sexta-feira, 31 de outubro de 2008

AMOR

Já não existe a palavra. No
espaço branco brotará
o ínfimo do absoluto.
E sei. Sinto que
se basta num olhar.

regresso

Regresso atribulado do teu coração. Desfeito. E
sento-me à varanda da tua lembrança,
distinguindo os gritos de sufocos,
como se fosses separável
entre desafio e eco. Dilacera-me
a irrenunciabilidade
a que obriga um amor (inexistente). És
uma moldura de prata, burilada de outrora
e hoje lascada. Em dias límpidos
ainda te respeitava a sépia dos beijos antigos,
e cheguei a alçar-te do frigorífico morto
para te embandeirar na cómoda
assoberbada dos naperons que te escondiam
o frio outonal das nossa despedidas.
Foi tempo.
Irremediavelmente deixado por remendar
(nem as agulhas da sogra, equilibradas
nas mãos inteiras da vida completa
te ensinaram o tricô do afecto), gasto
antes de completo. Deixado
no lixo de uma estação surrealista
que só aceita partidas antes das chegadas.

Como os poetas sofrem alegorias
sem que lhes sobre consolo.
Está roto o mercado da troca dos sonhos.
Não há moeda; apenas memória
dos tempos esquecidos, os que
se aceitam sem dó, por compromisso.
Se voltasse atrás
(dizem os sábios, como se um se fo sse alteridade
à – na – dimensão do mundo)
perguntam-me se faria o mesmo;
Ora: - estou farto de perguntas.

Tu questionavas-me:
- se nunca te deixava
- se o meu amor não morreria
- se te amaria para sempre.
(- e sim: sempre é quase um dia inteiro)

e estou farto desses sinais
que simulam seitoiras
enclausuradas em cabos de perplexidade.

(continua. mentira)

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A ignorância premiada

A 4ª Dinastia de Portugal, também cognominada de Dinastia de Bragança, poderá ser a menos bem conhecida de todos aqueles que, neste nosso Portugal Moderno, tendo estudado a História Lusa, nunca chegaram, contudo, ao final dos manuais. De qualquer modo, isso nunca poderá servir de desculpa a certos "erros"cometidos por quem se propõe, além de distrair, ensinar.
Servem estas breves considerações para dar aqui notícia da "calinada" que acabei de ver, há pouco, no concurso "Jogo Duplo", apresentado pelo bonifácio José Carlos Malato. De facto, à pergunta "Quem sucedeu a D. José I?", apresentaram-se, três respostas possíveis, duas delas com os nomes de D. Maria I e D. João V. Tendo eu aventado, prontamente, da minha mesa de café, o nome da Soberana que equilibrou a nossa balança comercial externa, não me chegou para espanto o facto de ter visto como resposta correcta "D. João V". Mais, houve quem tenha ganho dinheiro, tendo escolhido tal opção.
Enfim... Provavelmente num tempo em que as "novas oportunidades" vão premiando a ignorância e o facilitismo, tal enormidade devia ser tida para mim como algo perfeitamente normal.
Afinal, que culpa terá a produção do concurso por ser ignorante?
Acima de tudo, é injusto que se apelide de "besta quadrada" o néscio - passe a redundância - que definiu, informaticamente, essa resposta como certa. E isto porque, para todos os efeitos, estamos a viver o Tempo do Magalhães, onde as verdades do computador são indiscutíveis dogmas produzidos por uma qualquer inteligência artificial, nossa substituta.
No final de tudo, resta-me, pois, pedir desculpa pelo desabafo. Mas, "burro velho não aprende línguas" e que custa ver tais coisas, lá isso custa.

Glossário Avulso

Palavra de hoje - Tergiversar

Jogo, jogos...

o malandro esconde o trunfo e aguarda a oportunidade do jogo que o olhar amoroso prepara. a sedução é um lance, às vezes uma espera, quase sempre um confronto. tal como na vida, a intenção esconde-se e a dedução conquista-se. quem ganha, quem perde, assim colocado o desejo, perde sentido. a serenidade estoira a audácia. o pecado mora sempre ao lado.
instante e postal de um quadro de Balthus, O jogo de cartas (La partida de naipes), 1948 - 1950, Oléo. 140 x 194 cm. Museu Thyssen Bornemisza, Madrid
estende a tua mão contra a minha boca e respira,
e sente como respiro contra ela,
e sem que eu nada diga,
sente a trémula, tocada coluna de ar
a sorvo e sopro
ó
táctil, ininterrupta,
e a tua mão sinta contra mim
quanto aumenta o Mundo

Herberto Helder, A faca não corta o fogo, súmula & inédita

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Filhos da Pauta


Apesar de a menina (Regina Spektor) fazer campanha pelo Senador Obama - o que vai um pouco contra as minhas preferências -, não deixo de querer partilhar com os convivas da esplanada o que me parece ser uma excelente banda sonora para que as tardes de Outono se tornem agradáveis. Mesmo quando anoitece mais cedo.

A passar n'A Esplanada.
Depois os homens falavam alto e as mulheres ficavam grávidas, as gaivotas rasavam o cais, alisando a pedra, subindo subitamente, enquanto o Norberto afiava mastros, virados para o céu, com a navalha que um dia se lhe cravaria na garganta. A navalha era do Norberto, até tinha as suas iniciais no cabo,mas foi atraída, por obscuros motivos hipnóticos, para a mão do Toledo das Rondas.

