34th Street, Manhattan, looking east | ||
Oil on Canvas | ||
91 x 91 in. / 231.1 x 231.1 cm. | ||
1982 |
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Momentos
"Luísa tinha regressado de Veneza há quinze dias. Telefonara a João para se encontrarem no "Modernidades", o bar-refúgio de ambos. Brincando com os cubos de gelo dentro do seu copo de scotch, João assumia um ar pensativo, olhando para Luísa. Tinha imensas perguntas, um desejo de saber tudo sobre a viagem dela... Mas o receio de um sofrimento bem conhecido, abatia-se-lhe sobre o peito. Do outro lado da mesa, Luísa pressentia aquele estado de espírito que, a um tempo a deliciava e, a outro, a fazia perder a paciência, por completo. Sorvendo lentamente o seu gin tónico, num convite ao cliché da sedução, proporcionado por aquele gesto, tão batido, tão cinematográfico, Luísa ia perguntando, despreocupada:
- E tu? Que tens feito desde a última vez que nos vimos? Como vai a galeria?
- Vai como sempre. Novas colecções a chegar, agora para a próxima temporada. Uns miúdos novos com algum talento... Isto agora está difícil. Até o mercado da arte sente a crise. Sabes, tenho um cliente habitual que já disse que não ia pagar duas obras que comprou e levou, porque o banco lhe levou uns depósitos, ou lá o que foi... Meti o advogado... Mas não sei... Não vai dar em nada e vou ficar a arder com o dinheiro.
- A sério? Mas precisas de dinheiro? - perguntou Luísa, naquele seu semblante carregado, comprometido na solução dos problemas.
- Por favor, Luísa... Nada disso. Está tudo bem... Apenas são coisas que acontecem. Já cá ando há muito... Não me metia nisto se não soubesse como é. A sério. Está tudo bem. Não há problema. Enfim... Merdas...
- Bom... Se assim o dizes... Não me meto mais - disse, rindo-se, - E mais novidades? Conta-me mais... Coisas boas, alegres.
- Coisas boas, alegres... Não estou a ver assim nenhuma com especial destaque... - respondeu João, acrescentando - Passaram-se num instante, estes meses.
- Passaram... - disse Luísa, sem grande interesse.
- Sabes bem que a melhor coisa de todas foi teres voltado... - os dados tinham sido lançados, pensou João.
- Achas mesmo? - perguntou Luísa, deixando no ar as reticências habituais, neblina diáfana de todos os seus enigmas.
- Acho.
Luísa encontrava-se agora na mais cristalina das indecisões. Devia dizer-lhe? Devia calar-se? Caso optasse pela primeira opção, esta noite mudaria a vida dos dois, da forma mais dramática possível. Deixou-se ficar mais um pouco no silêncio, fitando João com um olhar neutro. A música embalava-a, roubando-a ao tempo presente e levando-a para outros sítios, longe dali. Uma vida a dois não lhe possibilitaria nunca mais a independência a que estava habituada e sentia que João, além de tudo o resto, por demais conhecido, poderia não estar preparado para tanto.
- Em que pensas? - perguntou João, bebendo mais um gole do seu scotch.
- Em nada. - atirou Luísa, peremptória.
- Não acredito.
- Então não acredites, quero lá saber - este tipo de respostas de Luísa, deixavam João perdido, sabia-o bem.
Contudo, ao acender um cigarro, ouviu os primeiros acordes da música de sempre. A música que os dois tinham ouvido, pela primeira vez, há muito tempo, naquele mesmo bar. "Estarás mesmo pronto para mim? Para sempre?" - interrogava-se, agitada. Olhou para João, para aqueles seus olhos que a faziam perder-se por completo, sem mais ser senhora de si mesma... Saiu-lhe, sem mais, nem menos:
- João, eu estou grávida de ti.
João não disse nada. Manteve-se calado... Olhando profundamente para ela. Nada a revelar qualquer nervosismo ou pânico. Um olhar compenetrado, mas a que não se conseguia adivinhar o sentido.
