segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Natal de doismiletanto

estou a estiolar de ternura.
é vinte e cinco. é dezembro.
a saudade (como neve) é brancura.
é sempre o mesmo o Natal que lembro.

o avô trazia nos bolsos os confeitos.
o castanho desaparecia na fogueira.
os netos, um a um, satisfeitos,
sentados no banquinho, à lareira.

lá fora o mundo treme em frio.
a mãe avisa os mais pequeninos:
- nunca se esqueçam dos outros meninos...
mas todos só ouvem é o assobio

e correm ao colete, em côro
sacando os rebuçados do presente.
lá fora continua hoje o frio, mas o choro
é de querer um dia igual num mundo diferente.

sábado, 25 de dezembro de 2010

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A partida do amarelo

hoje, que era jogo de luz
(procura de noite sem tristezas)
desciam da varanda do teu gosto
os sinais difusos das alegorias
e o cantar dos pássaros (fantasias...)
percorria o vento em gestos de som
anunciava votos vindoiros de desejo;

o amarelo partira
- elétrico e sol -
e eu deixei a vista adormecer
nos teus canteiros de rosmaninho
onde as vontades se penduraram
só de memória, indiferentes
ao ruído das cigarras que
queimam o verão em desperdício
na busca de um tom, de um incómodo:
como os poetas.

29.10.2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Gira-Discos



No dia de hoje, só podia mesmo ser esta a temática.

É bom saber que, à parte a crise, o FMI e a dívida soberana, teremos sempre um Soberano à espera de ser chamado, contribuindo para uma verdadeira mudança. Haja é coragem.

Viva o Rei! Viva Portugal!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ideário para a criação

Um poema deslumbrante, de um Mestre inesquecível, Jorge de Sena, agora em antologia (edição de Jorge Fazendo Lourenço - Guimarães - babel)

Quando, em ti próprio, ouvires algum combate
do sonho em luta com a sua própria alma
e o mundo te parecer maior que a vida
e a vida te parecer a velha estrada
onde só tu não perseguiste o sonho,
defende, de ambos, o que for vencido.

Quando, à tua beira, houver um perseguido
e o escárneo se abater sobre o que ele pensa
e o mundo inteiro o perseguir mentindo
uma mentira maior que a dessa ideia,
defende-a como tua antes que o mundo
esmague em si próprio a chama em que se ateia.

Quando, como hoje, os crimes forem tantos
que as praias sequem no desdém das ondas,
e o melhor homem for um criminoso
voltando ansioso ao local do crime,
e o sangue nem lhe suje a ansiedade
porque não há mais sangue que ciências loucas,
grita aos ventos da morte que os traíram -
e na terra se ouça que a verdade é falsa
e só eram verdade os que partiram.

Penafiel, 29/8/1942

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Uma (Des)Ordem de Ideias

Hoje notei uma coisa curiosa (ou talvez não, dada a frequência com que acontece): o Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, em declarações a um telejornal da hora do almoço, disse que aplaudia a decisão do Governo em retirar do Orçamento de Estado aquela norma sobre a obrigatoriedade de concessão de uma bolsa aos Estagiários; tendo dito ainda que tal proposta nunca teria feito sentido nenhum, na certeza de que os Advogados Estagiários - além de tudo aquilo que já soube, no passado, verborrear acerca deles - é que gastam tempo e recursos dos Escritórios dos Patronos.

Ora, tem azar o Senhor Bastonário - recandidato ao lugar - pelo facto de a minha memória - que também uso enquanto seu eleitor - ser quase fotográfica. Na verdade, foi precisamente na semana passada - mas já no período da noite, a seguir ao jantar - que o Exmo. Senhor Bastonário - recandidato ao lugar -, no programa “Prós e Contras”, defendeu EXACTAMENTE O CONTRÁRIO!

Quando criticado pelos outros dois Candidatos, com especial destaque para o que disse o Dr. Luís Filipe Carvalho, acerca do facto de a Ordem dos Advogados nada ter feito para ser ouvida sobre tal matéria encapotadamente contida na Lei do Orçamento, o Exmo. Senhor Bastonário - recandidato ao lugar - soube dizer que aquele não seria o momento certo para o fazer, na certeza de que o que ali estaria era uma autorização legislativa ao governo para regular tal matéria.

E disse ainda mais: que a lei ou decreto-lei a surgir assim contaria com o contributo da Ordem dos Advogados, na eventual fase de discussão pública, e que poderia vir a tornar-se uma boa lei. E porquê? Porque o Exmo. Senhor Bastonário, recandidato ao lugar, soube dizer - no seu jeito de denúncia pública, quanto a mim, inconsequente - que existia nos tais “grandes escritórios” trabalho quase escravo dos Colegas não-sócios.

Ora, é certo que poderia sempre o Exmo. Senhor Bastonário, recandidato ao lugar - caso eu merecesse alguma importância para ele, enquanto eleitor (sendo certo que só sabe é encher-me a caixa de correio electrónico com panfletos e artigos cheios de ideias, quanto a mim, avulsas e sem exequibilidade ou visão de futuro) - contrapôr-me que, no tal debate televisivo, ele quis, lá está, apenas focar o caso de Colegas Associados, já Advogados e, não - porque o alarme traumático começa a soar - aqueloutro dos Colegas Estagiários.

