domingo, 12 de outubro de 2008

A tua vida é uma história triste.
A minha é igual à tua.
Presas as mãos e preso o coração,
enchemos de sombra a mesma rua.

A nossa casa é onde a neve aquece.
A nossa festa, onde o luar acaba.
Cada verso em nós próprios apodrece,
cada jardim nos fecha a sua entrada.

Eugénio de Andrade, As mãos e os frutos, XXXIII

11 comentários:

Anónimo disse...

Após uma análise, ainda que breve, ao seu blog, tenho de o louvar pelo seu talento para a escrita. Mas assustei-me.
Assustei-me porque, de facto, os temas que por sistema aborda são muito mórbidos (tristeza, inquietude, sombra, morte, prisão, entre outros) e lembrei-me, de repente, de dois ou três grandes nomes da poesia literária, que tinham tanto de talento, como de frustração, de tal modo, que cedo se despediram do mundo por iniciativa própria.

Antero de Quental (suicida-se)
«Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As próprias obras vãs, de que escarnecem...
Em mim, os Sofrimentos que não saram,
Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem.
As torrentes da Dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem.» -
Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das coisas invisíveis, muda e fria,

É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.

Florbela Espanca (suicida-se)

“A poesia de Florbela caracteriza-se pela recorrência dos temas do sofrimento, da solidão, do desencanto, aliados a uma imensa ternura e a um desejo de felicidade e plenitude que só poderão ser alcançados no absoluto, no infinito. A veemência passional da sua linguagem, marcadamente pessoal, centrada nas suas próprias frustrações e anseios, é de um sensualismo muitas vezes erótico.”

Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!


Mário de Sa Carneiro(suicida-se)


Álcool

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso? ...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
E só de mim que ando delirante
Manhã tão forte que me anoiteceu.


Camilo Castelo Branco (suicida-se)

“Eu bem queria poupar-me ao suicídio; mas desde os 18 anos que pressenti a necessidade dessa evasiva, sem me lembrar que a cegueira seria o impulsor justificadíssimo da catástrofe.”



É certo, eu estes nomes ficaram para a história. Mas, de que adianta, ser homenageado com uma placa na rua, ou uma estátua na praça, ou que se edifiquem monumentos em sua memoria, ou que se vendam milhares de exemplares da sua criação literária, se não podem saborear esse gosto.
Claro que a todos eles a vida foi marcada, normalmente com a infância perdida, uns por falta de um dos progenitores, outros por excesso de zelo de um dos progenitores.
Talvez, se tivessem tido outro apoio a sua vida seria diferente. E hoje (sec. XXI) desenvolveram-se inúmeras técnicas na área da saúde mental que podem ajudar a atenuar ou mesmo eliminar as frustrações e ajudar o ser humano a conseguir ter uma vida mais feliz. Fica a minha sugestão.
Tinha gosto, em passar aqui outro dia e velo escrever sobre amor, felicidade, esperança, ternura, brilho, crianças, flores, pássaros, arvores, ou seja, de tudo o que é lindo e belo e que a mãe natureza nos reservou. Pense nisto. Bem haja!

AugustoMaio disse...

Aceite a sinceridade de aceitar o carinho do seu susto.
Às vezes, a angústia do que se escreve, não mais é nossa, divide-se com o mundo. É também uma terapêutica e bem anterior ao século XXI.
Com todo o respeito aos suicidas... só se for devagarinho, qualquer coisa que demore umas décadas a produzir efeito.

Coloco aqui a "resposta" por cuidar que se não referia ao Eugénio e por me tomar por destinário. perdoe se até na depressão fui arrogante.

Abraço.

E vou seguir o conselho, de quando em vez...

Anónimo disse...

Pode não estar à beira do suicidio,mas está num estado depressivo. Isso lê-se e sente-se.

O alerta foi dado.

Normalmente, os alcoolicos, toxicodpendentes, depressivos, etc.. nunca ou raramente reconhecem o seu estado.

E, neste contexto, o alerta fica também para familiares e amigos.

Mas desculpe se foi má interpretação a minha. Mas olhe que não querendo fazer uso das palavras de outro: _ Eu nunca me engano e raramente tenho duvidas.

AugustoMaio disse...

Renovo que não tenho qualquer razão para duvidar da sua análise e, contrariamente aos que não reconhecem, não a neguei.
Quanto à parte final, sib imputat; ou seja, não são palavras minhas.
A sério: não me leve a mal, mas não me obrigue a andar com um rótulo na cabeça. Em rigor, eu não existo (qualquer tecla me pode "suicidar" para sempre).

Anónimo disse...

Pode não existir aqui, mas projecta-se aqui. Foi o meio que encontrou para se revelar.

No entanto, os melhores sucessos e felicidades.

Abraço

AugustoMaio disse...

E continue a dar o gosto de suas visitas

C.M.Lx disse...

Não será essa a beleza destes autores? O terem assimilado a sua própria morte?
O terem reconhecido alguma beleza nas partes menos boas da nossa natureza que geralmente preferimos ignorar... o fim?

Anónimo disse...

Ó psi, também se engasga com o bolo-rei?

Unknown disse...

Ele há coisas... interessantes!

Anónimo disse...

Caro(a) Psi estou tentado(a) a pensar que a sua licenciatura
foi tirada na Moderna e talvez num domingo de manhã... Não?

Passiflora Maré disse...

E parece que os amigos também foram avisados. Mais interessante ainda...