sábado, 18 de outubro de 2008

Sempre que falo à frente de muitas pessoas, parece-me que errei na porta. Algumas mãos amigas empurraram-me, e aqui estou. Metade das pessoas anda perdida entre cenários, árvores pintadas, fontes de lata, e quando julga que encontrou o seu quarto ou um círculo de sol morno, encontra-se com um caimão que a engole ou... com o público, como eu neste momento. E hoje não tenho mais espectáculo que uma poesia amraga, mas viva, que julgo capaz de abrir os seus olhos à custa de chicotadas que eu lhe dê.
Eu disse "um poeta em Nova Iorque" e devia ter dito "Nova Iorque num poeta". Um poeta que sou eu. Claramente e com franqueza: não tenho habilidade nem talento, mas consigo fugir por um bisel embaciado deste espelho do dia, por vezes mais depressa que muitas crianças. Um poeta que aparece nesta sala e quer ter a ilusão de estar no seu quarto, e de que vós... vocês são seus amigos, que não há poesia escrita sem olhos de escravos do verso obscuro, nem poesia falada sem orelhas dóceis, orelhas amigas onde a palavra que brota leva através delas sangue aos lábios, ou céu à fronte de quem ouve.
Nova Iorque num poeta, trad. Aníbal Fernandes

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito Bonito. Obrigada!