Contudo, o normativo objecto da discussão diz respeito, segundo o que se leu, precisamente, aos Advogados Estagiários, não sendo claro que consagre também a hipótese de os Advogados associados de Escritórios ou Sociedades, poderem vir a ser contemplados com a tal bolsa remuneratória.

Ou seja, no meio de tudo isto, a mim, só me resta uma pergunta: até quando, Senhor Bastonário, recandidato ao lugar, vai querer lançar a desordem de ideias e de argumentos, pretendendo esconder na bruma de remissões literais complexas apenas uma única verdade: o seu total desnorte programático?

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Ensaio



«Na candura dos teus desejos,
Tomei a chuva por minha amante.
Dizias-me que, mesmo de mim distante,
Tu nela estarias...


Em cada pingo,
Em cada beijo.

Mas, procurando agora teu molhado peito,
De ti nada vejo,
Nem sombra, nem ensejo.

Por onde andas?
Por onde repousas?

Sem resposta, nem vestígio,
Apenas resta a memória
Do teu toque; um esquiço.»

Alexandre Villas-Diogo, Ensaio, «Lírica de Inverno»

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Nam simul cum cathedra creavit Deus tabulam quamdam ad sribendum, que tantum grossa erat quantum posset homo ire in mille annis. Et erat tabula illa de perla albissima et extremitas eius undique de rubino el locus medius de smaragdo. Scriptum verum in ea existens totum erat purissime claritatis. Respiciebat namque Deus in tabulam illam centum vicibus die quolibet et quantiscumque repiciebat vicibus, construebat et destruebat, creabat et occidebat… Creavit namque Deus cum predicta tabula pennam quamdam claritatis ad scibendum, que habebat in se longitudinis quantum posset homo ire in VC annis et tantumdem ex latitudine quidem sua. Et ea creata, precebit sibi Deus ut scriberet. Penna vero dixit: “Quid scribam”? At ille respondens: “Tu scribes sapienciam meam et creaturas omnes meas a principio mundi usque ad finem” - Liber scale Machometi, cap. xx.

(tal como criou seu trono, Deus criou uma mesa para escrever tão vasta que um homem podia caminhar nela mil anos. A mesa era feita de pérolas branquíssimas, as suas extremidades de rubis eo centro de esmeralda. Tudo o que nela escrevia era da mais pura claridade. Deus olhava para a mesa centos de vezes por dia e, de cada vez que a olhava, construía e destruía, criava e matava… tal como criou a mesa, Deus criou uma pena de luz para escrever, tão larga e longa que um homem a poderia percorrer em largura ou comprimento quinhentos anos. E, esta criada, deus ordenou-lhe que escrevesse. Disse a pena: “Que escrevo?”. A ela respondeu: “Escreverás a minha sabedoria e todas as minhas criaturas, desde o princípio do mundo até ao seu fim.” – O Livro da Escada de Maomé, cap. xx).

(in Giorgio Agamben, Bartleby Escrita da Potência, Assírio & Alvim)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

simples, o mar

amo o simples, como a água
desleixada na corrente; não sente
mágoa nem amargura; e de repente
sorri ser mar, fórmula
de planura com que os olhos se cansam
simplesmente.

15112010

vento, vazio vento

o vento regressa vazio
sem o aroma a notícias da tua ida
e eu encosto-me às rochas
a repousar o desalento

não brilha a neve, aqui
nos mares do sul, e
a luz revolta-se em desinterese;
já só a noite anuncia a noite.

15112010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

E quando a chuva cai, vai-se a memória

Lá fora a chuva chora pingos suados
e tal como a mão dedilha no baço da vidraça
escrevo no vento as sílabas do teu nome
(a primeira é mar, espuma de desejo)
e os plátanos vestem de branco folhas
de lenços de dizer saudade.

Há um concerto de glórias roucas
quando m'aperto ao mundo
a reviver o teu adeus;
e o vento regressará
em nome do nome que te lembro.

sábado, 30 de outubro de 2010

Corramos...

Groucho: Vamos, Ravelli, ande um pouco mais rápido.
Chico: E para quê tanta pressa, chefe? Não vamos a parte nenhuma.
Groucho: Nesse caso, corramos e acabemos de uma vez com isto.
Os Irmãos Marx (citados n'O Meu Dicionário Filosófico, F. Savater)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

friiiio

dentro de mim, ainda hoje
corre uma tempestade de frio
maior que os sopros de janeiro.
foste no princípio dum ano inteiro
eu confundi adeus com desafio
e o gelo agora agarra, e não foge.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Playlist



À espera do próximo capítulo de «Momentos», um tema da selecção de Alejandro Villas-Diego... como sempre, ao jeito do próprio.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

sábado, 23 de outubro de 2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Nos diferentes tons em que vejo o negro
palpava de memória (e silêncio) a tua luz
como quem se desembaraça da cruz
e tenta não mais ser refém do medo.

domingo, 10 de outubro de 2010

Dia da (tua) fuga do tempo

Tenho pétalas d'areia e espuma
onde o corpo inventou pálpebras (como a outros)
e turvo os olhos no voo do calor que parte;
o sol já se decepou, enforcado
no horizonte em reta linha
duma terra que e teima redonda:
de ti resta-me a silhueta dos ombros
em luta de tons com o escuro a nascer
e o que sobra só reimagino na memória,
daí aos pés, que deixam na areia
lembranças tão suaves, feitas de veludo
como as carícias de uma mão de mãe.
O corpo prostra-se em glória da gravidade
- eppure se muove - em silêncios sem eco,
pois o meu braço há segundos infinitos
deixou de alcançar o laço dum abraço;
no côncavo da rocha despeço-me
do teu resto
e se pudesse triturava-te no caldo da memória
até seres só futuro numa outra.

