Escrever um poema é ensaiar uma magia menor. O instrumento dessa magia, a língua, é assaz misterioso. Nada sabemos da sua origem. Só sabemos que se ramifica em idiomas e que cada um deles consta de um indefinido e mutável vocabulário e de um número indefinido de possibilidades sintácticas. Com esses inacessíveis elementos formei este livro. (No poema, a cadência e o ambiente de uma palavra podem pesar mais do que o sentido).
É seu este livro, Maria Kodama. Precisarei dizer-lhe que esta inscrição compreende os crepúsculos, os cervos de Nara, a noite solitária e as populosas manhãs, as ilhas partilhadas, os mares, os desertos e os jardins, o que o esquecimento perde e o que a memória transforma, a alta voz do almuadem, a morte de Hawkwood, os livros e as gravuras?
Só podemos dar o que já tivermos dado. Só podemos dar o que já é do outro. Neste livro estão as coisas que sempre foram suas. O mistério que é a dedicatória, uma entrega de símbolos.
Jorge Luis BORGES, Os Conjurados
(trad. Maria P. Pereira e Salvato T. de Meneses)
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