sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Deixá-los ir

Quando se sentava na cadeira de lona, ao fim das tardes de Sábado, pedia sempre um gin puro, a caneta preta e aquele bloco quadriculado, esfiapado, onde escondia as memórias. Dizia-me em voz baixa, enquanto olhava o Douro a esticar-se, que algum poema lhe atravessaria a lembrança e receava deixá-lo voar da memória, sem a gaiola do traço. Sábados a fio esperei olhar-lhe o resultado e, muitos anos mais tarde, bem depois de ter partido, quando a coragem me permitiu espreitar os rascunhos, siderei na contemplação: este não guardo; este deixo ir; não o aprisiono...

chuvisco

Por momentos sinto que nada mais sou que um chuvisco de Verão. Por vezes molho a terra quente ressequida, quando muito fixo o pó, mas sou incapaz de deixar marcas ou de fazer florescer vida nos vários terrenos sobre os quais me vou precepitando.
(In “Diários”)

Inverno

Secretamente todos aguardavam o Verão. Todos menos eu, que apenas recordava um Inverno, cada vez mais distante, preenchido pelo intenso cheiro do Amor, velado apenas por uma chuva miúda.

Dá a surpresa

Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?

Fernando PESSOA (1930)


Pássaro branco ou cinzento sobrevoas
o tormento
e levas no teu encanto
um pedaço do meu pranto

Liberdade

AQUI NESTA PRAIA ONDE
NÃO HÁ NENHUM VESTÍGIO DE IMPUREZA,
AQUI ONDE HÁ SOMENTE
ONDAS TOMBANDO ININTERRUPTAMENTE,
PURO ESPAÇO E LÚCIDA UNIDADE,
AQUI O TEMPO APAIXONADAMENTE
ENCONTRA A PRÓPRIA LIBERDADE

SOPHIA

Mãe Ilha IV

Por lentas alamedas musicais
Chegam-lhe as tuas mãos ledas e leves;
Trazem-lhe a valsa que enchia de cristais
A casa e eras de louça mãe de Sèvres.

Lá nas fajãs partiu-te um sopro a mais
Que a morte é cio de belezas breves,
Mas ó mistério de dedos siderais!,
Um triz de música e uma azálea escreves.
(...)

Natália Correia

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Alegres campos ...

Alegres campos, verdes arvoredos,
claras e frescas águas de cristal,
que em vós os debuxais ao natural,
discorrendo da altura dos rochedos;

Silvestres montes, ásperos penedos,
compostos em concerto desigual,
sabei que, sem licença do meu mal,
já não podeis fazer meus olhos ledos.

E, pois me já não vedes como vistes,
não me alegram verduras deleitosas,
nem águas que correndo alegres vêm.

Semearei em vós lembranças tristes,
regando-vos com lágrimas saudosas,
e nascerão saudades de meu bem.

LUÍS VAZ DE CAMÕES

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Meu coração é um pórtico partido
Dando excessivamente sobre o mar
Vejo em minha alma as velas vãs passar
E cada vela passa num sentido.

F. PESSOA (1914)

Eva

Um tédio de roer os ossos tomou conta de mim. Eva manteve-se sentada apesar dos sinais de impaciência que lhe preenchiam o corpo magro.
- Porque te manténs tão distante? Perguntou ela - dizer o que pensa nunca foi o seu forte.
E eu ponderei a possibilidade de me manter calado, mas fazer aquilo que quero nunca foi o meu forte.
- Porque estou cansado. Disse eu, com a boca preenchida de cartilagens e tutano.

domingo, 25 de novembro de 2007

Vou...

Sou um moribundo animal. Yes. Yeats.
Na reformada fórmula, reformulo o propósito;
Apropósito e, despropósito, parto:
Erguendo a bandeira que escondo,
E escolho silêncio.
Só interno compromisso me compromete:
Deixar este frete e outro erguer.
Até poder.
Vou-me por aí, que sei por onde não passo.
Vou-me;
Tão-só e me enlaço,
Até que desfaço o mundo antigo.
Vou amigo do perigo. Mas vou.

sábado, 24 de novembro de 2007

Homem


Tomou o homem como obra de natureza indefinida e, colocando-o a meio do mundo, assim lhe falou: "Não te demos, Adão, lugar certo, aspecto próprio ou qualquer tarefa específica, a fim que o lugar, o aspecto ou a tarefa os obtenhas segundo teu parecer ou decisão. Os restantes seres têm a natureza circunscrita por leis que predefinimos.
Tu, livre e ilimitado, determinas as tuas leis segundo o arbítrio do poder que te entreguei. Coloquei-te no centro do Mundo para que daí possas olhar melhor tudo quanto no Mundo há.
Não te fizemos celeste nem terrestre, nem mortal nem imortal, a fim de que tu mesmo, árbitro e soberano artífice de ti, te plasmasses e enformasses na forma escolhida. Aos seres que são as bestas podes degenerar-te; às realidades superiores regenerar-te; mas tudo por decisão de teu livre ânimo.

G. Pico della Mirandola

Orazione sulla dignità dell'uomo.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

O aviador irlandês que intui a morte

(decalcando W.B.Yeats...)

Sei que vou encontrar o meu fim
Algures, nas nuvens altas dos céus
Não combato quem me odeia a mim
Nem defendo nenhum dos meus
Eu sou de Kiltartan Cross
Os meus são os pobres de lá
Não os animaria qualquer fim que fosse
Não mais felizes os tornará
Dever algum ou lei me ordenou fazer
Nenhum estadista ou multidão em clamor
Apenas um impulso solitário, o prazer
me conduziu, nas nuvens, a este horror
Tudo pensei, tudo pressenti
Os anos futuros eram vã sorte
Vão alento aqueles que já vivi
D'equilíbrio com a vida está esta morte.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Um aviador irlandês...