Amanhã chorarás com o mesmo sal
mas jurarás que não
e eu não sei cantar
Nem Como Canta A Tempestade.
Soubera fazer um poema com a letras do teu corpo
e erguia uma estátua de alfabetos
entre às de beijos carinhosos
e zês de partidas sem adeus.

Ainda há dias o dia caia com o mesmo sobressalto
mas a noite beijava a praia sem medos
e o escuro só enquadrava
os quatros olhos com que dobrávamos o sono.
Se não houvesse tempo não fugias;
e consolo-me, certo que nem tu nem eu
nem os dois
temos ainda culpa da Criação.

(versão "originária" - depois do "aviso" do P.A. - 5.10.2010)

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Kings of Leon

"fuga do dia e do tempo"

tenho pétalas de areia debruadas de espuma
onde o corpo inventou pálpebras (como aos outros)
e turvo os olhos no voo do calor que parte.
o sol já se decepou inglório
enforcado na corda recta do horizonte
duma terra que se teima redonda.
de ti resta-me agora a silhueta dos ombros
(em luta de tons com o escuro a nascer)
e o que sobra só reimagino de memória;
daí me percorro aos pés
que deixaram em areia lembranças tão suaves
feitas de veludo como as carícias de mão de mãe.
o corpo - única pertença que m'acompanha -
prostra-se em glória de gravidade
- eppur se muove -
em silêncios sem eco
pois o meu braço, há segundos infinitos
deixou de alcançar o laço do teu abraço.
no côncavo da rocha despeço-me
definitivamente do teu rosto
e se, e se pudesse
se pudesse triturava-te no caldo da memória
até ser só futuro numa outra.

amanhã chorarás com o mesmo sal
mas jurarás que não.
e eu não sei cantar
nem Como Canta A Tempestade.

soubera fazer um poema com as letras do teu corpo
e erguia uma estátua de alfabetos
ás de beijos carinhosos
zês de partidas por despedir.

ainda há dias o dia caia com o mesmo sobressalto
mas a noite beijava a praia sem medos
e o escuro só enquadrava
os quatro olhos com que dobrávamos o sono.
vou recordar que ensaiei a revolta do adeus
moldando em plasticina de afectos
até suar o cansaço da desistência
todas as letras da saudade.
- e que me sobra? se só a sobra da pergunta
- onde estarás se nem me largas nem te sinto.

deixo a praia. onde as gaivotas
adivinham o mundo por compreender
e gozam de gritos essa alegria
de não aceitar tristeza.

gostava que o futuro nem houvesse
- e não o há, sei bem -
mas teimo-o tanto como o temo.
sem ti as papoilas despedem
as cores da glória
a tradição já não é o que era
eras só tu.

se não houvesse tempo não fugias
e só me consolo
certo que nem tu nem eu nem os dois
temos ainda culpa da Criação.

(Outubro 2010)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

domingo, 3 de outubro de 2010

SANKARAH

se olhando o céu
na cortina cinzenta de cada árvore
eu te pudesse alcançar,
cada sonho meu chamar-se-ia dia
e eu de noite não mais
cerraria os olhos
nem saberia pedir a pálpebra alguma
que se deitasse noutra.
se num sopro astral - ou pequeno -
eu um salto desse,
tomaria por espada um destes galhos
e pediria à morte para matar o tempo
ao contrário.

e na bruma cinzenta de cada árvore
tu poderias - sorriso manso -
voltar a acontecer.

ONDJAKI, Acto sanguíneo

Artes - DN

U2 aterraram

Antes da hora

sábado, 2 de outubro de 2010

Ganância

Não foi o Amor que os separou. Nem foi, em última instância, o Amor que os manteve unidos. Mas de uma forma estranha pode-se afirmar que foi a ganância mesquinha que lhes tornou a vida impossível…

sábado, 25 de setembro de 2010

sexta-feira, 24 de setembro de 2010


Consciência e desassossego

Acabado de sair, o novo livro de António Damásio, O Livro da Consciência, escolhe para epígrafe, estas fantásticas palavras do Sr. Soares:
"Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia"

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Seguindo o conselho do mestre Viriato, diluo-me na imagem e nos
reflexos e levo a praia num até breve; a praia e os seus adereços...

domingo, 29 de agosto de 2010

O Banhista 2010

image
Com uma semana passada sobre tal registo, o banhista deixa um último conselho.
10º Conselho: Se é banhista leve a praia consigo... até ao próximo Verão!

sábado, 28 de agosto de 2010

A festa acabou!

