Por se falar em Kundera, por – sempre – se lembrar Kafka, um outro sublime nome merece referência. Custará pronunciar, mas escreve-se assim: Bohumil Hrabal. Nasceu em Brno em 1914, licenciou-se em Direito, mas foi ferroviário, operário siderúrgico, agente de seguros, figurante de teatro e outras mais coisas. Foi proibido no seu país. Diz que a sua obra é quase toda autobiográfica. Diz dele Kundera que “é uma das incarnações mais autênticas da Praga mágica; é o incrível casamento do amor plebeu e da imaginação barroca”.
De entre os seus títulos (A terra onde o tempo parou, Comboios rigorosamente vigiados e – o mais aclamado – Eu que servi o Rei de Inglaterra) pode destacar-se “Uma solidão demasiado ruidosa”, livro que tem início com esta citação de Goethe: Só o sol tem direito às suas manchas.
Como acentuou o Le Monde des Livres, Nunca Hrabal disse tantas coisas em tão poucas páginas. E nunca ele mergulhou tão profundamente no escuro. Para dele voltar a sair, como habitualmente, resplandecente, de brilho e de riso. Uma solidão demasiado ruidosa é um mergulho no inconsciente do mundo.
“Quando a minha mãe morreu, chorei para dentro, não soltei nem uma lágrima. Ao sair do crematório, vi como o fumo da chaminé se elevava para o céu… a minha mãe subia maravilhosamente aos céus e eu, que trabalhava já há dez anos na cave do depósito de papel velho, desci para a cave do crematório, expliquei que fazia algo de semelhante com os livros, depois esperei, e quando a cerimónia acabou vi que tinham queimado ao mesmo tempo quatro mortos e a minha mãe fora a terceira. Sem um gesto, olhava os últimos restos humanos; vi o empregado retirar os ossos e moê-los num moinho de mão, moeu também os da minha mãe num moinho de mão, e só depois depositou os últimos restos da minha mãe numa lata, e eu lá estava parado a olhar fixamente, como quando se afastava o comboio que transportava os belíssimos livros para a Suiça e a Áustria, a uma coroa o quilo. Pensava nos fragmentos dos versos de Sandburg: de um homem sobra um pouco de fósforo que chegaria apenas para uma caixa de fósforos, e ferro que não daria mais do que um gancho para um adulto se enforcar.” Uma solidão demasiado ruidosa, Ed. Afrontamento, 1992.
De entre os seus títulos (A terra onde o tempo parou, Comboios rigorosamente vigiados e – o mais aclamado – Eu que servi o Rei de Inglaterra) pode destacar-se “Uma solidão demasiado ruidosa”, livro que tem início com esta citação de Goethe: Só o sol tem direito às suas manchas.
Como acentuou o Le Monde des Livres, Nunca Hrabal disse tantas coisas em tão poucas páginas. E nunca ele mergulhou tão profundamente no escuro. Para dele voltar a sair, como habitualmente, resplandecente, de brilho e de riso. Uma solidão demasiado ruidosa é um mergulho no inconsciente do mundo.
“Quando a minha mãe morreu, chorei para dentro, não soltei nem uma lágrima. Ao sair do crematório, vi como o fumo da chaminé se elevava para o céu… a minha mãe subia maravilhosamente aos céus e eu, que trabalhava já há dez anos na cave do depósito de papel velho, desci para a cave do crematório, expliquei que fazia algo de semelhante com os livros, depois esperei, e quando a cerimónia acabou vi que tinham queimado ao mesmo tempo quatro mortos e a minha mãe fora a terceira. Sem um gesto, olhava os últimos restos humanos; vi o empregado retirar os ossos e moê-los num moinho de mão, moeu também os da minha mãe num moinho de mão, e só depois depositou os últimos restos da minha mãe numa lata, e eu lá estava parado a olhar fixamente, como quando se afastava o comboio que transportava os belíssimos livros para a Suiça e a Áustria, a uma coroa o quilo. Pensava nos fragmentos dos versos de Sandburg: de um homem sobra um pouco de fósforo que chegaria apenas para uma caixa de fósforos, e ferro que não daria mais do que um gancho para um adulto se enforcar.” Uma solidão demasiado ruidosa, Ed. Afrontamento, 1992.
6 comentários:
...Uma solidão demasiado ruidosa é um mergulho no inconsciente do mundo...
"São precisamente as perguntas para as quais não há resposta, que marcam os limites das possibilidades humanas e que traçam as fronteiras de nossa existência."
A alma e o corpo- A insustentável leveza do Ser
Milan Kundera
#A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.
A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,
o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.
O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre."
Vinicius de Moraes
"Meu Senhor,
Tende imensa piedade dos músicos de cafés e de casas de chá
Que são virtuoses da própria tristeza e solidão
Mas tende piedade também dos que buscam o silêncio
E súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.
........
E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!
Vinicius de Moraes
Suave,suavemente,sempre...
"Fui percorrer lamúrias de procura"
"Levanta-se da mesa. Lá fora, num relógio qualquer, batem duas horas. Daí a momentos, daí a uma eternidade, levantar-se-á da mesa outra vez. E amanhã. E depois. E daí a muitos anos. Tudo morre à noite, dizia Claude. Mas não, a vida é longa, desliza e escorre sem uma quebra. Uma sucessão de acontecimentos, uma corrente sem fim de palavras ditas e de palavras poupadas. Dessas principalmente."
Maria Judite de Carvalho
Dedicado ao luar de Sábado, 29 de Março de 2008:
"Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.
Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.
Porquê jardins que nós não colheremos
Límpidos nas auroras a nascer,
Porquê o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver."
Sophia de Mello Breyner Andresen
Um grande escritor.
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