sexta-feira, 21 de março de 2008

Poética

O acto poético é o empenho total do ser para a sua revelação. Este fogo de conhecimento, que é também fogo de amor, em que o poeta se exalta e consome, e é a sua moral. E não há outra. Neste mergulho do homem nas suas águas mais silenciadas, o que vem à tona é tanto uma singularidade como uma pluralidade. Mas, curiosamente, o espírito humano atenta mais facilmente nas diferenças, esquecendo-se, e é Goethe quem o lembra, que o particular e o universal coincidem, e assim a palavra do poeta, tão fiel ao homem, acaba por ser a palavra de escândalo no sei do próprio homem. Na verdade, ele nega onde outros afirmam, desoculta o que outros escondem, ousa amar o que outros nem sequer são capazes de imaginar. Palavra de aflição mesmo quando luminosa, de desejo apesar de serena, rumorosa até quando nos diz o silêncio, pois esse ser sedento de ser, que é o poeta, tem a nostalgia da unidade, e o que procura é uma reconciliação, uma suprema harmonia entre luz e sombra, presença e ausência, plenitude e carência (...).
Eugénio de Andrade, Rosto Precário

1 comentário:

Anónimo disse...

Nessa nostalgia da unidade, o Senhor do Olá é um grande poeta e cada mão é um poema único.