quinta-feira, 3 de abril de 2008



"De que gosto? de literatura, whisky escocês e de adormecer logo. O trabalho é um rentável entretém que me ocupa as horas mortas. Vejo os filmes em casa, de todas s séries. Incomodam-me os barulhos das pessoas sentadas ao meu lado e gosto de rever as cenas mais macabras. por isso vivo sozinho. Quando preciso, conheço um massagista que é negro e silencioso como a noite. E de inverno nado. A minha mulher a dias vem todos os dias quer esteja ou não constipado. Se fosse mais bonita e menos surda casava com ela sem qualquer preconceito. Já julguei ser um génio. Agora acho-me um mero mortal desencontrado. Vivo, é já o bastante. Não vou a lado nenhum, mas isso já tu sabias". Pedro Paixão, A minha vida.

8 comentários:

Anónimo disse...

Poema do Homem Só

"Sós,

irremediavelmente sós,

como um astro perdido que arrefece.

Todos passam por nós

e ninguém nos conhece.



Os que passam e os que ficam.

Todos se desconhecem.

Os astros nada explicam:

Arrefecem



Nesta envolvente solidão compacta,

quer se grite ou não se grite,

nenhum dar-se de outro se refracta,

nehum ser nós se transmite.



Quem sente o meu sentimento

sou eu só, e mais ninguém.

Quem sofre o meu sofrimento

sou eu só, e mais ninguém.

Quem estremece este meu estremecimento

sou eu só, e mais ninguém.



Dão-se os lábios, dão-se os braços

dão-se os olhos, dão-se os dedos,

bocetas de mil segredos

dão-se em pasmados compassos;

dão-se as noites, e dão-se os dias,

dão-se aflitivas esmolas,

abrem-se e dão-se as corolas

breves das carnes macias;

dão-se os nervos, dá-se a vida,

dá-se o sangue gota a gota,

como uma braçada rota

dá-se tudo e nada fica.



Mas este íntimo secreto

que no silêncio concreto,

este oferecer-se de dentro

num esgotamento completo,

este ser-se sem disfarçe,

virgem de mal e de bem,

este dar-se, este entregar-se,

descobrir-se, e desflorar-se,

é nosso de mais ninguém."

António Gedeão

Anónimo disse...

Procura-se um amigo

"Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive."

Vinicius de Moraes

Anónimo disse...

"Costumava forçar-se a chorar antes de chegar a casa, depois de estar com seu amante. Olhava-se no espelho do elevador e dizia a si própria baixinho que o tempo lhe havia de roubar toda a beleza." Pedro Paixão (A Noiva Judia)

Anónimo disse...

DESALENTO
Rosas Brancas
"Quando eu morrer, rosas brancas
Para mim ninguém as corte!
Quem as não teve na vida,
De que lhe servem na morte?

Quando eu morrer, nem sequer,
Na campa, uma cruz erguida!
Para calvário já basta
A cruz que levo na vida!


Se eu morrer deixa o caminho
Que à minha campa conduz!
Não quero ver o remorso
A chorar juntinho à cruz!"

Música: Afonso de Sousa (1906-1993)
Letra: Afonso de Sousa

Anónimo disse...

"Isso já era o suficiente para que lhe viessem as primeiras lágrimas aos olhos, que consigo traziam outras, porque havia sempre uma série de recordações dolorosas guardadas na parte mais sombria da sua memória, que para isso podia servir"

P. Paixão, Lágrimas, A Noiva Judia

Anónimo disse...

"Dirigia-se à janela, punha as mãos nos bolsos, e ficava a olhar as ondas a desfazerem-se na prais. Mais tarde ou mais cedo teria de regressar a casa. O dinheiro acabava-se depressa. Não podia continuar ali, feito morto antes do fim. Mas haveria um fim para tudo aquilo? Talvez não. afastava-se da janela, agarrava num copo e bebia. Ia fazer vinte e quatro anos".

P. Paixão, casa da Praia, A Noiva Judia

Anónimo disse...

"Andam mulheres à solta na minha cabeça. Estou velho. Já não passam como passavam. Voltam, ficam, agarram-se.
Andam perdidas por aqui. Levaram-me bocados. Não sei quais, não sei para onde. Sei que me fazem falta e que não estou inteiro. estou velho e é irremediável (...)"

Pedro Paixão, "Sem mim", Vida de Adulto

Anónimo disse...

"Năo sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.
Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.
Se é amar-te năo sei. Năo sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.
Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu năo demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
E năo sei se é amor. Será talvez começo...
Eu năo sei que mudança a minha alma pressente...
Amor năo sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente."

CAMILO PESSANHA