sábado, 30 de janeiro de 2010

A partir de uma ideia "enjeitada" (quem sabe se vê) , com colaboração "angélica" e dedicado à triste sorte. E agora?!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O Clubinho #2 ou "Low Cost on Ethics, a Brief Approach"

A primeira vez que andei de avião - confesso-o sem qualquer traço de vergonha pelo pecado contra a sacrossanta ordem da futilidade -, foi aos dezassete anos. Destino: Estrasburgo, França, pela Air Liberté, uma companhia que não sei ao certo se ainda existe. O propósito de tal viagem era uma visita ao Parlamento Europeu, prémio máximo do Programa Euroscola '96.

Num tempo ainda bem longe do 11 de Setembro e de todas preocupações securitárias de agora, essa primeira viagem de avião foi como a de um petiz que entra pela primeira vez num centro comercial ou numa simples loja de doces.

Digo-o com franqueza. Tudo era novo, tudo era motivo de interesse.

Havia champagne à discrição, almoços completos - a bela da comida pré-cozinhada e ali aquecida -, café instantâneo, água quente para chá em pequenas embalagens de plástico, talheres de metal e até copos de vidro com o símbolo da companhia.

A simpatia das hospedeiras e dos ainda comissários de bordo apenas projectavam para uma escala maior aquele sentimento de pertença a um grupo que, até então, me tinha habituado a ver como restrito - o grupo das pessoas que viajavam mais longe do que até ao Algarve, ou pelo país, o grupo das pessoas que iam até ao "estrangeiro".

Tanto a viagem de ida, como a de regresso, foram experiências afortunadas e recordo-as com saudade. Para mais porque, pela primeira vez, pude disfrutar das lojas duty-free dos aeroportos onde permaneci algumas horas, conhecer os procedimentos de check-in e saber o que era um press centre, com aqueles jornais de que eu só ouvia falar: Finantial Times, The Herald, The Daily Telegraph, Le Monde. Nessa idade apenas assinava a TIME, que me chegava até casa pelo correio. No fim de tudo, como já disse, senti-me Feliz.

Era mais uma experiência - há muito tempo aguardada - que tinha vivido.

Após ter ido, no ano seguinte, a Paris, já por estrada, comendo quilómetros atrás de quilómetros, foi só em 2005 que, pela primeira vez, voei com a TAP, desta vez para Bruxelas. E também foi a primeira vez que tive contacto com o provincianismo de que tinha sempre ouvido falar relativamente à companhia nacional.

De facto, ainda em '93, numa capa da Revista Vida #3 do Independente aparecia uma velha fotografia de um dos voos inaugurais da transportadora aérea nacional, em que uma garbosa hospedeira assomava à porta de um avião metalizado. O artigo, com uma perspectiva mais lúdica, procurava dar uma perspectiva histórica da empresa e estava relacionado com o noticiado período de turbulência que então se vivia entre pessoal de terra e administração, tendo sido os pilotos, segundo o que me recordo, a deitar por terra as esperanças depositadas numa greve por aqueles primeiros anunciada.

A impressão com que nessa altura fiquei foi a de sempre. A TAP era um mundo à parte, apenas ao alcance de pessoas, por exemplo tios e primos meus, com dinheiro suficiente para partir à descoberta de outros destinos e de outros mundos. Se viajar de avião era um privilégio um tanto ou quanto difícil de conseguir, trabalhar, fosse no aeroporto, fosse nos aviões, dava uma aura de respeitabilidade e de sucesso na vida que era difícil de igualar.

Ou seja, persistia, para mim, um certo salazarismo em tal estado de coisas: isto é só para alguns e não para qualquer um. E se quisermos ser francos, o preço proibitivo das passagens, que ainda hoje se mantém, procedia a esse fraccionamento do mercado no espaço.

