sábado, 29 de março de 2008

Rosa Vermelha Em Quarto Escuro




O regresso de Pedro Paixão, agora em nova editora.
"Salvo nos momentos de paixão em que vivemos a tremenda certeza de estarmos a ser quem somos. A sua última paixão chama-se Cate Blanchet. Uma actriz de cinema australiana. Uma actriz não é bem uma pessoa. Não é forçada a ser sempre uma mesma pessoa. Muda de pessoa. Tudo lhe pode acontecer. Muito diferente da habitual ansiedade de saber se algo vai ou não acontecer. A paixão é um engano em que nos queremos enganar mais do que tudo. Uma partida pregada pela vida que depois nos reconduz ao lugar quotidiano ao qual pertencemos e nos vai construindo e desfazendo. Dia a dia, todos os dias. O castigo de ter querido ser mais do que se é. Do que se pode. Ela pensa várias vezes em coisas deste tipo. Coisas que apelida do tipo inútil. Que não parecem ajudar. sem aprofundar muito. Com receio de pensar demais nisso e ficar retida algures numa dúvida cheia de perigos..."

22 comentários:

Anónimo disse...

Pedro Paixão andou anos muitos a escrever histórias curtas, de filosofia breve, além de ter publicado álbuns de fotografias. Da nova geração é o único que o famoso Luiz Pacheco - recentemente falecido - elogiava sem temor. Agora na Bertrand - que já republicara o seu famoso primeiro livro (a Noiva Judia ... quase gosto da vida que levo!!)- lança um livro a que chama romance (e sê-lo-á, naturalmente) com mais de duzentas páginas. O anterior,como tal definido, era Boa Noite, mas numa volumetria muito mais reduzida. Também se gosta muito de "Viver todos os dias cansa" e das crónicas de Nova Iorque, por ocasião do onze 11 do mês nove. Setembrfo

Anónimo disse...

"Ela gosta daquela cidade onde a ninguém é permitido olhar nos olhos o transeunte que passa e se cruza. Ela ama aquela cidade onde as livrarias ficam abertas pela noite dentro, onde há cafés que nunca fecham senão durante uma hora para a limpeza. Ela odeia aquela cidade onde não se conhece ninguém que não seja por motivos práticos. Uma cidade onde o seu amor nunca volta a aparecer com aquele sorriso inescrutável de menina perversa. No mês passado a lavandaria que ficava a dez metros de sua casa transformou-se de um dia para o outro num restaurante coreano" (...)

P. Paixão, Rosa vermelha em quarto escuro.

Quem gosta de cidades assim?
Quem não odeia cidades como estas?

Anónimo disse...

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
........
Sei que não vou por aí!"

José Régio

Anónimo disse...

À sua passagem a noite é vermelha,
E a vida que temos parece
Exausta, inútil, alheia.

Ninguém sabe onde vai nem donde vem,
Mas o eco dos seus passos
Enche o ar de caminhos e de espaços
E acorda as ruas mortas.

Então o mistério das coisas estremece
E o desconhecido cresce
Como uma flor vermelha.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Anónimo disse...

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.

Sophia de Mello Breyner Andresen

AugustoMaio disse...

Bendito(a) anónimo: tanto poema de qualidade e gosto.

Obrigado.

Anónimo disse...

"A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça."
Carlos Drummond de Andrade

....NÃO AGRADEÇA!!!!

Anónimo disse...

«O medo de sofrer é pior do que o próprio sofrimento.
E nenhum coração jamais sofreu quando foi em busca dos seus sonhos».
Paulo Coelho, in «O Alquimista»

Bem hajam.
Eu

Anónimo disse...

Fiquei curiosa, e ainda mais quando li, sobre o tema:
"Ela é uma jovem mulher nova-iorquina à procura de si própria e do sentido da existência, e tão perto do segredo da vida como da solidão e da morte."

Vou ler.
Talvez encontre esse segredo...

Anónimo disse...

"Sabe que atravessou uma fronteira mas não sabe dizer qual. Se alguém lhe perguntasse faria um esforço e talvez encontrasse não a resposta certa mas uma possível que calasse a pergunta. Mas não há quem lhe pergunte. Vai até ao espelho do quarto de banho e olha a sua cara. Tão estranho ter-se uma cara. O lugar dos olhos. O desenho dos lábios. A cor da pele. Passa água fresca sobre a cara. Não se seca com a toalha que está mesmo ao seu lado direito. Continua a olhar-se com a cara molhada. O que nos une é uma enorme ignorância. É ums frase que lhe vem com frequência à cabeça nas últimas semanas".

Anónimo disse...

Nem charme nem sex appeal. Só o mistério pode explicar a serenidade de C. Blanchett. Uma atriz enorme, que em "I,m not there" representa o mais assombroso do seis "Dylans".
Actual - jornal expresso

Anónimo disse...

"Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar."

António Gedeão

Anónimo disse...

Depois do Natal trazemos as almas mais magoadas, é certo. Gostamos muito uns dos outros, mas com as devidas distâncias de espaço e de tempo. Depois de uma ou duas horas de contenção, por uma acumulação lenta insuspeita, abre-se uma fissura, uma brecha por onde explode a violência. As famílias são centros de alta fricção acumulada onde pessoas se obrigam a conviver muito para além da própria vontade, lugares atafulhados com miragens e fantasmas.

