quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O corpo enquanto arte

Sempre que era obrigada a curvar-se e a procurar alguma coisa nas zonas mais baixas e recônditas do frigorífico soltava um gemido, mas nem sempre, diga-se, gemido esse que se assemelhava ao queixume de toda uma vida (...)
- Em todos os lugares menos aqui. - Ela segurava o fio de cabelo entre o polegar e o indicador, contemplando-o com uma repugnância fingida, ou com uma repugnância genuína levada aos limites do artifício, a boca paralisada num esgar oblíquo. - É o que eu acho (...)
- Para quê barbear-me, dizes tu? Deve haver uma razão - replicou ele. - Quero que Deus me veja a cara (...)
- É inacreditável, a merda que eles dizem.
A maneira como ele sublinhou o d de merda deu dignidade à palavra (...)
- Eu é que tinha razões para estar susceptível de manhã. Eu é que tinha razões para resmungar. O pavor de mais um dia igual aos outros - disse ele com um ar malicioso. - É coisa que tu ainda não conheces.
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DeLillo

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