terça-feira, 29 de julho de 2008

Uma conversa em Innsbruck

- Graças a Deus - disse o capitão -, graças a Deus que todo este beatério não virá meter o nariz nos meus poemas. Só me tenho exposto a perigos simples: aos golpes da guerra, às febres de Itália, ao venéreo das raparigas, aos percevejos das estalagens e aos credores que há por toda a parte. Já desisti de me meter com essa súcia de barrete e barretina, tal como também não vou à caça do porco-espinho. Nem sequer refutei esse malandrão do Roberto de Udine, que diz ter descoberto erros na minha versão de Anacreonte, ele que é um ignorante crasso em grego e em todas as demais línguas. Aprecio a ciência, como toda a gente, mas pouco se me dá que o sangue desça ou suba pela veia cava; basta-me saber que arrefece quando a morte chega. E se a Terra se move...
- Move-se - observou Zenão.
kjjçlçlçlççççççççççççç
Marguerite Yourcenar, A Obra ao Negro, trad. António Ramos Rosa, Luísa Neto Jorge e Manuel João Gomes

2 comentários:

Passiflora Maré disse...

(...)
"Irmão Zenão- considerou o capitão -, venho encontrar-vos magro, arrasado, meio louco, vestido com uns farrapos que o meu criado se recusaria a usar. Valerá a pena ter labutado durante vinte anos para acabar na dúvida, que por si própria nasce em todas as cabeças?
- Não contesto- redarguiu Zenão.- As vossas dúvidas é a vossa fé são bolhas de ar à superfície, mas a verdade, que fica deposta em nós com o sal na retorta durante uma destilação incerta, é, para além de uma pura descrição formal, quente ou fria de mais para a boca humana, demasiado subtil para a palavra escrita, e mais preciosa do que ela."
E concluo, com Zenão e sem ele, a sabedoria não se ensina adquire-se...

AugustoMaio disse...

Muito obrigado pelo complemento, caríssima Passiflora.

No caso, apenas a teimosia do computador não levou até à preciosa "Augusta Sílaba".

E muitos parabéns pelos 18, evidentemente.