sexta-feira, 20 de novembro de 2009

"todos nós falhámos na tentativa de corresponder ao nosso sonho de perfeição"

William Faulkner (1897 - 1962)
hhhhhhhhhhhhhhh
Sr. Faulkner, estava a dizer há instantes que não gosta de ser entrevistado.
A razão por que não gosto de entrevistas é o facto de eu parecer reagir de um modo violento às questões pessoais. Se as perguntas são a respeito do trabalho, tento responder. Quando elas são a meu respeito, posso responder ou não, mas mesmo que o faça, se a mesma questão me for colocada amanã, a resposta pode ser outra.
ggggggggggg
E em relação a si, enquanto escritor?
se eu não tivesse existido, alguém me teria escrito, a mim, a Hemingway, a Dostoiévski, a todos nós. A prova disto mesmo é o facto de haver uns três candidatos à autoria das peças de Shakespeare. mas o que é importante é o Hamlet e o Sonho de Uma Noite de Verão - não quem os escreveu mas o facto de alguém o ter feito. O artista não tem qualquer importância. Só aquilo que ele cria é importante, uma vez que já não há nada de novo a dizer. Shakespeare, Balzac, Homero escreveram tudo o que havia a escrever sobre os mesmos assuntos e se eles tivessem vivido durante mais mil ou dois mil anos os editores não teriam precisado de mais ninguém daí em diante.
hhhhhhhhhhhhhh
Mas mesmo que pareça já não haver nada para dizer, não será talvez importante a personalidade do escritor?
É muito importante para ele próprio. todas as outras pessoas deviam estar demasiado ocupadas com a obra para não se importarem com a personalidade.
ggggggggggggg
E os seus contemporâneos?
Todos nós falhámos na tentativa de corresponder ao nosso sonho de perfeição. Por isso, eu avalio as pessoas com base neste nosso esplêndido fracasso para realizar o impossível. Na minha opinião, se eu pudesse voltar a escrever agora toda a minha obra, estou convencido de que faria melhor, o que é a atitude mais saudável que um artista pode ter. por isso ele continua a trabalhar, tentando de novo; acredita, a cada nova tentativa, que dessa vez o fará, que vai conseguir. É claro que não consegue, e é por isso que essa atitude é saudável. No momento em que o conseguisse, no momento em que fosse capaz de fazer corresponder a obra à sua imagem, ao sonho, já só lhe restaria cortar o pescoço, atirar-se para o lado de lá do píncaro da perfeição, em direcção ao suicídio. Eu sou um poeta falhado. Talvez todos os romancistas desejem primeiro escrever poesia, percebam que não são capazes e tentem então o conto, que é o género mais exigente a seguir à poesia. E talvez, ao falharem também aí, só então se lancem na escrita do romance.
gggggggggggg
Entrevistas da Paris Review
Selecção e tradução de Carlos Vaz Marques
Tinta da China, 2009

3 comentários:

Petra Maré disse...

Arrebatador!
E não digo mais...

DI disse...

Faulkner desvela a consciência mais apurada das possibilidades de ser humano, desfocando o nosso tradicional protagonismo egocêntrico humanista face à nossa própria ipseidade. É um escritor que está, sem dúvida, entre os mais notavelmente lúcidos no retrato que fizeram da finitude humana. A sua riqueza, enquanto artista, reside fatalmente na humildade da imperfeição, essência cada vez mais distante do nosso quotidiano...

AugustoMaio disse...

Muito obrigado: há comentários (por tudo o que não escrevem ou por tudo quanto dizem) que valem bem mais que o post, sem prejuízo deste ser, também para mim e por de quem vem, uma interessantíssima e profunda declaração sobre o sentido dignificante da nossa precariedade e sobre o valor intrínseco da obra. Já Camões, afinal, o esclarecia.