Dinis Machado, Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel Garcia Marques
Antigamente, eram os barcos. Brancos, azuis e furta-cores, com lanternas penduras no cimo dos homens que passavam nas cobertas. E aquém dos barcos: as ondas tinham outra maneira de quebrar, o quebrar de antigamente, se é que sabe ao que me estou a referir.

Dinis Machado, Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel Garcia Marques

sábado, 25 de outubro de 2008

Arquipélago da Insónia (...)

"gostava de encher os livros de silêncio (para que o leitor os pudesse preencher)"
Gosto mais dos primeiros; insisto e gosto mais dos primeiros. Aqueles que o próprio diz não gostar.
Mas gosto imenso de o ouvir falar.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Fabuloso

Toda a gente conhece a Guernica, um painel pintado a óleo com 782 x351 cm, que Pablo Picasso apresentou em 1937 na Exposição Internacional de Paris. A tela, a preto e branco, representa o bombardeamento sofrido pela cidade espanhola de Guernica em 26 de abril de 1937 e está actualmente exposta no Centro Nacional de Arte Rainha Sofia, Madrid. O pintor, que morava em Paris na altura, soube do massacre pelos jornais e pintou as pessoas, animais e edifícios destruídos pela força aérea nazi tal como os viu na sua imaginação. Agora uma artista nova-iorquina, Lena Gieseke, que domina as mais modernas técnicas de infografia digital, decidiu propor uma versão 3D da célebre obra e colocá-la na net em forma de um vídeo. O resultado é fascinante e permite visualizar detalhes que passariam despercebidos. Esta técnica inovadora revela-se um instrumento poderoso para compreender melhor a forma de trabalhar do pintor e até o modo como funcionava a sua imaginação.
(com um especial agradecimento à autora da ideia do post)

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Ser poeta

Brodskii foi preso no início de 1964 e, acusado de "parasitismo", condenado a cinco anos de internamento numa quinta estatal, na região de Arkhangelsk, donde seria libertado ao fim de ano e meio, devido ao protesto que a condenação desencadeou a nível mundial.
pppppppppppppppppppppp
Eis algumas das respostas do jovem Brodskii à juíza Savaleva:
ppppppppppppppppppppppppp
"Juíza - Qual é a sua profissão?
Brodskii -Escrevo poemas. Faço traduções. Suponho...
J - Guarde as suas suposições para si (...) De uma maneira geral qual é a sua especialidade (como trabalhador)?
B - Sou poeta. Poeta-tradutor.
J - Quem decidiu que o senhor era poeta? Quem o classificou entre os poetas?
B - Ninguém. (Sem qualquer acinte no tom). E quem me classificou no género humano?
J - E que estudos fezpara esse fim?
B - Qual fim?
J -Para ser poeta. Não procurou fazer estudos superiores, preparar-se... aprender...
B -Não pensava que isso se pudesse aprender.
J - E então como se tornaria poeta?
B - penso que... (Desconcertado)... é um dom de Deus..."
pppppppppppppppp
Carlos Leite,
Introdução a Paisagem com inundação, Edições Cotovia

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Sem outro intuito

Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.

Luís Miguel Nava, Vulcão, I

"Dos relâmpagos às trevas"

Como escreveu Joseph Brodsky: "Na voz de Tsvetáeva ressoava algo desconhecido e aterrador para os ouvidos russos: a inadmissibilidade do mundo." Falar desse mundo inadmissível é a vocação e o destino dos poetas, mesmo que essa vocação e esse destino possam acabar por conduzi-los aos abismos aterradores do silêncio e das trevas.
kddkkdkdkdkdk
Gastão Cruz, Posfácio a Luís Miguel Nava, Poesia Completa, 1979 - 1994

A partitura do Impossível

Quem grita surdamente
não pertence
à partitura do tempo.
Quem grita em altos gritos
não pertence
à sinfonia das nuvens.
Qual é o músico
que trabalha com
a imensidade do negro
e a agonia sem esperança?

Ramos Rosa, Estrias, 1990

Glossário Avulso

Palavra de hoje - Almotolia

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Glossário Avulso

Palavra de hoje - Caramujo

s. m., Zool.,
pequeno molusco marítimo univalve;
burrié;
doença das salinas causada pela presença daquele molusco;ant.,
designação de obra de talha em S ou caracol com que eram rematados os leques ou rodas de proa de alguns navios;
espécie de repolho (couve);

domingo, 19 de outubro de 2008

Tudo de amor que existe em mim foi dado.
Tudo o que fala em mim de amor foi dito.
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-se escravizado.

Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fique proscrito.
Cada voto que fiz ergue-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.

