sexta-feira, 31 de outubro de 2008

regresso

Regresso atribulado do teu coração. Desfeito. E
sento-me à varanda da tua lembrança,
distinguindo os gritos de sufocos,
como se fosses separável
entre desafio e eco. Dilacera-me
a irrenunciabilidade
a que obriga um amor (inexistente). És
uma moldura de prata, burilada de outrora
e hoje lascada. Em dias límpidos
ainda te respeitava a sépia dos beijos antigos,
e cheguei a alçar-te do frigorífico morto
para te embandeirar na cómoda
assoberbada dos naperons que te escondiam
o frio outonal das nossa despedidas.
Foi tempo.
Irremediavelmente deixado por remendar
(nem as agulhas da sogra, equilibradas
nas mãos inteiras da vida completa
te ensinaram o tricô do afecto), gasto
antes de completo. Deixado
no lixo de uma estação surrealista
que só aceita partidas antes das chegadas.

Como os poetas sofrem alegorias
sem que lhes sobre consolo.
Está roto o mercado da troca dos sonhos.
Não há moeda; apenas memória
dos tempos esquecidos, os que
se aceitam sem dó, por compromisso.
Se voltasse atrás
(dizem os sábios, como se um se fo sse alteridade
à – na – dimensão do mundo)
perguntam-me se faria o mesmo;
Ora: - estou farto de perguntas.

Tu questionavas-me:
- se nunca te deixava
- se o meu amor não morreria
- se te amaria para sempre.
(- e sim: sempre é quase um dia inteiro)

e estou farto desses sinais
que simulam seitoiras
enclausuradas em cabos de perplexidade.

(continua. mentira)

5 comentários:

Passiflora Maré disse...

Adorei este regresso cheio de sinais e de memórias inventadas; este regresso aos mundos possíveis, aos "eus"/"tus" possíveis...

AugustoMaio disse...

Fui alertado para a eventual inexistência da palavra "ceitoiras". Fui à Web e nada; ao dicionário e zero. Querem ver que não existe!
Aguardo o contributo auxiliar possível e, em especial, do especialista Viriato Castro.

Passiflora Maré disse...

caro Augusto o único contributo que lhe posso dar é que nem num dicionário de expressões populares e regionalismos, encontrei tal palavra...mas pensei (de certo erradamente) que a liberdade do poeta tivesse um sentido para a mesma.

AugustoMaio disse...

Era meu o erro: não imaginava que devia ser com um "s". Agora existe e mantem o sentido desejado (do objecto e da interrogação).

Obrigado.

AugustoMaio disse...

É que, afinal de contas e tendo o mesmo som (que aprendi em novo), tem ligação com o verbo segar e não ceifar, que querem dizer o mesmo. O português é complicado, e estamos sempre a aprender.