João agarrou a mão de Luísa, fixando ainda mais o seu olhar nela. Luísa deixava cair agora todas as suas barreiras e começava a sentir os olhos molhados - naqueles dois meses, a indefinição tinha sido angustiante.
- Vamos - respondeu João, num tom seguro, solene, o mesmo de sempre, que ela lhe conhecia para momentos de grande simbolismo.
- Para onde? - perguntou Luísa, meio atónita...
- Esta noite não te quero longe de mim... Quero que seja o início de algo diferente. Para sempre."
Alexandre Villas-Diogo "Momentos"
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
- Há uma data na varanda desta sala - disse Germana...
- É uma fatalidade que pesa sobre nós, as mulheres. Não sabemos viver sós, enquanto que o homem procura o isolamento, mesmo quando se dirige para a multidão - disse ela. Há raros momentos de clarividência, mesmo nas criaturas mais triviais, e é sempre o sofrimento que os provoca. Quina acrescentou um dos seus aforismos, que sublinhou com uma ironia, pois aquela mulher, vestindo, da casa Drecoll, um traje de cetim marinho e ratine branca que lhe dava o ar duma preceptora elegante, parecia-lhe uma princesa que brinca a ser desgraçada, que se diverte a fazer experiências amargas, para quebrar a monotonia.
..........................................
Esta moralidade indignava Germa, mais do que a prática dela. Era uma injúria às boas intenções, a esse recato virginal e defeso na alma até do homem mais vil, e que ele mantém como argumento de emergência, depois da queda e em face da morte. Se ela declarasse, diante do pai, que preferia o perigo embora o temesse, que odiava a dádiva embora a cobiçasse, que aceitar é ser vencido e que a luta seria para ela como que uma fatalidade, um apelo constante, uma necessidade absurda e inapelável, ele rir-se-ia na sua cara e havia de sentenciar, com a sua tenebrosa filosofia de mundano gasto, de velho a quem a vida adaptou à lei da gravidade, ao valor da inércia, ao poder da fraqueza:«Fala-me daqui a vinte anos, e mostra-me então o lucro das tuas teorias.»
nnnnnnnnnnnnnn
AGUSTINA BESSA-LUÍS, a sibila
Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro.
... Mas dizer isto é tão absurdo! Sinto, sinto nas vísceras a aparição fantástica das coisas, das ideias, de mim, e uma palavra que o diga coalha-me logo em pedra. Nada mais há na vida do que o sentir original, aí onde mal se instalam as palavras, como cinturões de ferro, aonde não chega o comércio das ideias cunhadas que circulam, se guardam nas algibeiras. Eu te odeio, meu irmão das palavras que já sabes um vocábulo para este alarme de vísceras e dormes depois tranquilo e me apontas a cartilha onde tudo já vinha escrito... E eu te digo que nada estava ainda escrito, porque é novo e fugaz e invenção de cada hora o que nos vibra nos ossos e nos escorre de suor quando se ergue à nossa face.
VERGÍLIO FERREIRA, aparição
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Art
"Art 'lives' through influencing other art, not by existing as a physical residue of an artist 's ideas.The reason why different artists from the past are 'brought alive' again is because some aspect of their work becomes 'useable' by living artists. That there is 'no truth as to what art is' seems quite unrealized."
Joseph Kosuth,1969
Joseph Kosuth,1969
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
sábado, 19 de setembro de 2009
«Entre o Pinhão e a Régua»
Finjo tombar no sono
e arqueio sobre o cobre dos teus fios
as lágrimas encobertas
atrás das pétalas
dos meus olhos, a enxugar
sem reparar no rosto imóvel
do homem gordo que não repara
além do centeio
com que aplaca um flamengo pele-vermelha
e sonolenta a tarde, entre dentes. Se
for descoberto digo o rio a beber as vinhas
aceito a saudade translúcida. São
tão piegas os homens e
tu continuas a dormir
quando a Régua nos abraça as costas.