Consequentemente, comecei a notar esse contangiante elitismo nas caras que fui vendo ao entrar para o avião, em 2005, numa quente tarde de Junho. Principalmente nas hospedeiras. Não sei se alguém já reparou, mas as hospedeiras da TAP ainda se vestem numa linha muito ao estilo dos anos cinquenta, quando se pedia das senhoras serem mais do que empregadas de mesa, ainda que no ar. E foi uma delas que, não me conhecendo de lado nenhum, suspirou de enfado, ao estender-me o tabuleiro do café e ao ter visto que eu me atrevia a tirar uma embalagem de leite para lhe juntar. Penso sinceramente que deve ter concluído ser eu algum pacóvio que andava de avião pela primeira vez.

Tal snobismo bacoco apenas foi superado por aquela que parecia a matrona delas todas e que venho a constatar ser uma presença constante em qualquer vôo - tipo alien-rainha ou abelha mestra. Os seus traços notam-se ao longe: é mais velha que as outras, mais feia, azeda q.b., anda de luvas pretas e olha para os passageiros num semblante selectivo, tirando as conclusões necessárias a um tratamento diferenciado entre repetentes e candidatos a baptismo de voo.

Ora, tomado este estado de coisas e a minha opinião pessoal relativamente às pessoas com quem, agora um pouco mais frequentemente, costumo ter contacto nas cabines dos aviões, esta história recente, de determinados pilotos terem trazido para o Facebook a sua indignação por se verem forçados a partilhar o seu espaço nas nuvens com povinho que até pode muito bem estar num avião pela primeira vez, em nada me surpreende. O "Clubinho" é, acima de tudo deles.

A hierarquia está definida: Pessoal de Terra ----> Pessoal de Bordo ----> Pilotos - os supra-sumo. Não quero com isto negar que, realmente, ter apetência para os comandos de uma máquina voadora dá um certo estatuto, indiscutível, de elite.

Contudo, é sabido que o melhor sinal de nobreza de um espírito maior é a humildade.

Em minha opinião, nunca ninguém se deve deslumbrar muito consigo próprio, porque, para lá de qualquer imperativo moral - nos quais tenho pouca confiança -, é, simplesmente piroso! Deste modo, pergunto-me agora se, por castigo ou coincidência, este tal curso de ética valerá de alguma coisa para estas pessoas. Estou inclinado a responder que não.

A ética que não se tem no berço, não se adquire por certificado. E do que aqui se trata, parece-me, é de uma questão de educação, de polimento, de noção do ridículo e do socialmente aceitável que apenas se cultiva dentro de um ambiente imune aos interesses que, entretanto, foram promovidos pela própria TAP, numa abordagem de elitismo tout court e dissociante do resto da comunidade, a começar pelos próprios clientes (que não são mais que isso).

A melhor prova disso mesmo está aí, nesse jeito impertigado de protestar contra um "downgrade" na classe.

Os privilégios na aviação estão a acabar para o comum das pessoas. A democratização das viagens aéreas é um caminho que começa a ser trilhado e o boom das low-cost é algo que não pode ser parado e ainda bem.

Por tudo, deixo apenas um conselho,

Senhores Pilotos, hospedeiras, demais pessoal, não tornem a vida mais difícil à Joaninha voadora portuguesa porque, com tanto privilégio caduco a ser reivindicado, qualquer dia nem em Lisboa ela aterra e ainda acabam, como o povinho, na Easy Jet ou Ryan Air... E vão ver que não vos faz mal nenhum;

E um apelo,

Acabem-se os clubinhos, pois eles são parolos ao máximo! E chateiam...

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A tentação do sono

Qualquer pessoa pode salvar-se por meio do sono, qualquer pessoa tem génio quando dorme: não há a menor diferença entre os sonhos de um carniceiro e os sonhos de um poeta. Mas a nossa clarividência não pode tolerar que semelhante maravilha seja duradoura, nem que a inspiração fique assim ao alcance de todos: o dia arrebata-nos os dons que a noite nos concede.
Cioran, A Tentação de Existir

