terça-feira, 18 de março de 2008

História deste galo

Quando os meus amigos decidiram fundar esta revista, não sabiam dar-lhe nome. Eu conhecia a história do galo de don Alhambro, mas não me atrevia a ressuscitá-la. Há dias, porém, todos os redactores surgiram contentíssimos em minha casa. Traziam um galo admirável. Era de penas azul–Rolls-Royce e cinzento-colonial, com todo o pescoço de um delicioso azul-Falla que ficava mais carregado nos esporões.
- De onde é este galo?
- Sou o galo de don Alhambro!
- Então que fuja daqui! – gritaram todos.
- Renovei-me para vir à vossa procura, e poder subir ao título por que tanto anseio e para o qual fui criado.
- A mim, o título que me agrada é O suspiro do Mouro – disse eu.
- E a mim, Romeu e Julieta – disse outro.
- E a mim, Copo de Água – repetiu uma voz fina.
- Valha-me Deus, senhores! – gritou o galo. – Não peço que tenhais a ideologia de don Alhambro; eu próprio já mudei de opinião. Mas não me expulseis por causa da minha história. A isso não consigo resistir. Nada pode fazer-se aqui sem contar com a história. Sou belo. Anuncio a madrugada e serei sempre insubstituível como divisa.
Houve uma discussão violentíssima, em que o galo era suave a suplicar.
- Basta, meus amigos – disse eu por fim, em tom enérgico. – Sob minha responsabilidade, sobe ao título!

Abrimos a sacada e o galo ascendeu ao título com todas as suas penas incendiadas. E já na barra do título a todos nós saudou de maneira inefável. Maneira de água e jacinto. Poema de quem parte uma guitarra sobre o mar do amanhecer. Dália na oliveira e bosque na mão. Jogo e mentira.

Frederico Garcia Lorca
(Anjo e Duende, Assírio & Alvim)

1 comentário:

Guilherme Salem disse...

Obrigado pelo Lorca. E por me relembrar.