Desde que por exercício de função a possibilidade de julgar os outros passara a ser nele o dever de sentenciar, numa idade quase ainda intacta de baptismos e funerais, tinha-lhe nascido e morrido tanta gente, que quase sem se dar conta deu por si feito adulto, a caminho de velho, e com as imperatudes de ter de deixar o lugar que durante anos lhe conhecera os dias, para se mudar, também ele, para aquela dimensão da realidade dos tribunais em que a justiça para lá de ser cega é, em simultâneo, invisível aos olhos de quem dela se serve.
jjjjjjjjjjjj
Manuel Capelo, O tempo das promessas, A Fazer De Contos
6 comentários:
Prosa de cuidado e qualidade ímpares. Arte em palavras.
Texto lindíssimo, de grande qualidade literária
Quando me pedem que escreva faço-o sózinho/ porque escrever deve ser como rezar/ como essas coisas que dizemos a alguém que dorme/ tendo e não tendo esperança alguma de ser ouvido./ Só a beleza pode descer para salvar-nos/ quando as barreiras levantadas dos suspiros da respiração distante/ permitirem às imagens que desenhamos, aos ruidos que sonorizamos, aos sedimentos vagos que pensamos/ integrar um magnífico cortejo/ sobre a espavorida indiferença de quem lê / ou sobre a glória de um eco agradecido./
Quem reza e quem escreve é um mendigo de última geração/ remexendo profundamanto em si como num caixote / através de um vazio/ até que por dentro esse nenhume deflagre e seja redenção./
Pedem-me que escreva , mas eu Quando me pedem que escreva hesito sempre/ é que apenas sei dizer segredos/
e dar passos prudentes que são como palavras incompletas.
Aqui, até os anónimos escrevem (muito) bem.
Esta declaração não serve de espelho, é claro.
Se calhar o anonimato é toda a sobriedade que a vaidade concede a quem a combate.
Isto de anónimo para anónimo, evidentemente...
Se calhar porque o anonimato é a única sobriedade e sensatez que a vaidade consente.
Isto de anónimo para anónimo, obviamente...
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