L'insoutenable légèreté de l'être

A présent, il est debout á la fenêtre et il invoque cet instant. Qu'était-ce, sinon lámour, qui était ainsi venu se faire connaître?
Mais était-ce l'amour? Il s'était persuadé qu'il voulait mourir à côte d'elle, et ce sentiment était manifestement excessif: il la voyait alors pour la deuxième foi de sa vie! N´était-ce pas plutôt le réaction hystérique d'un homme qui, comprenant en son for intérieur son inaptitude à l'amour, commençait à se jouer à lui-même la comédie de l'amour. En même temps, son subconscient était si lâche qu'il choisissait pour sa comédie cette prauve serveuse de province qu'il n'avait pratiquement aucune chance d'entrer dans sa vie!
Kundera

O corpo enquanto arte

Sempre que era obrigada a curvar-se e a procurar alguma coisa nas zonas mais baixas e recônditas do frigorífico soltava um gemido, mas nem sempre, diga-se, gemido esse que se assemelhava ao queixume de toda uma vida (...)
- Em todos os lugares menos aqui. - Ela segurava o fio de cabelo entre o polegar e o indicador, contemplando-o com uma repugnância fingida, ou com uma repugnância genuína levada aos limites do artifício, a boca paralisada num esgar oblíquo. - É o que eu acho (...)
- Para quê barbear-me, dizes tu? Deve haver uma razão - replicou ele. - Quero que Deus me veja a cara (...)
- É inacreditável, a merda que eles dizem.
A maneira como ele sublinhou o d de merda deu dignidade à palavra (...)
- Eu é que tinha razões para estar susceptível de manhã. Eu é que tinha razões para resmungar. O pavor de mais um dia igual aos outros - disse ele com um ar malicioso. - É coisa que tu ainda não conheces.
lll
DeLillo

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Depois que o fim dos astros esbranqueceu para nada no céu matutino, e a brisa se tornou menos fria no amarelo mal alaranjado da luz sobre as poucas nuvens baixas, pude enfim, eu que não dormira, erguer lentamente o corpo exausto de nada da cama de onde pensara o universo.

livro do desassossego

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Relógio desperta o vazio da cama (revisitado)

Estendo o corpo no estendal do leito

E fecho os olhos, assim de mansinho

Logo então oiço o piar de passarinho

A parecer voz, que é a do teu peito

Estico a esse lado a atenção

A entender o que piará o pio

E lanço só a mim o desafio

D’ouvir por quem pia o coração

Solto do sonho, projecto-me nas horas

Que na parede piam segundo a segundo

Sozinho pio. Há muito que me demoras

E não t’esqueço nem em sono profundo

Nuvem, palavras, Termos, Conceitos, ideias, (...), <>, net, COISAS, sande de leitão

A moda parece que começa a pegar. Depois de se ter reinventado o termo "comentador", ou o seu congénere estrangeiro "opinion maker", nesse suposto repositório de sabedoria que é o "politólogo" - a pressupor uma etiqueta de ciência académica com direito a formação equivalente em instituição de ensino superior -, a última palavra em "inovação", na análise do discurso político, passa pelo "conta-palavras".


"Conta-palavras" é o termo mais simples que encontro para, realmente, poder descodificar algo que apenas é cosmeticamente complexo. Basicamente, pega-se num discurso político, vê-se quantas vezes as mesmas palavras são usadas e daí tiram-se as conclusões mais estapafúrdias que se possam imaginar. Sinais de mudança na abordagem aos temas que estão na agenda, decisões escondidas nas subtilezas do vocábulo usado - apenas ligado ao contexto concreto, na medida em que isso sirva para sustentar as conclusões pessoais de quem assim comenta -, e até mesmo, quiçá, declarações de amor ao iphone.


No final, mercê da oferta gráfica que todos os recursos cibernéticos proporcionam, faz-se uma grande nuvem de palavras e chama-se-lhe "análise semântica" ou outra coisa do género.


Levada ao extremo, tal análise semântica até nos poderá dar respostas acerca do que é que a pessoa que discursa está a pensar em fazer para o seu jantar.


Contudo, a par de tanta sofisticação, esta estrutura de produção do comentário político pode esconder em si, ainda que não de modo consciente, um efeito secundário pernicioso.