Brest Easton Ellis recuperou os personagens do seu primeiro livro, mas estão todos vinte e cinco anos mais velhos; como nós... Ípsilon (27.08.2010) dá conta dessa passagem de tempo e anuncia a tradução portuguesa para 2011. Aquele que foi, como Leavitt e McInerney, a novidade dos anos oitenta americanos (sem esquecer Lindquist e os "Filmes tristes" que ainda "devo" ao amigo Viriato e a fabulosa Tartt dos estudantes de grego) envelheceu, mas parece resistir ao conformismo mais que os outros. Numa entrevista telefónica, afinal, diz não ser um grande escritor e na pergunta final (sente que o tipo de vida que tem feito o desgastou, de alguma forma) é clarividente: "Sim, fomos consumidos pelos nossos próprios desejos. A vida não é sobre vitórias e ganhos, é sobre a mudança e sobre a rendição final".
Venha daí o fim do que já era, tantos anos idos, "menos que zero"!
O livro de Easton Ellis (1985) deu um filme (assim assim para o fraquinho, mas digo-o eu) e serviu-se de um título de Elvis Costello (infra).

Movie Trailer - 1987 - Less Than Zero

Elvis Costello - Less Than Zero (Live)

sábado, 21 de agosto de 2010

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Interpol - Lights

Em Setembro sai...



directed by Mr. Charlie White
Foto0464

Postcard

Quando a neblina se instala e o sol se esconde, fica um pequeno aperto no peito ao recordarmos que o tempo passa, impermeável a qualquer desejo de constância.

O Banhista 2010

Foto0463
7º Conselho: Se é banhista, faça uma alimentação saudável.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

terça-feira, 27 de julho de 2010

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Levantaria o mundo

Dá-me uma letra
- gasta em ferrugem de desperdícios -
e encontro o ponto
onde se equilibra a palavra inteira.

Se visse no teu olhar
os cristais de sal antes do choro
e a palavra saudade
no branco do lenço de despedida
e ainda tivesse mãos para adivinhar o gesto

diria um poema
só de silêncios e sôpro
como as manhãs certas
que só nascem no dia depois.

(25.07.2010)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

E a lua está quase pronta

Deste lado a curvinha está perfeita, trabalho aturado a merecer férias.
Um dia destes vira-se o andaime e conserta-se do outro lado.
Depois de férias, é claro.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Puro Vintage VII



A manhã já ia a meio e o frio das primeiras horas da alvorada começava a ceder o lugar a um calor sufocante. Mas era nesse misto de calor húmido que o cheiro da erva verde e a sombra dos choupos davam lugar a um cenário único, daqueles que fazem desejar o Verão e os dias grandes.
Naquele ano, durante o Inverno, tinha chovido bastante e, por isso, o açude transbordava. Enquanto assim fosse, enquanto a água corresse àquele cristalino ritmo, realçado pela luz matinal, os banhos estavam garantidos.
Todos os anos, por volta do início das férias grandes - e antes das viagens para as praias do Algarve - era ali que um grupo de cinco amigos se reunia. De facto, o João, o Manuel, a Teresa, a Beatriz e a Francisca conheciam-se desde sempre e encontravam-se sempre na vila que viu os pais de cada um crescer.
Por entre olhares tímidos e nervosos, largas gargalhadas e piadas sem jeito, todos saboreavam aqueles momentos com um gosto especial.
A primeira entrada na água era sempre precedida de bastante hesitação, porque apesar do calor que se fazia sentir na margem, a corrente era impiedosamente fria. "Só lhe faz bem, menino", dizia o senhor Carlos, dono da mercearia ao lado da casa dos avós de Manuel, quando este lhe relatava, de início, as aventuras de mais um dia.
Sustendo a respiração Beatriz atirava-se à água e a voz do seu professor de natação de imediato lhe ecoava na cabeça, repetindo as exigências da postura, o ritmo curto das braçadas e dos movimentos do "inspira, mergulha, vem ao cimo e expira". Convencido de que contemplava o verdadeiro modelo de perfeição olímpica, João olhava para ela e logo a Francisca e a Teresa lhe atiravam risadas que o faziam corar; ao que ele, acto contínuo e em jeito de vingança pela descoberta de tal oculto segredo - a que elas chamavam de "fraquinho" - as empurrava para água, saltando também ele em seguida e provocando um aparatoso chapinhar.
Chegada a hora do almoço, rumava o grupo para casa dos avós de Francisca, subindo pelas hortas que se encavalitavam nas escarpas fronteiras ao açude. Lá chegados, mais um ritual quotidiano se iniciava. A empregada lá de casa, a Dionísia, esperava-os com um farto repasto, porque, afinal de contas, "os meninos estão a crescer e por isso precisam de comer bem".
Pelas horas de torreira, no cumprimento canónico dos tempos da digestão, entretinham-se os cinco a jogar às cartas, a ler revistas de outras eras e a ouvir uma qualquer roufenha estação de rádio numa telefonia que era, ela própria, uma peça de museu. O ar era fresco naquela sala de estar com ampla varanda, paredes de estuque e tectos altos.
Contudo, o dia balnear não terminava para estes marinheiros de água doce sem mais uma ida ao local. Manuel e João aproveitavam para disputar o primeiro lugar na velha prancha de saltos, cuja madeira gasta ameaçava a ruína total. Quanto às raparigas, ficavam à conversa nas toalhas de praia, trocando confissões em forma de prolongados suspiros.
Numa vida simples, o pôr-do-sol tinha o encanto de uma aurora especial - aquela que acontece quando se acorda para a vida por inteiro.
E para aquele grupo de amigos a vida estava, de facto, ainda a começar. Ali, junto à RIBEIRA.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

INFRA...

