúlteros desorientados

Existe la creencia generalizada de que el adúltero identifica a la esposa con la madre y a la amante con la mujer. Pero no es seguro. Resulta más verosímil pensar que quien juega el papel de madre sea la amante. El adúltero se escondería, precisamente, para ocultar al mundo esa forma de incesto atenuado. En ese sentido, el adulterio guarda relación con la muerte, pues la vuelta a la madre es un intento de regresar al útero y de desaparecer por tanto. De hecho, cuando el adúltero ejerce las labores proprias de su ministerio, es como si se encontrara en el interior de una tumba, pues nadie sabe donde está. Cuando sale a la calle despúes de haber pasado la tarde o la noche con la amante, es como si resucitara, o como si naciera, pues todos los lugares del adulterio tienen mucho de útero. El adúltero es en realidad un (ad)útero.
Otro caso interesante es de los adúlteros que se engañan a sí mismos(...).
Juan José Millás
Cuentos de adúlteros desorientados, Lumen.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Urban Style


E porque na esplanada à beira da Catedral também se aspira a um estilo de vida decididamente urbano, sofisticado e viciado no puro bom gosto, a sugestão literária de hoje é dedicada a esta Revista.


Moda, design, arquitectura, conceitos - tudo junto num excelente exercício de fusão bem conseguido.


O grafismo (acompanhado por uma objectiva fotográfica certeira) procura dar o destaque que as notícias merecem. Ao contrário de outras tantas publicações - lusas, claro está - a Wallpaper não se detém na sede de protagonismo de quem nela escreve, procurando, isso sim, dar a conhecer o que de melhor se faz na Europa e no Mundo.

As ideias são o que realmente conta, fazendo acreditar que é mesmo possível voltar a outros tempos onde o espírito criativo tinha o poder de mudar mentalidades, convenções e até políticas.


De facto, conseguíssemos nós trazer de volta o Renascimento e na capa desta revista teríamos o loft de Leonardo Da Vinci, o estúdio de Miguel Ângelo e as capas dos discos que eventualmente Rafael ouviria enquanto pintasse.


A Wallpaper é assim - um canhenho de ideias que adquirem forma, volume, tempo e profundidade.


Um "must", simplesmente.

domingo, 2 de março de 2008

Flor

Sonho, por vezes,
Com o teu corpo estendido,
Repousando,
Nas águas que conduzem ao esquecimento.

Sem frutos,
Sem sementes,
Uma flor destinada a ser
Aquilo que apenas foi...

sábado, 1 de março de 2008

o nexo mais fraco


Sei que é por arribar aos meses primeiros. O Fevereiro, tal como o Janeiro frio, é invento retardado. Vou de motorizada ao sítio que não encontro e desespero (suavemente) em busca de respostas. À porta. Guardando o pórtico da dúvida. A alma acomoda-se ao ténue cair dos dias semelhantes. Sofrimento calado de noites escondidas, em perda de olhos desaparecidos nas amizades inventadas. Se não há aceleração, sobra o ritmo, coragem de primitivas necessidades, filho de circunstâncias. Não há areias que agitem o mar (de sargaço) que se compromete em lassidão. Não há amoras bastantes – mesmo se poucas – porque se esquecem na negra brancura dos lençóis gastos, indolentes a nos enxotar ao mundo, a nos forçar a abrir os braços. Como um abraço, medianamente abrangente.

(a pedido de um amigo, autor garboso, que, algumas vezes, toma cicuta em lugar de água mineral. E me deu a entender que a loucura é uma contagem não estatística da normalidade)