Antes disso,
evito que ganhe corpo de pensamento
um segredo que o coração bombeou na artéria
(te dissesse amor
enquanto sonhas
porque o sonho lacra os desejos)
…
e arqueio sobre o cobre dos teus fios
as lágrimas encobertas
atrás das pétalas
dos meus olhos, a enxugar
sem reparar no rosto imóvel
do homem gordo que não repara
além do centeio
com que aplaca um flamengo pele-vermelha
e sonolenta a tarde, entre dentes. Se
for descoberto digo o rio a beber as vinhas
aceito a saudade translúcida. São
tão piegas os homens e
tu continuas a dormir
quando a Régua nos abraça as costas.
Antes disso,
evito que ganhe corpo de pensamento
um segredo que o coração bombeou na artéria
(te dissesse amor
enquanto sonhas
porque o sonho lacra os desejos)
…
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
Sonho de uma noite de Verão
Soletro as mãos em palmas:
mão ante mão, palmeio o branco do linho
até pousar no busto do teu silêncio.
Continuo a sonhar,
deixando enrolar os dedos nos
novelos de seara que desleixas
e sigo ao vermelho dos teus lábios
saltitando
cada textura que me enerva o sentido.
Não acordo a tempo
de confirmar uma ausência de décadas;
persigo esse corpo, que
cristalizou em forma de presente.
Antes de repartirmos, lençol e ele
- em tudo meeiros,
juraras concordar com
a minha certeza d’amor eterno,
este que dura
entre o decesso e a ressurreição do sol
e se completa
com o gesto eterno de um momento.
Prossigo o sonho
pressinto o dia,
alvorece.
E entrego-me a sombras
que te podem confundir com o desejo.
Quando desce à terra o onírico passo
é pesadelo de brusquidão de dia
e
se insisto no braço já dormente
dez anos são o tempo justo de um vazio no linho.
Adivinho
e
rogo que o sonho me apodere;
se Deus quiser, se eu souber
dormirei no teu uníssono a vida toda,
inteira medida
de não acordar a tempo:
por um momento a eternidade gela
e dormita junto do teu corpo.
Um beijo, bela.
(27.06.2009)
mão ante mão, palmeio o branco do linho
até pousar no busto do teu silêncio.
Continuo a sonhar,
deixando enrolar os dedos nos
novelos de seara que desleixas
e sigo ao vermelho dos teus lábios
saltitando
cada textura que me enerva o sentido.
Não acordo a tempo
de confirmar uma ausência de décadas;
persigo esse corpo, que
cristalizou em forma de presente.
Antes de repartirmos, lençol e ele
- em tudo meeiros,
juraras concordar com
a minha certeza d’amor eterno,
este que dura
entre o decesso e a ressurreição do sol
e se completa
com o gesto eterno de um momento.
Prossigo o sonho
pressinto o dia,
alvorece.
E entrego-me a sombras
que te podem confundir com o desejo.
Quando desce à terra o onírico passo
é pesadelo de brusquidão de dia
e
se insisto no braço já dormente
dez anos são o tempo justo de um vazio no linho.
Adivinho
e
rogo que o sonho me apodere;
se Deus quiser, se eu souber
dormirei no teu uníssono a vida toda,
inteira medida
de não acordar a tempo:
por um momento a eternidade gela
e dormita junto do teu corpo.
Um beijo, bela.
(27.06.2009)
«Quanto Mais Se Vê, Melhor É!»
Como Distinguir as
Boas Coisas Snobs da Porcaria
ggagagag
Apesar de se orgulharem de ter um gosto estremamente
afinado, os Cinéfilos Snobs são também criaturas perversas
capazes de elogiar perdidamente alguns trabalhos de chapa
mais flagrantes, nna que os próprios realizadores não ligam
puto («É isso que os tornann tão brilhantes, tão audaciosos»).
Por vezes, os Snobs iludem-se e convencem-se de que aquele
estrume cinematográfico, ao qual dedicaram horas sem fim
e webzines pagas do seu próprio bolso, tem algum significado
cultural digno de uma dissertação doutoral e impossível de
ser apreendido pelos fãs de Tom Cruise. Segue-se um guia
do consumidor para a Snobeira fidedigna.
fffADSSSS
Dez Causas Célebres
dos Snobs Que Valem a Pena
FFFF
Robert Aldrich
John Cassavetes
Manny Farber
Freaks
Nouvelle vague
Expressionismo Alemão
Guy Maddin
Sam Peckinpah
Spaghetti Westerns
Wire-fu
FFFF
Dez Causas Célebres
dos Snobs Que São Fraudulentas
FFFFF
O Império dos Sentidos
Maya Deren
Dogma 95
Robert Downey Sr.
