sexta-feira, 11 de junho de 2010

Sobre o Flirt

Adam Phillips é um psicanalista, conferencista e ensaísta. Dizem que vê na psicanálise uma espécie de poesia prática ("uma linguagem com afinidades com outras linguagens literárias, uma disciplina que instiga as pessoas a celebrarem-se"). O livro são dezanove artigos sobre contingência, memória e esquecimento, culpa, perversão, sucesso ou depressão; sobre figuras emblemáticas como Freud, Erich Fromm, Melanie Klein; sobre livros e também escritores, como O Património de Philip Roth, onde analisa a cena de vergonha entre pai e filho, quando aquele, enfermo e doente, passa por uma triste revolta do corpo que suja tudo: "Enquanto relato da morte do pai, Patrimony é o primeiro dos livros de Roth que o seu pai jamais leria. Roth é o menos sentimental, e, portanto, o menos cínico dos escritores, e Patrimony é notável, entre outras coisas, pela complexidade da afeição que ele sente pelo pai. Naquele momento do livro, ele esforça-se por mostrar ao pai, e agora não apenas ao pai, que não é apenas o facto da sua incontinência que é humilhante: é tentar viver neste mundo tão continente".
E sobre a contingência: "Dada a óbvia contingência de grande parte das nossas vidas - não escolhemos, em nenhum sentido significativo, o nosso nascimento, os nossos pais, os nossos corpos, a nossa língua, a nossa cultura, os nossos pensamentos, os nossos sonhos, os nossos desejos, a nossa morte, e assim por diante -, poderia valer a pena considerar., de um ponto de vista psicanalítico, não só as relações que temos com nós mesmos e as nossas relações com objectos, mas também (como o terceiro elemento do par, por assim dizer) a nossa relação com os acidentes. A psicanálise, afinal, começou com Freud a estabelecer nexos entre vida pulsional e o "acidente" do trauma, com notáveis descrições de vidas sendo vividas com desejos não escolhidos em famílias não escolhidas e guerras não escolhidas."
Sobre o Flirt, Cotovia, 2010, trad. Cid Knipel Moreira

2 comentários:

Anónimo disse...

Não há acidentes.
Tudo se escolheu.
A nossa circunstância fala por nós.
Catarina Furtado

AM disse...

Interessante o verbo escolheu no passado.
Já Freud dizia que o que é cultural, social,adquirido, passa depois a hereditário.

Mas precisamos do livrte arbítrio, é claro, caso contrário seria trágico.