Pedro Paixão,Saudades de Nova Iorque

Anónimo disse...

"Não soube quem fui. Nada comecei, nada acabei.
Por vezes vejo-me a enlouquecer.É um temível espectáculo de que sou o único actor, o único espectador. Vejo-me a abandonar a maneira habitual em que se está ocupado na vida para entrar em lugares em que se sente e conhece o agudo terror simples de se estar. A deixar de ter mão no que se pensa para que um pensamento, qualquer um que não meu, tome conta de mim e, levado por aquele vento, me largue sem maneira de voltar atrás e encontrar o abrigo das minhas ausentes certezas. A confundir-me com tudo e em tudo, numa massa imensa de seres visíveis, logo semelhantes, sem encontrar motivo para poder dizer eu. Só sabe quem não pode dizer o que vê"

Pedro Paixão, Saudades de Nova Iorque

Anónimo disse...

Muito obrigado pela vossa atenção que me dá alento para continuar nesta solidão que é tentar ercrever.
O lançamento do livro é dia 2, quarta, às 6 e meia na Bertrand do Chiado. Estão todos convidados, claro.

pedropaixão

www.pedropaixao.net

Anónimo disse...

Mas que honroso convite. se não estivessemos ocupados no Blog!!

Anónimo disse...

E, já agora:

"Escrevia uma página. Relia-a e cortava logo alguns parágrafos. Voltava a lê-la e tirava algumas frases (...)Se não fosse a mulher roubar-lhe a página, restaria uma palavra ou outra ou talvez nada.
Ele precisava tanto de escrever como de apagar o que escrevia."

Apagar, Pedro Paixão, Vida de Adulto

Anónimo disse...

"Quase gosto da vida que tenho. Não foi fácil habituar-me a mim. Tive de me desfazer de coisas mais preciosas, entre elas de ti. Sim, meu amor, tive de escolher um caminho mais fácil. O dinheiro também tem a sua poesia. E tenho tido sorte.
Deixei para trás a obrigação de mudar o mundo. Só ainda sinto dificuldades em mentir, mas também aqui vejo melhoras"

P. Paixão, A Noiva Judia

Anónimo disse...

Demasiado tempo...

"Quatro horas é muito tempo na vida de uma rapariga. Isto foi o que o meu amigo me disse quando lhe contei que ela me tinha telefonado para dizer que segunda-feira tinha tempo para estar comigo, e eu lhe perguntara quanto, e ela tinha respondido o suficiente, e eu tinha dito pelo menos quatro horas, e ela disse que isso não podia, que era demasiado tempo"

Pedro Paixão, Amor Portátil.

Anónimo disse...

11.

Entre duas pessoas há sempre um caminho infinito. É a frase que ela escreve no seu caderninho de capa dura. Mal acorda. Ainda sentada na cama. Não quer necessariamnete dizer que concorde. Quer dizer que gosta daquela farse. Como quem gosta de pêssegos brancos ou lagos na infância. Se pensar, é fácil apontar-lhe uma contradição. Se há um caminho não pode ser infinito. Um caminho tem de poder ser percorrido. Uma frase pode ser bela sem ser verdadeira. Como as pessoas. É preciso ter cuidado. Pelo menos ter em atenção (...)
Insónia. Por exemplo. Parece-lhe intensamente bela a palavra, mas horrível ao que corresponde. Sofrer de insónia. Foi durante muito tempo o seu caso.

P. Paixão, Rosa Vermelha em Quarto Escuro

Anónimo disse...

Acho que isto tem que ver (tem que ver é mais forte que tem a ver, é mais uma obrigação...)com recordação ou saudade. Qual a diferença? Como sempre, deve estar no olhar.

Voltando ao início... assim sendo (não o sendo, tanto dá)deixo uma(s) curta(s) de Carlos Ruiz ZAFÓN. É conhecido pela Sombra do Vento, todos o saberão e, se não, devem correr a saber. Aqui, no entanto, é um livrinho (sem desprimor)que dá pelo nome de Marina.

"Marina me dijo uns vez que sólo recordamos lo que nunca sucedió. pasaría una eternidad antes de que comprendiese aquellas palabras. (...)No sabía entonces que el océano del tiempo tarde o temprano nos devuelve los nrecuerdos que enterramos en él. Quince años más tarde, la memoria de aquel día ha vuelto a mí. he visto a aquel muchacho vagando entre las brumas de la estación de Francia y el nombre de Marina se ha encendido de nuevo como uns herida fresca. todos tenemos un secreto encerrado bajo llave en el ático del alma".

Anónimo disse...

"Passeávamos de mãos dadas pelas ruas. de mãos entrelaçadas. Eu só sentia as tuas mãos. Cruzavamos pessoas que nos olhavam com um ar de espanto. Tínhamos muita idade. Não tínhamos sexo. Eramos como anjos, a sério.
Isto foi um sonho do qual recuperei estes fragmentos quando tomava o pequeno-almoço num dia cheio de sol.
Há-se chegar uma pessoa que não saiba de nada disto"

P. Paixão, 88 anos, Vida de Adulto.