terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Porto Santo

(...)
Eu queria uma ilha assim, onde tudo se resume à
evidência dos astros,
ao coração sereno.
A areia aquece as mãos abandonadas.
Prevejo o eclipse, o arco-íris e os teus passos.
Sei que vens, algures, pelas veredas onde o ouro
começa.

Não me procures tão perto das estacas do primeiro
cais.
Estou sempre encostado ao mar.
E as vagas que se erguem afastam levemente a minha
boca
e são como as lágrimas do teu amor.
Quem espreita atrás dos barcos?

As velas passam ao largo das tuas cidades.
Apagas-te devagar, fresca açucena desta saudade.
Inúteis são os búzios da minha loucura porque não
me ouves em outubro
quando a ilha não pertence ao mundo.
Em outubro pensei:
podia acabar aqui, encostado ao mar,
para que se saiba onde acabam os sonhos, onde moram
os assassinos,
onde, da vida já esquecido,
olho perdidamente à volta e sou a ave.
Sou a plumagem que arde. Sou a asa golpeada pelos
raios do teu furor
e não me peçam, não me peçam para cantar.
Na Fonte da Areia baixo a cabeça sobre o peito.
Fecho os olhos.
(...)

José Agostinho Baptista, Porto Santo
Canções Da Terra Distante

4 comentários:

Passiflora Maré disse...

Belo, muito belo, deve ser feliz quem escreve assim, mesmo que não o saiba...
Parabéns, Augusto, por dar a conhecer o poeta.

AugustoMaio disse...

Comungo do comentário e confesso que cada vez mais gosto do que leio deste grande poeta madeirense. Vale a pena conhecer.

Evelyn L. disse...

tem o dom, certamente, de acalentar e fazer sorrir com palavras.
obrigada pelo que vejo aqui, e pelo o que escreve lá.

Grande beijo!

AugustoMaio disse...

Sempre um gosto, cara Evelin.