quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

quadro 4

um prédio de oito andares e mais dois iguais. no quinto, do segundo, da esquerda, doutro tempo, dissera, não devia. agora quererá dizer não deves. presente. deviam construir prédios com floreiras e sempre virados ao sol. a arquitetura; tanto dá. mais longe já correm as sombras que a manhã desperta. seis, sete graus; não mais. chocolate. três passos. parte. lábios escuros. passa a língua como um limpa pára-brisas. o dedo desleixa-se da piada (não contes...) e do percurso. sem fossem brancas.
a origem do trauma:porto santo, ano indeterminado, década de não sei quando; imensa, praia imensa, e ela. outra. apaga-se a luz do dia e tudo se ilumina. branco cor de neve, cheio, a luz desde o ilhéu
(camus, estrangeiro, rápido, muito rápido; cegueira, prumo, olhos azuis, o sol, os olhos azuis, branco, boa)
foi aí.
não lhe digo .

quadro 3

o lábio desprende-se do beijo

quadro 2

a realidade está lá fora. eu - ele, corpo - despreza-a, absorvido em olhos castanhos, oblíquos, no sofá.
o fio corta - lá fora - e, de repente, é janeiro; chega aos repelões.
sim, não; um palmo de mão. a língua de um atrevimento. a dúvida mortal, inventada de comum desacordo.
vamos imaginar que ela imagina, que olha, distraindo o momento.

quadro 1

e vou, dedo por definição, e paro. tateio com a suavidade da espuma e parece-me rendilhado de nuvem. de cima olham, olho, mas nada acrescento à textura do impulso. elástico. mal noto. o fio preto manterá a cor até ao centro da espécie. no mesmo instante olho. e palpo um sulco de elegância
(expressão delinquente, perdida no cérebro - quando sobrevier a autópsia, mapeado gota a gota, ainda a palavra aí repousa? e jazente, ou moribunda, ou vívida... elegância)
magreza, finura, não desço mais que nada. e ela fala.
voz: pára, se não...

domingo, 13 de fevereiro de 2011

arquitecturas

Talvez o paraíso repouse
no rasto do teu regaço
no som de menino palhaço
que do sono sonha e não ouve.

Eu queria ter uma palavra
apenas. Mágica, brilhante
como olhos da mulher distante
que me chorou por amada.

Dá-me o sortilégio e parto,
de teu engodo e espera farto;
hei-de encontrar um sol com tua luz - prometo
inventarei teu rosto de novo - sou arquitecto.

(11/2008)
Há árvores que duram 100 anos
As tartarugas aí uns duzentos
Uma vida? - O tempo dos enganos
Nos breves intervalos dos lamentos.

Só aquele teu olhar dura sempre
Porque colado à pele, não largo mais
Surgiu do acaso, num mero repente
Mas nem o solto, aos gritos de teus ais.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

luz

as palavras, bebendo o escuro
no sossego da folha,
pareciam apagadas.

mas, claro, dependem
da luz de quem as lê.

sonho de bandido

lanço fogo ao quarto onde me deito
antes que o escuro derrube a cerca
e contemple a madrugada. voam
lençóis em adeus festivo, içando
braços de revolta, outros de prece.
a cidade está morta no sono,
castiga-me num mar de desinteresse.
não posso ser herói
que nem me deixam ser bandido.
angustiado, reparo que só sonho
e sou o menino de côro,
a lavar os dentes, daqui a nada
com água bem desinfectada.
e toda a minha revolução
(que ia mudar o mundo
naquele preciso e
conseguido instante)
fica-se em arrumar os papéis selados
e, se ligeiro, apanhar o eléctrico.
Mas o devaneio obriga-me
a chamar o táxi.

(10.02.2009)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Compromisso

Desaconchego o lençol
(atrapalha o subtil calor
de um pé dormente)
enquanto distraio
as recomendações do relógio
(petulante
com ares arrogantes
de inequívoco)
e,
por minuto e meio que seja,
decido respirar o silêncio,
desprezar o compromisso, e
gritar
- sem uma palavra que devolva
os vizinhos à manhã -
NÃO VOU.
Satisfeito, levanto-me de imediato.

(19.05.2009)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

e pronto!

é invisível o que ontem me sobrou
dum sonho inconcluso; sei que
havia algo mais, mas não sei
como o esquecimento mo garante
(habitualmente estás presente, mesmo quando me digo
que é apenas um sonho repetido e tresmalhado)
e agora ganhei o medo
onde só estavas pela minha dúvida de renovar o enredo.
gostava de sonhar como sonha um gravador,
e pronto!

verão gelado

está um calor no soalho das ruas
um cortinado de bafo ergue-se até até ao dorso dos adultos
e eu estou gelado, sem febre, neste agosto
que estala as canas dos riachos
secos desde junho.
as saudades humedecem os ossos...
de que serve o teu xaile feito de mãos
se as não sinto desde o inverno ido?
- minha bordadeira de afetos, dobadoira de carícias
em flor de linho;
seguiste o teu caminho
e eu?
arrefeço o verão inteiro.
tenho as malárias da tua picada
(e a europa aqui tão junto).
se voltas só depois de setembro...
tão longe, como é que lembro?
vou agonizar em tranches d'arrepios.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Umbigo

Da mesma forma que o Mundo gira em torno do Sol, para um vasto número de Mulheres o Universo gira em torno do seu umbigo…
E o facto das duas concepções teóricas terem surgido na mesma época histórica não é coincidência….

NON ou a Vã Glória de Mandar



Um filme fraco, mas que parte de uma premissa brilhante...

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

no escuro

escrevo no escuro
os sons do teu silêncio
e leio, de olhos bem fechados,
um coração encadernado
nas cores cintilantes da poesia;
rio-me do sol, que está medroso
tal como eu, teme que esse olhar
- só imaginado - o ofusque,
o envolva no plástico da noite.
é o poema que embeleza a coisa
ou só a coisa faz viver o poema?