sábado, 31 de maio de 2008

Humanismo

O acaso fez com que no dia 11 de Setembro de 2001 estivesse a dar aulas a jovens físicos europeus, numa Escola de Verão organizada pela Universidade do Algarve. O fim das minhas aulas coincidiu com o narcisismo póstumo dos fanáticos religiosos de hoje e vivemos, em directo e incrédulos, o que se estava a passar em Nova Iorque. O homem tinha inventado uma nova forma de violência. Valeu-me o meu pequeno telescópio, uma noite calma de fim de Verão e as minhas terras da Serra Algarvia para que evasões, que a formação do físico estimula, me permitissem partir para longe do nosso planeta e da nossa época. Imaginei que, à volta desta ou daquela estrela que estava a ver na direcção do sagitário e das suas nebulosas, havia um planeta com características físicas diferentes do nosso: outra massa, outro campo magnético, outra inclinação do eixo de rotação, outra evolução geológica, onde uma vida inteligente tivesse evoluído de maneira diferente da nossa e onde as características privilegiadas pela selecção das espécies tivessem sido mais cooperação e menos individualismo, mais solidariedade e menos competição, mais tolerância e menos fanatismo. Esses seres inteligentes poderiam até ter menos unidades funcionais que os nossos cem mil milhões de neurónios, talvez não organizadas em hemisférios, mas as conexões entre elas talvez tivessem privilegiado mais o que une e não o que separa, isto é, aquilo a que chamamos, no nosso pequenino planeta azul, Humanismo.
Manuel Paiva, Como respiram os Astronautas, Gradiva, 2004 (Manuel Paiva nasceu no Porto em 1943 e fixou-se em Bruxelas em 1964, tendo-se licenciado e doutorado na Universidade Livre de Bruxelas. É professor de Física na Faculdade de Medicina da mesma Universidade e director do Laboratório de Física Biomédica. Participou em dez missões espaciais e é presidente dos Fundos Educativos da Agência Espacial Europeia, associados à Estação Espacial Internacional)

4 comentários:

Anónimo disse...

O Homem parece que é mesmo assim!!!

AugustoMaio disse...

Vai sendo. Mas a esperança, tal como as estrelas, também ilumina.

julioletras disse...

Aos comandos, tem que ir o sonho.

Anónimo disse...

Aos comandos só pode ir o sonho. O presente ou o passado.
Padmé