VINICIUS, Soneto a quatro mãos (com Paulo Mendes Campos), 1945

19.10. 1913

Em homenagem ao grande Vinicius,
no dia em que faria 95 anos.

philip glass: metamorphosis 1

Glossário Avulso

Palavra de hoje - Salsaparrilha

Salsaparrilha: arbusto da família das Liláceas...

sábado, 18 de outubro de 2008

Longo tempo são três dias

Pequeno apenas no formato, Os últimos três dias de Fernando Pessoa (Quetzal Editores) é um livro enorme de intensidade e beleza. Antonio Tabucchi, um italiano quase português, conhecedor profundo, amante e tradutor da obra do Poeta, escreve um delírio - assim lhe chama - dos dias de agonia do Mestre, deitado no leito de morte do Hospital de S. Luís dos Franceses, em Novembro de 1935. Fernando Pessoa recebe os seus heterónimos e, como num delírio, fala com eles e dita as suas vontades, dialogando com os fantasmas que lhe fizeram companhia ao longo da vida. Mistura de romance e biografia imaginária, é a evocação ternurenta e apaixonada da morte e da vida de um dos maiores poetas do século anterior.
gdfgdfhgfhghgfhgfjjh
Pessoa levantou a mão e fez um gesto esotérico. Disse: absolvo-te, Álvaro, vai com os deuses eternos, se tiveste amores, se tiveste um só amor, estás absolvido, porque és uma pessoa humana, é a tua humanidade que te absolve.
Posso fumar?, perguntou Campos.
pessoa fez um gesto afirmativo com a cabeça. campos tirou do bolso a cigarreira de prata e pegou num cigarro, enfiou-o numa comprida boquilha de marfim e acendeu-o.
sabes, fernando, tenho saudades de quando era um poeta decadente, da época em que fiz aquela viagem de paquete nos mares do oriente, sim, então teria sido capaz de escrever versos à lua, garanto-te, à noite, no convés, quando havia baile a bordo, a lua era tão teatral, era de tal modo minha. Mas nesse tempo eu era estúpido, fazia ironia com a vida, não sabia aproveitar a vida que me era dada, e foi assim que perdi a oportunidade e a vida me escapou.
E depois?, perguntou Pessoa.
Depois, comecei a querer decifrar a realidade, como se a realidade fosse decifrável, e veio o desencorajamento. E com o desencorajamento, o niilismo. Em seguida já não acreditei em nada, nem mesmo em mim. E hoje aqui estou á tua cabeceira, como um farrapo inútil, fiz as malas para lado nenhum, e o meu coração é um balde despejado.
Campos dirigiu-se para a mesa de cabeceira e apagou o morrão do cigarro num pratinho de loiça.
Bem, meu caro Fernando, acrescentou, precisava de te dizer tudo isto agora que vamos talvez deixar-nos, tenho de ir, sei que os outros também virão ver-te e já não te resta muito tempo, adeus.
Campos pôs o sobretudo pelos ombros, ajustou o monóculo no olho direito, fez um rápido gesto de despedida com a mão, abriu a porta, deteve-se um instante e repetiu: adeus Fernando. Depois disse: as cartas de amor talvez não sejam todas redículas. E fechou a porta.
Sempre que falo à frente de muitas pessoas, parece-me que errei na porta. Algumas mãos amigas empurraram-me, e aqui estou. Metade das pessoas anda perdida entre cenários, árvores pintadas, fontes de lata, e quando julga que encontrou o seu quarto ou um círculo de sol morno, encontra-se com um caimão que a engole ou... com o público, como eu neste momento. E hoje não tenho mais espectáculo que uma poesia amraga, mas viva, que julgo capaz de abrir os seus olhos à custa de chicotadas que eu lhe dê.
Eu disse "um poeta em Nova Iorque" e devia ter dito "Nova Iorque num poeta". Um poeta que sou eu. Claramente e com franqueza: não tenho habilidade nem talento, mas consigo fugir por um bisel embaciado deste espelho do dia, por vezes mais depressa que muitas crianças. Um poeta que aparece nesta sala e quer ter a ilusão de estar no seu quarto, e de que vós... vocês são seus amigos, que não há poesia escrita sem olhos de escravos do verso obscuro, nem poesia falada sem orelhas dóceis, orelhas amigas onde a palavra que brota leva através delas sangue aos lábios, ou céu à fronte de quem ouve.
Nova Iorque num poeta, trad. Aníbal Fernandes

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

"É o inconcebível infinito o seu puro nada / que nas palavras ressoa com a incandescência do ser"

António Ramos Rosa nasceu em Faro em 17 de Outubro de 1924. É um enorme poeta português.

A palavra é uma estátua submersa, um leopardo
que estremece em escuros bosques, uma anémona
sobre uma cabeleira. Por vezes é uma estrela
que projecta a sua sombra sobre um torso.
Ei-la sem destino no clamor da noite,
cega e nua, mas vibrante de desejo
como uma magnólia molhada. Rápida é a boca
que apenas aflora os raios de uma outra luz.
Toco-lhe os subtis tornozelos, os cabelos ardentes
e vejo uma água límpida numa concha marinha.
É sempre um corpo amante e fugidio
que canta num mar musical o sangue das vogais.