Farto desse protão: ainda mais pequenino, copiado de um jornal, sem um comentário...
Vou levá-lo de férias ou procurar coisa maior, calada que seja.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

sei lá se vou; vou regiamente lembrando

corro atrás da neve
e um sorriso de sol
com dentes de pirilampo:
- vem por aqui
tropeço o passo, desfaço o laço
dos braços que remavam
escuto o vento:
- vem por aqui
se é deus ou o inferno que interessa
corro e vou
que o homem se engole
no branco dos enganos
o meu destino é pecar
por fantasia
e chegar ao ermo ao alto
das promessas
onde as nuvens sombreiam
a luz antiga
e o pó rocha dos passos
em sangue
respira-me o fado:
- hei-de voltar a vir.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Silêncio

2.

Disse-lhe:
o amor eram
palavras substituídas pelo olhar
Depois
escondeu nos bolsos
quer as mãos quer os gestos
E ela agradeceu

Silêncios

5.

Pela liberdade
pelo sentido
cada mão
bateu a palma
p´ra seu lado


6.

E o grito, fundo
só dilacerou o fundo
do dentro

domingo, 27 de junho de 2010

LA BELLE NOISEUSE

Venus Victrix, 9.

Um sulco, um só sulco, um latejar,
um lenço de caruma sobre a areia,
um fermentar interno, uma colmeia,
um deslizar de âncora no fundo.
..........................................................
..........................................................
..........................................................
..........................................................

Do Espelho de Vénus de Tiago Vieira
Mário Cláudio
Prefácio de José Carlos Seabra Pereira
Desenhos de Júlio Resende
Arcádia, Babel, 2010

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Enfermidades do corpo

Alguns fins de tarde são absurdamente estranhos. Especialmente os fins de tarde do início do Inverno.

- As mulheres são como os copos.

- Como os copos?

- Sim, como as bebidas alcoólicas…

- Não percebo o que queres dizer.

- Vê bem; ambos se tomados com moderação aliviam o corpo e o espírito de agruras diversas e têm diversos efeitos positivos. Mas, se tomados de forma excessiva, durante largos períodos de tempo, para além de provocarem uma dependência forte, amolecem a alma e a vontade e provocam enfermidades do corpo.

domingo, 20 de junho de 2010

Basquiat




















Sem Titulo
1981

A propósito da

O eléctrico já chegou e partiu, Ricardo Reis vai sentado nele, sozinho no banco, pagou o seu bilhete de setenta e cinco centavos, com o tempo aprenderá a dizer, Um de sete e meio, e volta a ler a funérea despedida, não pode convencer-se de que seja Fernando Pessoa o destinatário dela, em verdade morto, se considerarmos a unanimidade das notícias, mas por causa das anfibologias gramaticais e léxicas que ele abominaria, tão mal o conheciam para assim lhe falarem ou falarem dele, aproveitando-se da morte, estava de pés e mãos atados, atentemos naquele lírio branco e desfolhado, como rapariga morta de febre tifóide, naquele adjectivo gentil, meu Deus, que lembrança tão bacoca, com perdão da vulgar palavra, quando tinha o orador ali mesmo a morte substantiva que todo o mais deveria dispensar, em especial o resto, tudo tão pouco, e como gentil significa nobre, cavalheiro, garboso, elegante, agradável, cortês, é o que diz o dicionário, lugar de dizer, então a morte será dita nobre, ou cavalheira, ou garbosa, ou elegante, ou agradável, ou cortês, qual destas terá sido a dele, se no leito cristão do Hospital de S. Luís lhe foi permitido escolher, praza aos deuses que tenha sido agradável, com uma morte que o fosse, só se perderia a vida.

O Ano da Morte de Ricardo Reis, SARAMAGO

Europa acidental

Europa acidental.
Europa acidental

Aqui nem mal nem bem.
Aqui nem bem nem mal.

Aqui se alguém não é ninguém
é porque a gente nasce
de um modo ocidental:
Vivem uns bem e outros mal.

E afinal
é natural
(naturalmente)
que haja também
gente que é gente de bem
e gente que é apenas gente.

Europa acidental.
Europa acidental.
(...)

Joaquim Pessoa, Português Suave

sábado, 19 de junho de 2010

Aos escritores que (só) já não escrevem

O silêncio é ausência de ruído;
ausência de uma música ou de um beijo.
Não há silêncios iguais.

O que escreve a liberdade do
silêncio dos que que já não escrevem?

De uma Nobel mais recente

A felicidade é uma coisa repentina.
(...)
A felicidade da boca quer estar só, é muda e com raízes por dentro. Mas a felicidade da cabeça é sociável, exige a presença dos outros. É uma felicidade que vagueia errante e também corre atrás, coxeando. Dura mais do que aquilo que consegue aguentar. A felicidade da cabeça é fragmentada e de difícil selecção, mitura-se a seu bel-prazer e transforma-se rapidamente de
felicidade clara
em felicidade
escura
apagada
cega
frustrada
clandestina
volúvel
hesitante
impetuosa
impositiva
tremida
desmoronada
renunciada
acumulada
conspirada
burlada
gasta
esboroada
confusa
emboscada
espinhosa
podre
reincidente
atrevida
roubada
desperdiçada
residual
falhada por um fio
Herta Muller, Atemschaukel
Tudo o que eu tenho trago comigo, D. Quixote

sábado, 12 de junho de 2010


A TI

Yo vi una ave
que suave
sus cantares
a la orilla de los mares
entonó,
y voló...
Y a los lejos
los reflejos
de la luna en alta cumbre
que argentando las espumas,
bañaba de lus sus plumas
de tisú...
Y eras...tú!
Y vi un alma
que sin calma
sus amores
cantaba en sus tristes rumores,
y su ser
conmover
a las rocas parecía;
miró la azul lejanía,
tendió su vista anhelante,
suspiró,
y cantando, pobre amante,
prosiguió...
Y era... yo!

