sábado, 17 de outubro de 2009

Sem título, nome ou paciência

1

entrei “na noite pelo lado onde há menos gente”

porque o silêncio se esbate só contra

os rostos vagos dos granitos nas calçadas

e posso respirar o sereno olhar

do que não vejo.

a cidade, essa, a cidade

grita no reverso do meu passo

e engole o eco do que adivinho. lá longe

uma mulher de espuma, junto do mar,

retribui uma palavra que perdi há décadas

quando me açoitava

nas turbulências da multidão.


2.

“eu enlouqueço com a doçura

dos meses vagarosos”, este fevereiro tem

os mesmos 1000 anos como tinha há trinta,

exactamente quando enlouqueceste

o beijo que se partiu na minha boca

e nunca mais fui homem

de trincar outros desejos

(e nem)

de desejar bocas novas

perdido

sem me entregar

perdido

a esperar

sem esperar

só aceitar (apenas)

o aguardar da noite: que

a artificiosa luz me prenda de consolo.

(dois decalques de herberto helder, peço desculpa...) 16.02.2009

4 comentários:

Passiflora Maré disse...

Caro Augusto, por certo já reparou que sou uma grande fã de Italo Calvino, mais especificamente da sua obra sempre em releitura "As Cidades Invisíveis". Pois bem, hoje a propósito do poema e d'"a cidade grita no reverso do meu passo e engole o oeco do que adivinho", aqui lhe deixou um belo trecho para o animar:
"Se cada cidade é como uma partida de xadrez, no dia em que eu conhecer todas as regras do jogo possuirei por fim o meu império, mesmo se não conseguir conhecer todas as cidades que ele contém".
E não se inquiete, porque antes de si muitos se inquietaram, veja: " qual era o móbil verdadeiro deste jogo? No xeque-mate, no lugar do rei levantado pela mão do vencedor permanece um quadrado negro ou branco".
Fique bem.

DI disse...

A noite, o silêncio, o ofício, a cidade - a solidão...
O amor, a luz, o desejo, a vida - o aplauso...
E a paciência?!...

AugustoMaio disse...

Muito bem... e bem agradecido, cara Passiflora.

e...

na poesia e, se calhar, em tudo o resto, cada palavra tem uma grandeza autónoma e uma multiplicidade de sentidos que ganha vida em cada leitor.
a paciência - a falta da dita... - pode ser (ou não) apenas ter de buscar umas palavras já com uns meses.

DI disse...

Todavia, a paciência - ou a sua falta- tende a ganhar notoriedade... By the way, boa resposta! Reitero Jauss quando defende a literatura como provocação e afirma que «aquele que interpreta deve fazer intervir a sua própria experiência»...