A palavra, Acordes, 1989

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Asas do Desejo


Asas do Desejo
Título Original: Der Himmel ünder Berlin
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 130 minutos
Ano de Lançamento (Alemanha): 1987
Estúdio: Argos Films / Road Movies Filmproduktion / Westdeutscher Rundfunk Distribuição: Orion Classics
Direção: Wim Wenders
Roteiro: Peter Handke e Wim Wenders
Produção: Anatole Dauman e Wim Wenders
Música: Jürgen Knieper
Fotografia: Henri Alekan
Desenho de Produção: Heidi Lüdi
Figurino: Monika Jacobs
Edição: Peter Przygodda
Elenco
Bruno Ganz (Damiel)
Solveig Dommartin (Marion)
Otto Sander (Cassiel)
Curt Bois (Homer)
Peter Falk (Peter Falk)

Na Berlim pós-guerra, dois anjos vagueiam pela cidade. Invisíveis aos mortais, eles lêem seus pensamentos e tentam confortar a solidão e a depressão das almas que encontram. Entretanto, um dos anjos, ao se apaixonar por uma trapezista, deseja se tornar um humano para experimentar as alegrias de cada dia.


Nick Cave and The Bad Seeds - The Mercy Seat

A Woman of No Importance

LADY CAROLINE. I am not sure, Miss Worsley, that foreigners like yourself should cultivate likes or dislikes about the people they are invited to meet. Mrs. Allonby is very well born. She is a niece of Lord Brancaster's. It is said, of course, that she ran away twice before she was married. But you know how unfair people often are. I myself don't believe she ran away more than once.
HESTER. Mr. Arbuthnot is very charming.
LADY CAROLINE. Ah, yes! the young man who has a post in a bank. Lady Hunstanton is most kind in asking him here, and Lord Illingworth seems to have taken quite a fancy to him. I am not sure, however, that Jane is right in taking him out of his position. In my young days, Miss Worsley, one never met any one in society who worked for their living. It was not considered the thing.
HESTER. In America those are the people we respect most.
LADY CAROLINE. I have no doubt of it.
HESTER. Mr. Arbuthnot has a beautiful nature! He is so simple, so sincere. He has one of the most beautiful natures I have ever come across. It is a privilege to meet HIM.
LADY CAROLINE. It is not customary in England, Miss Worsley, for a young lady to speak with such enthusiasm of any person of the opposite sex. English women conceal their feelings till after they are married. They show them then.
HESTER. Do you, in England, allow no friendship to exist between a young man and a young girl?
[Enter LADY HUNSTANTON, followed by Footman with shawls and a cushion.]
LADY CAROLINE. We think it very inadvisable. Jane, I was just saying what a pleasant party you have asked us to meet. You have a wonderful power of selection. It is quite a gift.
LADY HUNSTANTON. Dear Caroline, how kind of you! I think we all do fit in very nicely together. And I hope our charming American visitor will carry back pleasant recollections of our English country life. [To Footman.] The cushion, there, Francis. And my shawl. The Shetland. Get the Shetland. [Exit Footman for shawl.]

A Woman of No Importance
Primeiro Acto
Oscar Wilde

Pretty Girls Make Graves

Upon the sand, upon the bay
"There is a quick and easy way" you say
Before you illustrate
I'd rather state:
"I'm not the man you think I am
I'm not the man you think I am
"And Sorrow's native son
He will not smile for anyone
And Pretty Girls Make Graves

End of the pier, end of the bay
You tug my arm, and say:
"Give in to lust
Give up to lust
oh heaven knows we'll
Soon be dust..."
But I'm not the man you think I am
I'm not the man you think I am
And Sorrow's native son
He will not rise for anyone
And Pretty Girls Make Graves
(OK)

I could have been wild and I could have
Been free
But Nature played this trick on me
She wants it Now
And she will not wait
But she's too rough
And I'm too delicate
Then, on the sand
Another man, he takes her hand
A smile lights up her stupid face
(and well, it would)
I lost my faith in Womanhood
I lost my faith in Womanhood
I lost my faith...

Morrissey

Oscar Wilde


Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde, escritor Irlandês, nasceu em Dublin a 16 de Outubro de 1854.

Glossário Avulso

Palavra de hoje - Didascálias

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Cruzeiro Seixas II

variação sobre tema diverso, embebido de alteração cromática e com candeeiro de sala encastrado.

Filosóficas (parte ns)

Estes são os meus princípios; se não gostarem deles, tenho outros.

Marx, Groucho

(cit. Thomas Cathcart e daniel klein, Platão e e um Ornitorrinco entram num bar...)