Rubén Darío, Nicarágua (1867-1938)
Poemas da adolescencia
O Mar na Poesia da América Latina, Assírio & Alvim

sexta-feira, 11 de junho de 2010


Sobre o Flirt

Adam Phillips é um psicanalista, conferencista e ensaísta. Dizem que vê na psicanálise uma espécie de poesia prática ("uma linguagem com afinidades com outras linguagens literárias, uma disciplina que instiga as pessoas a celebrarem-se"). O livro são dezanove artigos sobre contingência, memória e esquecimento, culpa, perversão, sucesso ou depressão; sobre figuras emblemáticas como Freud, Erich Fromm, Melanie Klein; sobre livros e também escritores, como O Património de Philip Roth, onde analisa a cena de vergonha entre pai e filho, quando aquele, enfermo e doente, passa por uma triste revolta do corpo que suja tudo: "Enquanto relato da morte do pai, Patrimony é o primeiro dos livros de Roth que o seu pai jamais leria. Roth é o menos sentimental, e, portanto, o menos cínico dos escritores, e Patrimony é notável, entre outras coisas, pela complexidade da afeição que ele sente pelo pai. Naquele momento do livro, ele esforça-se por mostrar ao pai, e agora não apenas ao pai, que não é apenas o facto da sua incontinência que é humilhante: é tentar viver neste mundo tão continente".
E sobre a contingência: "Dada a óbvia contingência de grande parte das nossas vidas - não escolhemos, em nenhum sentido significativo, o nosso nascimento, os nossos pais, os nossos corpos, a nossa língua, a nossa cultura, os nossos pensamentos, os nossos sonhos, os nossos desejos, a nossa morte, e assim por diante -, poderia valer a pena considerar., de um ponto de vista psicanalítico, não só as relações que temos com nós mesmos e as nossas relações com objectos, mas também (como o terceiro elemento do par, por assim dizer) a nossa relação com os acidentes. A psicanálise, afinal, começou com Freud a estabelecer nexos entre vida pulsional e o "acidente" do trauma, com notáveis descrições de vidas sendo vividas com desejos não escolhidos em famílias não escolhidas e guerras não escolhidas."
Sobre o Flirt, Cotovia, 2010, trad. Cid Knipel Moreira

quinta-feira, 10 de junho de 2010

E mais um 10 que passa, neste dorido canto...

Ficareis oferecida
À Fama, que sempre vela,
Frauta de mim tão querida;
Porque, mudando-se a vida,
Se mudam os gostos dela.
Acha a tenra mocidade
Prazeres acomodados,
E logo a maior idade
Já sente por pouquidade
Aqueles gostos passados.


Um gosto que hoje se alcança
Amanhã já o não vejo;
Assim nos traz a mudança
De esperança em esperança,
E de desejo em desejo.
Mas em vida tão escassa
Que esperança será forte?
Fraqueza da humana sorte,
que quanto da vida passa
Está receitando a morte!

CAMÕES (Babel e Sião)

sábado, 5 de junho de 2010

À espera do vento

Querem que sopre, em breve, corrido, do sul da África
uma última solidão
percorre o espaço
junto ao coração
e dobra um laço
Queria quebrar as regras, como quem
só no futuro vislumbra o passado
e assim, enrolar na liberdade que tem
o cheiro do mar, se ao teu lado.

(29.08.2009)

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Existe um deus no início, ou pelo menos no fim, de qualquer alegria.

E.M.Cioran, Do inconveniente de ter nascido

segunda-feira, 31 de maio de 2010

domingo, 30 de maio de 2010








Uma excelente canção de Festival. Uma boa prestação. 18º Lugar não é mau, tendo deixado para trás a Irlanda e o Reino Unido. #LePortugalDouzePoints Parabéns, Portugal!

O amor e a palavra são crimes sem perdão. E quem pode amar o crime senão o criminoso e, por vezes, devido a um ainda mais apurado talento, ou a uma espécie de acerto no extravio, a sua vítima? O autobiógrafo é a vítima do seu crime. Mas a única graça concedida ao criminoso é o seu próprio crime.
Esta força inóspita que me corrói de dentro e extravasa pelo mundo como uma calcinação.
As montanhas deslocam-se pela energia das palavras, aparecem pessoas, animais, corolas, sítios negros, e os astros crispados pela energia das palavras, cria-se o silêncio pela energia das palavras.
Escrever é perigoso.
(os cadernos imaginários)
Herberto Helder, Photomaton & Vox

quarta-feira, 26 de maio de 2010

segunda-feira, 24 de maio de 2010

gestos sem mãos

rio-me do ridículo com que recordo
a doce ideia de te prender,
asfixiar só com desejos
como uma seda que
se desprende do olhar e enrola,
umas mãos feitas só de gestos
numa cintura por inventar.