AN IRISH AIRMAN FORESEES HIS DEATH

I knouw that I shall my fate
Somewhere among the clouds above;
Those that i fight do not hate,
Those that Iguard i do not love;
My country is Kiltartan Cross,
My coutrymen Kiltartan's poor,
No likely end could bring them loss
Or leave them happier than before.
Nor law, nor duty bade my fight,
Nor public men, nor cheering crowds,
A lonely impulse of delight
Drove to this tumult in the clouds;
I balanced all, brought all to mind,
The years to come seemed waste of breath,
A waste of breath the years behind
In balance with this life, this death.

W.B.YEATS, The wild swans at coole (1919)

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Nem uma pista...


- Nem uma pista?
- A menos que não haver pistas seja uma pista - disse ele.
- Não haver pistas é uma pista?

(...)



Embora fosse um dia incrivelmente triste, ela estava lindíssima. Tentei arranjar uma maneira de lhe dizer isso, mas todas as que me ocorriam eram bizarras ou erradas. Tinha posto a bracelete que eu lhe fizera e isso fazia-me sentir cem dólares. Adoro fazer peças de joalharia para ela, pois isso fá-la feliz e fazê-la feliz é uma das minhas raisons d'être.


Jonathan S. Foer, Extremamente alto e incrivelmente perto

sábado, 17 de novembro de 2007

Sem título

De que me vale, Cereja, o azul-cinzento que te cobre os olhos, se não vês?
Passo ao alcance de um trejeito e confundes-me com o resto do Mundo, Tanto dá...
E nem a súplica que te deixo alcança teu perdão; nem o sorriso que desenho atinge o teu reparo. Nem nada, nem ninguém me consentem ousar uma espera; um ténue enlevo que fosse.
Desde há dias que não te sonho, mesmo nas noites geladas em que me recolho cedo. Levanto-me a meio da aurora sem te lembrar, e fico triste.
Ainda há meses acordava contigo numa memória de pétalas e cheiros.
Sabes que o teu aroma tem o mesmo som do olhar que me escondes? Sabes a que cheiram os teus lábios, a que sabem os teus olhos, Cereja?
O azul, se é cinzento, sabe-me igual à cor da chuva, quando cai triste em folhas de Outubro. Se o Sol te rasga, Cereja, já os olhos me cheiram ao redondo dos malmequeres, num meio-dia de Maio.
O que me doi - mais de manhã, quando a falta de lembrança me não deixa esquecer-te - é não poder cantar-te o que o silêncio me revela, entoar-te um hino com a fé de um surdo, ser-te Mozart sem pintar uma nota.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Ausência

O fotógrafo Pedro Medeiros em colaboração com a Associação Existências de Coimbra, lançou recentemente uma nova publicação intitulada “Ausência: Paisagem Urbana e Social”. Segundo palavras do fotógrafo, o livro remete “para a temática central da cultura urbana e para as várias formas de comportamento do indivíduo na sociedade contemporânea”. O valor de venda reverterá em 50% a favor das actividades levadas a cabo pela Associação Existências, criada em 2004, e com um notável trabalho desenvolvido na promoção e protecção da saúde através da prestação de cuidados preventivos, curativos e reabilitativos.


CARACTERISTICAS DA PUBLICAÇÃO
Título: "Ausência: Paisagem Urbana e Social"
Autor: © Pedro Medeiros, 2007Edição: Associação Existências/Pedro Medeiros
Capa brochada 15x20cmNúmero de Páginas: 60 - Peso: 0,100 kg
ISBN 978-989-95433-0-0
PVP: 10.00€
LOCAIS DE VENDA
FNAC's:
COIMBRA - Fórum Coimbra (Loja 1.03) - Telefone: 239 801 600
E-mail:mailto:fnac.coimbra@fnac.pt
SANTA CATARINA - Rua Stª Catarina, 73 - Telefone: 22 340 32 00
E-mail:mailto:stacatarina@fnac.pt
CHIADO - Rua do Carmo, nº 2 (Loja 407) - Telefone: 21 322 18 00
E-mail:mailto:chiado@fnac.pt
COIMBRA (Outros Locais):
Livraria XM - Rua de Quebra-Costas, 7 - Telefone: 239 821708
E-mail:mailto:geral@xm.com.pt
ASSOCIAÇÃO EXISTÊNCIAS - Rua das Padeiras, n.º 27 3.º A
Telefone: 912366639
E-mail:a.existencias@gmail.com

http://www.existencias.net/

O fotógrafo coloca à disposição dos interessados os seguintes contactos adicionais:
E-mail:mailto:pmedeiros69@netcabo.pt
URL: www.myspace.com/pedromedeiros

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

The more you ignore me

The more you ignore me
The closer I get
You're wasting your time
The more you ignore me
the closer I get
You're wasting your time

I will be
In the bar
With my head on the bar
I am now
A central part
Of your mind's landscape
Whether you care
Or do not
Yeah, I've made up your mind

The more you ignore me
The closer I get
You're wasting your time

Beware!
I bear more grudges
Than lonely high court judges
When you sleep
I will creep into your thoughts
Like a bad debt that you can't pay
Take the easy way
And give in
Yeah, and let me in
Oh, let me in

It's war
It's war
It's war...

Morrissey