Romance II

"Sentada à mesa junto à janela entreaberta do quarto, este tão estranho para ela quanto aquele da pensão cujos lençóis e a cama tinha afinal deixado imaculados, Eugénia olhava para a taça do gelado com ar pensativo.
No seu íntimo, procurava recordar, até ao mais pequeno pormenor, os acontecimentos da noite anterior.
Já alta a Lua e depois de ter arriscado a sua sorte na quermesse (onde ganhou alguns bordados e rendas), tinha-se decidido a entrar no salão de baile, onde o artista local, virtuoso das teclas, num misto de melancolia e saudade, tocava e cantava a balada da despedida do Verão. Um mote simples, supostamente inspirado no melhor do rock 'n roll.
'... E na praia do meu coração/Sopra já o vento da separação', esta uma das estrofes, em pobre rima, que prenunciava uma qualquer intempérie, pouco desejada por todos os amantes dos dias grandes, ali presentes.
Ao aproximar-se do bar improvisado em ripas de madeira e com uma tosca cobertura de folhas de videira e louro, desejosa de um bom, mas ali impossível, gin tónico, Eugénia avistou Luís à conversa com alguns daqueles que seriam os homens bons, importantes, da terra. Possivelmente comerciantes e caciques locais. Ao contemplá-lo longamente, Eugénia deu-se conta de que ele tinha envelhecido um pouco, mantendo, no entanto, aquele enigmático ar que desde a primeira vez a tinha seduzido... O sorriso a três quartos do lábio e o olhar fixo que procurava sempre prescutar o íntimo do seu interlocutor, deixando-o no mínimo embaraçado, confuso e, por fim, rendido a quaisquer que fossem os seus argumentos.
De súbito, reparou que Luís olhava na sua direcção. A sua atitude tinha mudado, constatava ela. Os seus olhares cruzaram-se e logo ali sentiram um certo desconforto, imperceptível para os demais convivas que lhes estavam próximos.
Eugénia sentia agora um adocicado aperto no peito, um típico peso no estômago e um rubro calor na face. Luís encaminhava-se para ela, deixando para trás a sua enfadonha tertúlia, esta ainda a tentar perceber o porquê do abrupto 'até já' com que ele se despediu.
A sorte deste reecontro estava prestes a ser ditada..."

"Sonhos de Estio", Alexandre Villas-Diogo

Olhos de rosas

Gostava que teus olhos fossem rosas.
Vivas; onde espinhos enfeitam o quadro
Nas alturas esquecidas, nas assombrosas
Tu estivesses aconchegada do meu lado.

Gostava que o teu encanto fosse breve
Como os deuses apaixonam juventude
E que o extraviado servo que te serve,
Viesse perder no teu olhar a solitude.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Cruzeiro Seixas

alterações cromáticas num fundo de surrealismo português

"Então, vá, fica bem!"

Um dos hábitos que me vem intrigando desde sempre nos filmes americanos é aquele de, numa conversa telefónica, um dos interlocutores desligar o telefone na cara do outro sem se despedir. É que nem um "adeus", um "até breve", ou um "até amanhã" sequer. Isto para já não falar das expressões de afecto mais íntimas que costumam ser empregues em certas situações - seja com o(a) namorado(a), seja com os pais ou com amigos. No mínimo, tal comportamento revela falta de educação.
No entanto, ao pensar nesta questão, no intuito de a trazer à conversa, resolvi fazer uma pesquisa pelo google subordinada à seguinte expressão - hanging up the phone without goodbye.
Dado o primeiro resultado que encontrei, noto com curiosidade que não sou o único que se interroga sobre tal "despautério". O debate, aqui.

Vintage Geek II

Um dos aspectos que mais me atrai na visão futurista que se teve do mundo nas décadas de '50 e '60 - como certamente nas que lhes antecederam - é a versatilidade com que os autores das ideias mais arrojadas exprimiram o que ainda seriam projectos um tanto ou quanto difíceis de alcançar.

Mas realmente é vendo tal criatividade, tal capacidade de pensar "mais à frente", ainda que com os meios disponíveis na altura, que me interrogo muitas vezes se, actualmente - num tempo em que o "dado" e o "construído" ditam os cânones da concepção - vamos sendo capazes de fazer o mesmo.

Muito bem lembrado por quem também gosta destas "geekices".

Originalmente publicado na esplanada.

Lisboa servindo-se da Lua para enfeitar o cenário. Sorte ter estado cheia.


segunda-feira, 13 de outubro de 2008

até que Deus é destruído pelo extremo exercício da beleza

Herberto Helder, A faca não corta o fogo, súmula & inédita
pratica-te como contínua abertura,
o mais atento que custe,
com uma volta sobre ti mesma até eu aparecer no outro lado do rosto,
quando te olhas,
espera que desapareça o ruído em cada palavra,
e agora só a ela se ouça,
e então aumenta tanto quanto possas se escutas
que me aproximo,
a género de abrasadura mulheril,
a cálculo lírico infundido nas lides de ar e fogo,
edoi lelia doura,
que o mênstruo coza e a seda escume,
à luz que nasce da roupa,
e os substantivos perfeitos respirem uns dos outros na têmpera
e frescor da língua indestrutível,
e então estendo por ti acima o melhor do meu braço,
se é que posso fulgurar,
e enquanto crio, cria-me, e cria-te como começo de mim mesmo,
isto: que unas o avulso,
se te puderes mover como o ar que respiro, ó
irrepetível, inenarrável, inerente

Herberto Helder, A faca não corta o fogo, súmula & inédita

Antes do arquipélago e além da insónia

Para começar bem a semana:
Homero? Podia ir...

domingo, 12 de outubro de 2008

Tom Waits- Chocolate Jesus

Sempre grande...

Capital

Historicamente, o capital contrapõe-se à propriedade fundiária, por toda a parte e em primeiro lugar, sob a forma de dinheiro, como fortuna em dinheiro, capital mercantil e capital usuário.
(…)
Dinheiro enquanto dinheiro e dinheiro enquanto capital distinguem-se, antes de mais, apenas pela sua forma diversa de circulação.
Karl Marx
O Capital
Segunda secção
Capitulo IV
A transformação de dinheiro em capital

Olhos nos olhos, que tensão crescente!
Dentro de nós um par de sombra sobe;
(que anelo dói? que orgulho se ressente?)
que suspensão no rito as não comove?