despedida

o meu beijo são dois anos
distância da memória à saudade,
quando já te lembro como queria
e esqueço existires
ao levantar-me das noites longas das luas cheias.
agora posso. posso olhar o horizonte
e só te ver algumas vezes.

em busca de regresso

sou o chefe do território
onde perdeste o sonho
e voltas, árida, pé ante pé,
em busca da aurora azul.
digo-te que os sonhos se gastam,
mesmo quando cobertos
com a areia dos pés cansados;
e a respiração corrompe
os fios de aranha
que sustentavam a esperança.
regressa, que podes começar de novo
e com o mesmo sorriso queimado
com que abraçavas os junhos floridos.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

quarta-feira, 19 de maio de 2010

M de SC (120 anos)

Meu eterno dia de anos,
Minha festa de veludo...
Paris: derradeiro escudo,
Silêncio dos meus enganos

terça-feira, 18 de maio de 2010

monologos secretos

título para uma composição com asas

dá-me um título. um que engula
as palavras só pensadas
que deixe vazio todo o espaço do poema
aquelas que minhas mãos desastradas
disformes, pesadas
amassaram só de letras
(sem ideias nem pena, sem tema)
e deixa que triture o gesto
com que as aves encantava
que agora já nem presta tudo o resto
de lembrar o teu olhar quando olhava
esses pássaros que moldei de gritos
fugidos de ninhos que o vento borratou
quebrados d' asas. como eu aflitos
dum perdido sonho que não sou
voou!

doença por doença...

hoje ainda oiço o ranger do algodão
com que se bifurcam os lençóis
onde puias os gestos de afago
em sonolento acabrunho de candura.
e diz-me o médico
que são zumbidos da velhice
- chatice... se não soubesse mentira:
também o coração tiquetaca
e esses lábios humedecem as ranhuras destes
-vá o doutor dizer que são visões
(calores, febrões).
e quando ainda me apertas?...
anos tantos que estás longe;
doença por doença,
será medo.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Governo

“…, os homens de bem não querem governar, nem por causa das riquezas, nem das honrarias. Eles não querem ser chamados de mercenários ao exigirem abertamente o salário da sua função, nem de ladrões, tirando do cargo ocultos proventos. Nem tão pouco querem governar por causa das honrarias, já que não as estimam. Assim, deve ser imposta alguma obrigação e castigo que os constranja a governar. Essa é a razão pela qual procurar por si mesmo o governo, não aguardando a necessidade de tal passo é considerado vergonhoso. Ora, o maior dos castigos é ser governado por alguém pior do que nós, se nos recusarmos a governar por nós mesmos.”

Platão

A República

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Não é para quem sabe, é para quem pode! Ah grande Benfica!!! Glorioso, sempre!!!

terça-feira, 4 de maio de 2010

sábado, 24 de abril de 2010

Guru




Apesar do atraso, aqui fica a homenagem ao homem que fundiu o Hip Hop ao Jazz...