Peter Greenaway
L'Atalante
Tom Laughlin
Filmes de luta livre mexicana
O Insustentável Peso do Trabalho
Filmes de mulheres-na-prisão
FfFfFfa
Retirado, com devida vénia mas integralmente, do interessante livro "Dicionário de Cinema para Snobs", de David Kamp e Lawrence Levi e apresentação de Pedro Mexia, Tinta da China, Abril de 2009 (págs. 84/85)
Absurdo
E a bordo diz-se: este comboio
é um absurdo.
Absurdo é estarmos sentados nele,
olharmos pela janela
e não vermos senão as costas da noite.
Absurdo
é haver absurdo.
- e nós, com água pela boca,
esbracejarmos nele.
A. M. Pires Cabral, Que Comboio É Este
é um absurdo.
Absurdo é estarmos sentados nele,
olharmos pela janela
e não vermos senão as costas da noite.
Absurdo
é haver absurdo.
- e nós, com água pela boca,
esbracejarmos nele.
A. M. Pires Cabral, Que Comboio É Este
Pulsação
O comboio oscila nos desníveis
entre trilhos
impassível como um pêndulo
que se limita a cumprir
as leis da física.
E eu oscilo com ele.
Tentei uma vez a insurreição:
inclinar-me para o lado esquerdo
no momento em que o comboio se inclinava
para o lado direito,
e vice-versa.
Mas não consegui.
Está muito fundo em mim o jeito de oscilar
ao sabor do inimigo.
Como se fosse o seu par
numa dança brejeira.
Ou como se ele fosse
a minha pulsação.
Ou como estando eu já
no interior da morte.
E tão solidário me tornei
que mesmo que algum dia me apeasse
oscilaria sempre vida fora
com aquela cadência do comboio
inscrita nos passos.
(No sangue, em todo o caso,
talvez não.)
A.M. Pires Cabral, Que Comboio É Este
Poesia Portuguesa Contemporânea, teatro de vila real, 2005
entre trilhos
impassível como um pêndulo
que se limita a cumprir
as leis da física.
E eu oscilo com ele.
Tentei uma vez a insurreição:
inclinar-me para o lado esquerdo
no momento em que o comboio se inclinava
para o lado direito,
e vice-versa.
Mas não consegui.
Está muito fundo em mim o jeito de oscilar
ao sabor do inimigo.
Como se fosse o seu par
numa dança brejeira.
Ou como se ele fosse
a minha pulsação.
Ou como estando eu já
no interior da morte.
E tão solidário me tornei
que mesmo que algum dia me apeasse
oscilaria sempre vida fora
com aquela cadência do comboio
inscrita nos passos.
(No sangue, em todo o caso,
talvez não.)
A.M. Pires Cabral, Que Comboio É Este
Poesia Portuguesa Contemporânea, teatro de vila real, 2005
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
Citações (I)
A distinção entre a ilusão e a verdade está na diferença das suas funções vitais. A ilusão vive da verdade - e a verdade tem vida própria.
bbbbb
NOVALIS
sábado, 12 de setembro de 2009
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
Trilhos
Depois ficávamos parados, exaustos de prazer, agarrando os corpos, roçando as dermes húmidas e momentaneamente ausentes, como o tempo que parecia flutuar.
“Quero ter uma filha contigo.” Dizia eu, sempre que sentia o tempo voltar ao seu trilho. Beatriz mantinha-se calada, aspirando o fumo do cigarro...
“Quero ter uma filha contigo.” Dizia eu, sempre que sentia o tempo voltar ao seu trilho. Beatriz mantinha-se calada, aspirando o fumo do cigarro...
terça-feira, 1 de setembro de 2009
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