Olhos nos olhos, nossa feições caem.
Nas duas sombras acendeu-se o olhar.
Compactas como corpos se não saem,
ficamos ambos sem lugar do ar.

Sebastião Alba, Ciúme, A noite dividida
A tua vida é uma história triste.
A minha é igual à tua.
Presas as mãos e preso o coração,
enchemos de sombra a mesma rua.

A nossa casa é onde a neve aquece.
A nossa festa, onde o luar acaba.
Cada verso em nós próprios apodrece,
cada jardim nos fecha a sua entrada.

Eugénio de Andrade, As mãos e os frutos, XXXIII

sábado, 11 de outubro de 2008

um antigo provébio árabe esclarece que, em cada dia, um relógio parado dá duas vezes horas certas.

nota - passe a publicidade, o relógio fotografado não tem por hábito dar-se à sonolência da paragem, mas a fotografia tem esse castigador "mérito" de gozar com o tempo.

Que diria Molero?

Partiu há escassos dias, em 3 deste mês outonal. Escritor, jornalista, homem de outros ofícios, amante do nome próprio e do pseudónimo (Dennis McShade) com que publicou sublimes romances policiais (Mão Direita do Diabo, 1967 e há meses reeditado; Requiem para D. Quixote, 1967 e Mulher e Arma com Guitarra Espanhola), tornou-se particularmente conhecido com O que diz Molero (1977), livro encantador e cheio de sensibilidade e do qual alguém disse “se isto não é literatura, só perde a literatura”. Escreveu também Reduto quase Final (1989), Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel García Marques (1984) e Gráfico de vendas com Orquídea (1999), “outras formas de arrumação de conhecimentos”, vinte textos escritos entre 1977 e 1993. São deste último, num escrito de 23.05.1986, publicado n’O Jornal sob o título A administração do tempo, estes dizeres: E depois há os imprevisíveis sinais do tempo, os que, impiedosamente seleccionam: o desgosto, a falta, a doença, o desencontro, a dependência, o erro, a quebra da força ou da vontade, as sombras afastadas da alegria. E as mortes onde vamos ficando. E as vidas que as substituem, mas que não substituem as nossas perdas, tão magoadas e tão nossas.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O que não está rodeado de incerteza não pode ser verdade

Richard Feynman

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Filosófi(c)as... II

À primeira vista é um candeeiro, estacionado numa rua qualquer, iluminando uma qualquer rua, por coincidência a mesma. Nas vistas segundas continua a parecer o mesmo. E estamos certos se concluirmos que assim é. Claro que fica sempre a dúvida mais relevante: o que é um candeeiro?

Filosófi(c)as...

Como vê o futuro da filosofia?
hhhhhgfhgfhhgfhh
- Estou convencido que a filosofia, no futuro, não terá uma importância que, nem de longe, se assemelhe à que teve para os gregos ou para os povos da Idade Média. Penso que o progresso da ciência fará diminuir inevitavelmente a sua importância.

(Russel, A Minha Concepção Do Mundo)

Russel ter-se-á enganado ou é no seu acerto que está o mal?

Na "queixa" - e na deixa - dos economistas, afinal para que serve um filósofo?
A responsabilidade começa nos sonhos

WB Yeats

Exmo. Senhor PHILIP ROTH













terça-feira, 7 de outubro de 2008

Edgar Allan Poe


Faleceu em 7 de Outubro de 1849, depois de quatro dias antes ter sido encontrado nas ruas de Baltimore, vestido com roupas alheias e em estado de delirium tremens.
As suas últimas palavras teriam sido, de acordo com algumas fontes, “está tudo acabado: escrevam Eddy já não existe”.
Nunca foram apuradas as causas precisas da morte de Poe, sendo bastante comum a ideia da causa do seu estado ter sido embriaguez.

Ecónomias

Tenho uma questão que não me tem largado nestes últimos dias:
Para que serve um economista?

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A FAZER DE CONTOS

NNNNN brevemente...

Jarro


Fim

Maior parte das vezes o fim assume sempre formas diferentes, mas mantém sempre a mesma consistência…
“Eu sinto, cada vez mais frequentemente, desejo por outros homens.” Disse a Cristina fitando o infinito vazio da rua, evitando olhar para mim.
Conseguem sentir o ar a tornar-se viscoso?, tornando cada vez mais difícil qualquer tipo de movimento ou reacção?
“Talvez, se fosses mais homem, nós poderíamos ter tido mais sexo” continua ela, plastificando a gosma incolor e inodora que nos rodeia, impedindo-me de respirar de uma forma normal, turvando a minha memória.
O regresso a casa foi difícil, demasiado lento e obscuro. Aquilo mais recordo é a imagem dos edifícios que se pareciam arquear sobre a rua…