terça-feira, 20 de abril de 2010

Momentos

"#3
Ao entrar, João quase não reconhecia o espaço... Era sempre assim nas noites das festas de lançamento de uma nova exposição. Pop dos tops, as luzes cibernéticas - porque as psicadélicas eram coisa do passado -, um oceano de «gente gira», segurando nos copos que iam saindo do bar improvisado junto à cabine do DJ... Todos os que ali se encontravam tinham sido convidados para contemplar o trabalho fotográfico de Jacinto Lopes.
Contudo, a impressão que João tinha era que as únicas fotografias a render alguma coisa esta noite, tal como nas outras todas, eram aquelas que cada conviva decidia tirar com o seu telemóvel... Com os amigos, sorrindo, fazendo alguma cara idiota para «postar» no livro-das-caras - nos tempos que corriam qualquer um tinha direito à sua própria revista social. E ainda bem que assim era, talvez - pensava João. Avesso a um certo estilo snob, com rótulos de «reservado a pessoas que apenas alguns de nós consideram importantes e porque sim» e «pessoas famosas» (nunca percebendo muito bem a partir de que altura se podia considerar alguém famoso, implicando a fama algo de realmente importante para a sociedade), avesso a tudo isso, João raramente emitia passes de imprensa para repórteres que insistiam em fazer carreira, vendo tudo a «cor-de-rosa».
Ao avistar Mané ao longe, à conversa num canto da galeria, com um sujeito, alto, moreno, vestido com um fato preto às riscas brancas, encaminhou-se para o local, deduzindo logo tratar-se do tal JL.
«João, pá, ainda bem que chegaste» - disse Mané, num tom excessivamente jovial mas compreensível pelo copo que ele tinha na mão. Com toda a certeza, o que Mané bebia não era apenas sumo de laranja. «O nosso novo cliente, Jacinto Lopes».
«Muito prazer, Jacinto. Sou o João. Desde já quero dar-te os meus parabéns pelo teu trabalho e agradecer-te pela escolha que fizeste aqui pela "Kapa7"» - João não resistia a um bom trabalho de relações públicas.
«O prazer é todo meu... Ouvi falar muito bem da vossa galeria, por isso a escolha foi quase como que natural» - respondeu JL, tímido e sorridente.
Este tipo ainda é um puto, pensou João. Mas ao menos teve a coragem de se lançar no sonho, não haja dúvida. Olhando para ele com curiosidade, uma pergunta assaltou João de repente: «Jacinto, diz-me uma coisa... Tens ali uma fotografia chamada «#Semblante»... Pá, qual é a história da peça?»
JL esboçou um sorriso e respondeu: «Gostaram? Penso que é o melhor trabalho que alguma vez fiz... A luz e a angular estavam a sair muito bem naquele dia e a escolha do papel de revelação também me pareceu...»
«Não é disso que eu estava a falar, pá!» - interrompeu João.
«Não? Não... estou a... perceber...» - Jacinto mostrava-se desconfortável e o som da música também não estava a ajudar a manter uma conversa séria.
«Estou a falar da modelo! Quem é ela? Onde a encontraste? Conhece-la pessoalmente» - a torrente de perguntas não seria apropriada para o momento mas João sentia que as tinha de fazer... era idiota que metade de um rosto desconhecido andasse a intrigá-lo desde o início da semana.
«Ò João, pá, deixa lá isso... O JL está lá agora para se lembrar de todas as modelos que teve a trabalhar com ele» - atalhou Mané que detestava estes pequenos assédios de João, mostrando aos outros o péssimo defeito que tinha em não se conter sempre que a sua ideia não era entendida à primeira.
«Pois... Já não sei muito bem quem era... Foi-me recomendada por uma agência com quem já não trabalho há dois anos... Se bem me lembro, era uma estudante de filosofia... sim... ela disse-me qualquer coisa sobre isso... Que fazia este tipo de trabalhos apenas para ajudar a pagar as propinas ou coisa do género» - Jacinto parecia agora mais expedito nas explicações que dava, na esperança de causar boa impressão aos seus galeristas. Ele próprio também sentia uma certa inquietação - um não-se-sabe-muito-bem-o-quê de desejo, talvez - quando se punha a recordar aqueles profundos olhos castanhos e o sorriso inquietante da, agora e ao que parecia ilustre, desconhecida.
João sentia-se um pouco frustrado. «Pronto, deixa lá, pá. Nada de importante.» - respondeu. De seguida, olhou à sua volta e resolveu ir desanuviar para o meio das pessoas. A galeria estava mesmo sobrelotada. «Mané, Jacinto, até já. Vou dar uma volta e ver se consigo vender já alguma coisa» - uma vez mais, o toque de relações públicas, qual marchand sério, pareceu-lhe uma boa desculpa.
Enquanto se encaminhava para a zona das bebidas, ia olhando para o longe, para a parede onde estava exposto o #Semblante e, de súbito, pensou: «Por esta noite quero que sejas a minha musa... Quero levar-te comigo para todo o lado». Naquela afirmação havia uma nota de romantismo quase infantil, aquela réstia de crença na magia de uma história que, cinicamente ou bem vistas as coisas, não fazia sentido algum: qualquer vendedor de sapatos hoje em dia podia ser um princípe e qualquer «chaço» a sair da sucata podia ser mais do que um dispensador de peças para um mecânico de uma oficina de bairro.
Mas, esta noite, ao pegar no gin tónico que tinha pedido, João queria acreditar.
E, nesse preciso instante, João avistou-a. Um olhar maroto, sorriso de menina irrequieta como que a preparar alguma partida... Os olhos castanhos, os dois, as sobrancelhas, também as duas, arqueadas, num tom deliciosamente inquisidor relativamente a tudo, e a boca... aquela boca, inteira, a prenunciar a frescura de um pêssego de finais de Junho... A promessa de, num beijo apenas, descobrir todo o calor de um Verão sem fim. Ela estava ali! "

Alexandre Villas-Diogo, Momentos

O folhetim que satisfaz... apenas os sonhos.

Quem dera que...

quem dera que eu juntasse os ossos
numa escultura de pedra
pois não sei chorar na eternidade
sem os arquétipos
(cola da alma ao mundo, como som,
suspiro de sempres)
e depois - estranha mente! -
voar.
p
á
s
s
a
r
o
ferido
na gravidade d'asas
liberto, infindo
no percorrer dum olhar
tão teu
(só eu?)
ou meu
só para sempre, mas agora
e doravante
no apenas que enche o espaço
limite das sobras do mundo.
(20.04.2010)

domingo, 18 de abril de 2010

Krakón, Polska

Na memória dos que repetidamente partem do modo mais injusto, mais inaceitável. Na lembrança, essa viva, de P. Miodek e B. Cieslak, e de quando percorríamos esse País encantador que, hoje e sempre, é também meu.

Polska


segunda-feira, 5 de abril de 2010

The Legolactic Empire

A melhor maneira de passar um Domingo de Páscoa é assim.

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#1 A caixa e as peças já cá de fora

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#2 Vista lateral do cockpit a tomar forma

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#3 Outra vista lateral

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#4 Darth Vader a inspeccionar os trabalhos

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#5 Seguindo o plano à risca...

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#6 Tudo pronto para a primeira fase de "assembling"

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#7 Fazendo progressos

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#8 Carlinga completa

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#9 Asas: a parte mais complicada, confesso.... De tão "simples" - é como quem diz - que era...

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#10 Mais Asas...

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#11 First wing assembled, Lord Vader

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#12 Almost there...

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#13 Lorde Vader a respirar de alívio...

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#14 "I have you know!"

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#15 "Join me and I'll complete your training"

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#16 I'm high on emotion!

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#17 Here I come!

Uma prenda de Natal dada pela Mariana, agora, na Páscoa, no seu melhor!