quarta-feira, 7 de maio de 2008

POEMA do DIA

Uma mesa de plástico, branca
junto da tarde que morre
e renasce por pequenas paixões
de repente estávamos sozinhos
as ilhas muito inacessíveis
agora que escureceu
o menor desejo teria um sentido delicado
os olhos velozes de um gato
viam coisas belas
lado a lado com os homens
pareciam quase não ter sofrido

a mesa estava encostada às janelas do café
e nós de forma desolada
ignorados, aturdidos, de passagem
não muito mais

procuro desse facto uma versão
que me conduz à inconfidência

era uma mesa lisa, branca
uma razão soletrava um acaso
a medida soberana do incerto

olhos velozes de um gato os teus
olhos

JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
Reis Magos, Pequenas Paixões (Baldios)

2 comentários:

Anónimo disse...

"Lisboa às moscas e veneza aos gatos...
(os pombos da bondade só conspurcam

a praça de S. Marcos)
... ao gato perna alta que não vem
quando o chamas,
ao contrário da patrícia mosca
que não era para aqui chamada,
mas logo te soprou os últimos zunzuns
mas chegaste a Lisboa

O gato de Veneza não te dá pretextos
para miares o que te vai na alma,
nem os sacros temores da miaulesca
esfinge rilkeana.
Não é um gato é o perfil de gato
tapando a saída da calleta.

O gato veneziano é um gato sem
regaços
e sem selvajaria.
de Veneza o gato é sempre muitos gatos

que vão à sua vida...

...como tu, afinal, não vais à tua.

(De Veneza a Lisboa, num zunido,
já trazias a mosca no ouvido...)"

Alexandre O'Neill, Feira Cabisbaixa

Anónimo disse...

"Uma razão soletrava um acaso"

Soberbo