Os Sete Samurais

















Título Original: Shicinin No Samurai
Tempo de Duração: 208 minutos
Ano de Lançamento (Japão): 1954
Estúdio: Toho
Distribuição: Columbia Pictures
Realização/Direcção: Akira Kurosawa
Roteiro: Shinobu Hashimoto, Akira Kurosawa e Hideo Oguni
Produção: Sojiro Motoki
Música: Fumio Hayasaka
Fotografia: Asakazu Nakai
Desenho de Produção: Takashi Matsuyama
Figurino: Kôhei Ezaki
Edição: Akira Kurosawa

No século XVI, durante a era Sengoku, quando os poderosos samurais de outrora estavam com os dias contados pois eram agora desprezados pelos seus aristocráticos senhores. Kambei (Takashi Shimura), um guerreiro veterano sem dinheiro, chega a uma aldeia que foi saqueada repetidamente por ladrões assassinos. Os moradores da aldeia pedem a sua ajuda, fazendo com que Kambei recrute seis outros “ronins”, que concordam em ensinar os habitantes como devem se defender em troca de comida…

domingo, 5 de outubro de 2008

A ESFINGE SEM SEGREDO

Achava-me numa tarde sentado no terraço do Café Paz, contemplando o fausto e a pobreza da vida parisiense, a meditar, enquanto bebericava o meu vermute, sobre o estranho panorama de orgulho e miséria que desfilava diante de mim, quando ouvi alguém pronunciar o meu nome. Voltei-me e dei com os olhos em Lord Murchison. Não nos tínhamos tornado a ver desde que estivéramos juntos no colégio, havia isto uns dez anos, de modo que me encheu de satisfação aquele encontro e apertamos as mãos cordialmente. Tínhamos sido grandes amigos em Oxford. Gostaria dele imensamente. Era tão bonito, tão comunicativo, tão cavalheiresco. Costumávamos dizer dele que seria o melhor dos sujeitos, se não falasse sempre a verdade, mas acho que, na realidade, o admirávamos mais justamente por causa da sua franqueza. Encontrei-o muito mudado. Parecia inquieto, perturbado e em dúvida a respeito de alguma coisa. Senti que não podia ser o cepticismo moderno, pois Murchison era um dos conservadores mais inabaláveis e acreditava no Pentateuco com a mesma firmeza com que acreditava na Câmara dos Pares. De modo que conclui que havia alguma mulher naquilo e perguntei-lhe se ainda não se havia casado.
- Não compreendo as mulheres bastante bem - respondeu.
- Meu caro Geraldo - disse -, as mulheres estão feitas para serem amadas e não para serem compreendidas.
- Não posso amar sem ter confiança absoluta - replicou.


Oscar Wilde

Res Publica


















Em dia de comemoração, aqui deixo a minha homenagem àqueles que manifestaram a vontade de fazer melhor...

Um tal (I)

Fazia poesia nos pacotinhos de açúcar, antes de ceder às diabetes. Depois, em jeito de aniquilar o tempo, passou a pintar corações de arco-íris nos – cada dia mais raros – sacos de plástico das médias e grandes superfícies. Quando chegou à centena, abriu uma quermesse num canto vago do Sobral Cid (grande homem…) onde, nas horas sobrantes, ensinava um neurologista a ler os sinais das mãos. Sem grandes êxitos: quando os apoderados passaram unanimemente a calçar luvas, o director clínico deu-lhe ordem de marcha.

sábado, 4 de outubro de 2008

lisboa. lisboa e castelo. lisboa, castelo e tudo. tudo, tudo o que a vista pensa.

liberta-me

Ah!, liberdade que me corrói a firmeza da vontade;
a ti me entrego em desmedida negação de sobras reservas
e fico preso à ânsia de nunca querer um rumo certo,
uma responsabilidade.

“Vou ausentar-me por algum tempo”, se assim
me deixares ser sério:
Era uma vez na América –
Brindo ao fim da lei seca,
ao último carregamento!
Quem é que vai querer beber aqui ilegalmente?

Deita uma frase e eu construo um verso;
lança um sorriso e eu lavro um poema.
Que pena:
Grita um grito e eu fico!
Não:
Liberta-me desta liberdade.

e. u. m., P.I

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Poesia...


Poesia é esta guerra que me travo
num sabor estranho de entender,
ora de doce gosto, ora amargo.

No que invento finjo compreender
as mentiras que me pinto
de verdades.
O que sinto e não sinto:
Corações inteiros,
corações parceiros
que reparto em metades.

A poesia é tudo e nada,
ao mesmo tempo.
O som de uma terra arada,
o silêncio de um lamento.

A angústia que não rima,
de propósito.
Porque a música
(é sina e desatina)
lhe dá um gosto pastoso.

Quero dar cabo do verso,
fugir da nota que embala;
Não inventar um pretexto
p’ra te ritmar a fala.
Esforço mas não consigo
que o poema seja rude.

Será de sonhar contigo?
De facto, sonho amiúde!

(15.12.2007)

Como viver. O que fazer

Ontem à tardinha a lua nasceu sobre esta rocha
Impura sobre um mundo inexpugnado.
O homem e seu companheiro pararam
Para descansar sobre a heróica altura.

Friamente o vento caiu sobre eles
Em muitas majestades de som:
Eles que tinham deixado o sol de chama caprichosa
Em busca de um sol de fogo mais intenso.
....

