quinta-feira, 25 de março de 2010

e...

Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao oriente e visto a Índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.

Por isso eu tomo ópio. É um remédio.
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio.

Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Muito a leste não fosse o oeste já!
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim?

Sou desgraçado por meu morgadio.
Os ciganos roubaram minha Sorte.
Talvez nem mesmo encontre ao pé da morte
Um lugar que me abrigue do meu frio.

Eu fingi que estudei engenharia.
Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda.
Meu coração é uma avozinha que anda
Pedindo esmola às portas da Alegria.
(...)
Álvaro de Campos, Opiário

4 comentários:

AugustoMaio disse...

Não chegues a Port-Said, navio de ferro!
Volta à direita, nem eu sei para onde.
Passo os dias no smoking-room com o conde -
Um escroc francês, conde de fim de enterro.

Volto á Europa descontente, e em sortes
De vir a ser um poeta sonambólico.
Eu spou monárquico mas não católico
E gostava de ser as coisas fortes.

Gostava de ter crenças e dinheiro,
Ser vária gente insípida que vi.
Hoje, afinal, não sou senão, aqui,
Num navio qualquer um passageiro
(...)
Álvaro de Campos, Opiário.

p. coimbra disse...

Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
Ricardo Reis

p. coimbra disse...

[...]
O que levamos desta vida inútil
Tanto vale se é
A glória, a fama, o amor, a ciência, a vida,
Como se fosse apenas
A memória de um jogo bem jogado
E uma partida ganha
A um jogador melhor.

A glória pesa como um fardo rico,
A fama como a febre,
O amor cansa, porque é sério e busca,
A ciência nunca encontra,
E a vida passa e dói porque o conhece...
O jogo de xadrez
Prende a alma toda, mas, perdido, pouco
Pesa, pois não é nada.

p. coimbra disse...

do Eugénio

F.P.

De rosto em rosto a ti mesmo procuras
e só encontras a noite por onde entraste
finalmente nu - a loucura acesa e fria
iluminando o nada que tanto procuraste.