É que, lembrando-me mais uma vez do Orwelliano 1984 - ou será 2010? -, este tipo de novilíngua tem, na sua raiz fenomenológica, o potencial de contribuir para a simplificação do espírito crítico do receptor da mensagem.


Numa lógica supostamente dedutiva e em última análise, poderemos até vir a funcionar apenas nos seguintes moldes exemplificativos: europa ---> união europeia -----> tratado de lisboa -----> progresso ----> governo ----> este governo ----> bom ----> excelente ----> estabilidade -----> continuar ----> permanência -----> não saímos -----> continuamos no poder -----> ad aeternum.


Fácil, não é?

Do Silêncio à Palavra

- ... Não sei se não andei sempre a dizer a mesma coisa...
- Que coisa é essa?
- Escrever não é um processo límpido. A maior parte das vezes tenho a sensação de entrar num labirinto levado por um ritmo, de perseguir qualquer coisa que me foge e amo desesperadamente, e desesperadamente quero possuir, numa luta corpo a corpo, em que o ser se joga inteiro. Mas sobre isto não tenho ideias claras, e não é por se falar muito numa coisa que ela se torna transparente. Vou às cegas para o poema, como certos animais caminham por instinto para o local da morte. As palavras aí estão, amorfas, ainda. A mão, com infinita paciência, vai-se aproximando, criam-se tensões entre algumas, outras fundem-se para sempre, assim vai nascendo o poema. Ritmo, palavras, imagens, e a ordem dos factores não é arbitrária. Um pequeno organismo começa a respirar, a exigir atenção. Compreende?

Eugénio de Andrade
Entrevista gravada concedida a Helena Vaz da Silva ("Expresso", 27.05.78)
Do Silêncio à Palavra, Rosto Precário, obra de Eugénio de Andrade/14

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

E se...


E se tu pudesses regressar
(fazer o caminho uma segunda vez...)
com que bagagem carregavas o peito?

No centro d'ouro

No desacerto dos gestos pareço
redesenhar um compasso
passo a passo - se mereço? -
circulo em redor do teu apego
sem pavor, ainda a medo
enovelo nos cabelos de alecrim
(também a mim, ao vê-lo
me pareciam assim)
fios d'ouro e linho
onde adivinho tesouro,
palavras floridas em Setembro.
Ainda lembro
o beijo e o olhar:
solfejo de cantar
rimas e sinas de cigano;
pró ano hei-de voltar
mais inquieto.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Casamento de pessoas com o mesmo sexo

Consta que a imortalidade, desejo utópico de tantos e diligentes percursores, agora se alcança no desejo opinativo, na fotografia mais irónica, na confissão menos perene, desde que todo esse objecto seja decalcado no ciberespaço, que aí tomará formas de eternidade.
Em razão desse objectivo comum, importa, neste primeiro arremesso, a declaração de inexistência, que salvaguarda a impossibilidade do infinito. Ou, dito de outro modo, à maneira galega de Ballester, Eu não sou eu, evidentemente.

