terça-feira, 15 de abril de 2008




2 comentários:

Anónimo disse...

"CREPUSCULAR

A incerteza cai com a tarde
no limite da praia. Um pássaro
apanhou-a, como se fosse
um peixe, e sobrevoa as dunas
levando-a no bico. O
seu desenho é nítido, sem
as sombras da dúvida ou
as manchas indecisas da
angústia. Termina com a
interrogação, os traços do fim,
o recorte branco de ondas
na maré baixa. Subo a estrofe
até apanhar esse pássaro:
com o verso, prendo-o à frase,
para que as suas asas deixem
de bater e o bico se abra. Então,
a incerteza cai-me na página, e
arrasta-se pelo poema, até
me escorrer pelos dedos para
dentro da própria alma."

Nuno Júdice

Anónimo disse...

"Amanhecer

Floresce, na orilha da campina,
esguio ipê
de copa metálica e esterlina.

Das mil corolas,
saem vespas,abelhas e besouros,
polvilhados de ouro,
a enxamear no leste,onde vão pousando
nas piritas que piscam nas ladeiras,
e no riso das acácias amarelas.

Dos charcos frios
sobem a caçá-los redes longas,
lentas e rasgadas de neblina.
Nuvens deslizam,despetaladas,
e altas, altas,
garças brancas planam.

Dançam fadas alvas,
cantam almas aladas,
na taça ampla,
na prata lavada,
na jarra clara da manhã..."

João Guimarães Rosa
in Magma