sexta-feira, 21 de março de 2008

dia mundial da Poesia

DOLORA

Dantes que quão ledo afectava
Uma atroz melancolia!
Poeta triste ser queria
E por não chorar chorava.

Depois, tive de encontrar
A vida rígida e má.
Triste então chorava já
Porque tinha de chorar.

Num desolado alvoroço
Mais que triste não me ignoro.
Hoje em dia apenas choro
Porque já chorar não posso.

Fernando Pessoa, 1908.



TANTO DE MEU ESTADO…

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio;
O mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto, um desconcerto;
Da alma um fogo que sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra chego ao céu voando,
Numa hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha senhora.

Luís Vaz de Camões, Sonetos.

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