sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Pulsação

O comboio oscila nos desníveis
entre trilhos
impassível como um pêndulo
que se limita a cumprir
as leis da física.

E eu oscilo com ele.

Tentei uma vez a insurreição:
inclinar-me para o lado esquerdo
no momento em que o comboio se inclinava
para o lado direito,
e vice-versa.

Mas não consegui.
Está muito fundo em mim o jeito de oscilar
ao sabor do inimigo.

Como se fosse o seu par
numa dança brejeira.
Ou como se ele fosse
a minha pulsação.
Ou como estando eu já
no interior da morte.

E tão solidário me tornei
que mesmo que algum dia me apeasse
oscilaria sempre vida fora
com aquela cadência do comboio
inscrita nos passos.

(No sangue, em todo o caso,
talvez não.)

A.M. Pires Cabral, Que Comboio É Este
Poesia Portuguesa Contemporânea, teatro de vila real, 2005

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