A semana fria que prossegue foi confirmativa, no último dos seus dias úteis, da aprovação parlamentar do chamado casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Discordâncias à parte, imbróglios que o futuro desvendará, incertezas expectantes, certo é que a consagração desta nova possibilidade ficou lavrada nas leis da República.
Há anos, era a moeda única projecto a chegar ao porto, e faziam-se entrevistas pelos cantos do País, a indagar a actualização dos conhecimentos sobre a novidade. Numa delas, uma velhinha do Interior, séria e ponderada, afiançou que o Éro devia ser muito importante: todos falavam dele, todos o queriam; e rematou: feliz de quem ficar com essa moeda.
Ora, se bem vemos, a percepção de outrora pode transferir-se para a realidade presente.
Desacautelados da construção jurídica em que pode redundar um negócio consigo mesmo, os legisladores abriram a porta a esta realidade perigosa, qual seja, a de permitir uniões legais entre pessoas com o mesmo sexo.
Ouvindo-se amiúde os benefícios do dito, e a correspondente escassez da prática beneficiante, a medida foi pelo caminho errado e, em lugar de impor a multiplicidade gratificante, obrigou ao resguardo partilhado.
Há quem diga, em cátedra de especialidade, que um sexo já não é muito; pelo menos, nunca é demais. O uso legal comum parece, por isso, de todo contraproducente.
Que se avançasse numa partilha temporária, numa actividade por turnos, eventualmente intermitente, seria inovador, mas não tão grave.
Agora, de uma maneira brusca e inesperada, atribuir a certeza de um negócio por tempo indeterminado a dois indivíduos (penso que a cautela numérica terá sido pensada) com o mesmo sexo é uma ruptura que ultrapassa em muito o que a modernidade consentiria.
Os problemas virão em catadupa, pois não é certo que a consciência comum dos partilhantes ultrapasse desejos individuais de cada ocasião. A distribuição do uso pode trazer dificuldades acrescidas, se os sujeitos partilham os mesmos horários e não podem revezar-se. É bem de ver o que o bom senso e o próprio decoro imporão em sede de utilização prática.
Virá a lei a ser regulamentada e talvez aí sobressaia a consciente necessidade de uma disciplina rígida, capaz de evitar lutas verdadeiramente, repito, verdadeiramente fratricidas, que acabariam por deitar por terra tão emblemática novidade.
São, no fundo, os piedosos desejos que se formulam.
jjjjjjjjjjjj
ugo maio, crónicas do frio que está

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010


milimetrica mente

milimetricamente
desenho os teus dedos com a minha mão,
rezo aos medos
e deito-me a imaginar a cor do adeus;
depois (sem haver razão)
vejo que já não são os teus

e espero que a manhã venha inquieta
que vista papoilas onde deixei as rosas
e que todas as letras, de todas as prosas
se desfaçam num poema que esqueci;
bem diferente de ti
penso ainda amar o esquecimento

corto então as mãos no meu desenho,
dedo a dedo, medo a medo
sem saber se são tuas se são minhas
(não me amanho...
estou farto de adivinhas)
e as palavras que misturo neste verso
todas são falsas sem o teu regresso

resta que a cama sonhe em meu lugar
um terraço de sereias cor da sorte;
junto ao mar
desfaço sempre a meias
meia morte

e fico mais à espera. agora que a noite se revolte
e nunca aceite palavras por murchar

(não há sorte melhor q' esperar sem história)

não quero nada maior que a memória.

13.08.2009, inicialmente no cimento
«O que só com as mãos pode ser soletrado
só nos teus olhos nos teus olhos escrito»

M C de Vasconcelos

(lá) querer...

queria fazer um verso só
só com as papoilas que
serpenteiam as estradas
e deixar tudo
tudo pintado
com o desejo dos teus lábios

(que cor tem o gesto do teu beijo
se, triste olhando, não me revejo
e o solfejo com que canto
não é espanto, não é pranto
só saudade, e só metade)

talvez pudesse acrescentar azul
mesmo esquecido dos teus olhos
porque o céu e o mar sempre serão, na certa
o braço, o laço e o abraço que t' aperta.

In Memoriam

Em memória de quem
os versos? Dos outros
seria cristão mas

mentira, de si mesmo
era esforço demais
para motivo assim

pouco, memória talvez
de abstracções biográficas
simples, partilháveis,

ou então em memória
apenas dos versos, em
memória da memória.

Pedro Mexia, Em Memória, Gótica, 2000

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Lhasa de Sela - De cara a la pared

Enrolo à tua cintura
o sonhado dedilhar do gesto
mas, mais agreste que o desejo
nem uma brisa trina: movem-se
os despropósitos
que teu excesso encaminha.
Só o superlativo aceita
a beleza
sozinho sufraga o indecoro do castigo.

E todo o rasto
do meu timbre no teu colo
é silêncio desfeito
só poesia que
doravante me entorpece
o descompasso dos passos
onde te perco.

O universo aceita-se
nos tons vermelhos dos teus lábios
que me comisero em fixar
perdendo-me no antes do teu rosto.

Body Heat (1981)