Podemos é desejar que os anos felizes sejam uma mão cheia deles.
Isso sim, e para todos os amigos.
pena, pena é não se arrancarem todas. suavemente.
De facto, quando meditamos na significação do nosso próprio passado temos a impressão que ele enche o mundo inteiro em profundidade e em grandeza...
Só os jovens passam por momentos assim (...)
É neste período da vida que os momentos de que tenho estado a falar têm probabilidades maiores de acontecerem. Mas que momentos? Bem, momentos de tédio, de cansaço, de descontentamento. momentos de precipitação. Quer dizer momentos em que o jovem tende ainda, por força da sua natureza, a praticar actos irreflectidos, como casar de um instante para o outro ou abandonar descuidadamente um lugar que ocupava sem ter motivo algum para o fazer.
Aqui não se trata da história de um casamento. Comigo o caso não foi tão mau. A minha acção precipitada tal como se deu teve mais o aspecto de um divórcio... - quase de um abandono do domicílio conjugal. Sem razão alguma, susceptível de ser detectada por qualquer pessoa minimamente sensata, seixei o meu emprego - lancei borda fora o meu lugar no barco - desembarquei do navio, do qual a maior razão de queixa que eu podia ter seria apenas a de verificar que se tratava de um barco a vapor e que, por consequência, talvez fosse indigno da minha cega fidelidade ... Mas para nada serve tentar dar brilho àquilo que, mesmo nessa altura, bem suspeitei que não passaria de um capricho.
Joseph Conrad, Linha de Sombra, Relógio D'Água
A certa altura do ano, depois do regresso à escola e dos magustos, quando o frio já começava a apertar e a chuva era uma presença constante, Alexandre sabia que estava para breve um tempo mágico. Guiado pela mão da sua Mãe, que frequentemente acompanhava nas compras para a casa, entrava no supermercado de sempre e a mudança estava dada. Logo ali, nas primeiras prateleiras da entrada, expostos em série, os brinquedos acabados de chegar davam um novo ar, muito mais apetecível e acolhedor, ao espaço de sempre.
Com um ar solene e contemplativo, Alexandre procurava devorar com os olhos tudo aquilo em que as suas mãos não podiam tocar. "Não se pode mexer", dizia a sua mãe, sob o olhar atento e aprovador da dona do estabelecimento, vigilante e preocupada com o eventual prejuízo causado por um petiz naturalmente encantado e inquieto com tanto brilho, tanta novidade, que desejava alcançar. Carros a pilhas, construções, soldadinhos de chumbo, aviões, robôs eram para ele como arcas de tesouro, encerrando em si inúmeras estórias de aventura que ia construindo em sonhos despertos. Nuns outros tantos caixotes, ainda por abrir, Alexandre sabia existirem ainda mais pequenas maravilhas destas.
Àquela altura, já tinha trocado algumas impressões com os seus colegas acerca do que pedir no Natal. Agora, essa mesma lista de desejos estava a ser reformulada. Por outro lado, também comparava mentalmente, com acutilante sentido crítico, tudo o que ali via com outros brinquedos, vistos na sua cidade natal, no shopping de uma grande rua, à noite, após sair de casa dos seus avós que lá viviam.
Por fim, chegaria sempre à conclusão de que, entre uns e outros, o importante era conservá-los bem estimados (sim, porque prezava muito a sua fama de coleccionador zeloso e importado), na gaveta que tinha no roupeiro do seu quarto.
Contudo, neste seu alvoroço interior havia sempre espaço para outros desejos, para já bem mais fáceis de satisfazer, sabendo que ainda era cedo para qualquer decisão dos seus pais (eram eles que falavam com o Menino Jesus, segundo a sua mãe), quanto às prendas que apareceriam na chaminé da cozinha ou até mesmo na da sala dos seus avós. Assim, acto contínuo, Alexandre virava-se para a sua mãe e dizia baixinho "Quero um pai-natal" ou "Quero um carro de chocolate". Depois de alguns protestos pedagógicos, que nunca o deixavam de envergonhar porque eram ditos um pouco alto demais, o seu pedido era satisfeito. Em gestos cuidadosos, ia desembrulhando o papel de prata estampado que cobria a figura oca e castanha. Numa dentada, aquele doce sabor quente deixava-o entusiasmado, contente e um pouco mais sôfrego para os pedaços seguintes. Com grande parcimónia, contrária à idade de infante que tinha, procurava não sujar as mãos conforme o chocolate se ia derretendo. "Não te sujes!" - a advertência que mais ouvia.
William Blake, pintor e poeta inglês, nascido em Londres a 28 de Novembro de 1757
No tempo da semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta. Conduz teu carro e teu arado por sobre os ossos dos mortos. A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria. A Prudência é uma solteirona rica e feia, cortejada pela Impotência. Quem deseja, mas não age, gera a pestilência. O verme partido perdoa ao arado. Mergulha no rio quem gosta de água. O tolo não vê a mesma árvore que o sábio. Aquele, cujo rosto não se ilumina, jamais há de ser uma estrela. A Eternidade anda apaixonada pelas produções do tempo. A abelha atarefada não tem tempo para tristezas. As horas de loucura são medidas pelo relógio; mas nenhum relógio mede as de sabedoria (…)
William Blake, Provérbios do Inferno