Wallace Stevens (nasc. a 2.10.1879)
Ficção Suprema, trad. de Luísa Queiroz de Campos

sei lá se vejo ou se imagino...

sem palavras que esclareçam o som do teu azul,
sem liberdade para inventar um verde tanto assim.
sem cor nos olhos que te olham de espanto
por enquanto
por ser assim
tu, tu que estás ao sul
és o meu norte
e encho-me de sorte:
sei que quando ficar negro,
vale a memória, nem tenho medo.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Mas Que Sei Eu

Mas que sei eu das folhas no outono
ao vento vorazmente arremessadas
quando eu passo pelas madrugadas
tal como passaria qualquer dono?

Eu sei que é vão o vento e lento o sono
e acabam coisas mal principiadas
no ínvio precipício das geadas
que pressinto no meu fundo abandono

Nenhum súbito súbdito lamenta
a dor de assim passar que me atormenta
e me ergue no ar como outra folha

qualquer. Mas eu que sei destas manhãs?
As coisas vêm vão e são tão vãs
como este olhar que ignoro que me olha

Ruy Belo (1933 - 1978)
Todos os Poemas, II

Romance

"O mar estava calmo naquela tarde de finais de Setembro... constatava Luís do cimo das rochas.
Pouca coisa tinha mudado ao longo daqueles anos todos... Dez ou doze no total. A mesma sensação de promessa incumprida, o mesmo sentimento de demanda inacabada, a mesma irrequieta inquietude de quem, qual animal encurralado, sabe que o lugar ideal é outro, bem distante do presente, exíguo e sufocante.
Por fim, tinha aprendido a saborear lentamente essa derrota interior, com um travo amargo de conformismo e uma certa fragrância agridoce de incompletude acomodada.
Acaso o destino lhe daria outra chance?
Pela estranha combinação dos termos da retórica pergunta assim formulada, Luís experimentava, uma vez mais, um familiar, mas odiado, cepticismo.
Restava-lhe, pois, suspirar... Um longo suspiro a acompanhar o som de mais uma onda que, suavemente, e sem esforço, rebentava junto às rochas, abaixo da sua varanda.
Ao levantar-se da sua cadeira de lona, dirigiu-se à sala, atravessando a soleira da porta de vidro corrida, fronteira àquele seu belveder de rubros tijolos cozidos e alva cal. O copo largo acabado de pousar no balcão do bar... O scotch mal acabado e as duas pedras de gelo ainda, lentamente, a derreter.
A noite era de festa - a última dos tempos do Estio que findava, ingrato ou insensível, deixando apenas recordações de dias grandes e de um calor propício a tais divagações adolescentes.
Noite de festa no salão de baile da terra. Gambiarras de lâmpadas colocadas nas copas das árvores que assim largavam agora todo o seu viço, a par de uma luz dourada acolhedora. O cheiro a frango assado, as conversas soltas e os acordes de um fanhoso órgão em teste de som preencheriam o ar. Este o cenário que o esperava. Pelo menos, sempre seria melhor do que ficar em casa a embebedar-se que nem um perdido.
De todo o modo, uma coisa era certa. O cenário que o esperava, mesmo assim, só o faria querer e desejar encontrar-se noutro lugar. Naquele onde o sonho de uma vida morava.
Eugénia tinha chegado há poucas horas. Depois de ter que fazer conversa com um taxista que parecia ter aprendido inglês pela cartilha de um qualquer marialva mais instruído, foi prontamente encaminhada ao quarto que tinha previamente reservado na pensão da aldeia. O ar estava abafado e o cheiro a naftalina vindo dos lençóis de linho provocava-lhe náuseas. Pousadas as malas começou a despir-se, encaminhando-se para a banheira de ladrilhos verdes e brancos. Indecisa entre um duche e um banho de imersão, abriu despreocupadamente a torneira misturadora. O som da água assim a jorrar sempre a tinha acalmado. Sim, porque Eugénia estava nervosa. Que loucura esta de largar a agência e vir sem nada dizer! A primeira vez que tinha tentado cumprir a promessa, o Destino, ou simplesmente o acaso, tinha-lhe pregado uma partida com que não contava. A ingratidão provou ser uma arma cruel, quando combinada com um desprezo sofrido e a invocação de compromissos que não podiam, de maneira nenhuma, competir com o que eles os dois tinham, há tantos anos. Ao entrar na banheira que acabou por deixar encher, Eugénia tentava imaginar como chegaria à fala com ele. A última mensagem recebida dizia que ele estaria ali durante todo o Verão, a descansar, indo apenas embora de regresso à cidade no final de Setembro, princípios de Outubro. A anafada senhora da recepção tinha-lhe tentado dizer qualquer coisa sobre uma festa que teria lugar, ao que parecia, naquela noite, no salão de baile.
A aldeia despertava-lhe qualquer coisa de familiar. Estava habituada a uma insularidade rural que aqui parecia ter sido quase clonada. Quem diria?
Puxando os molhados cabelos castanhos-claros para trás, Eugénia deixou-se mergulhar na banheira, afundando-se na espuma dos sais que tinha colocado na água tépida. Tinha tomado uma decisão. À hora do começo da festa, iria a terreiro, em romaria, deixando-se por lá ficar... O que quer que o destino, ou, de qualquer modo, o acaso - mais uma vez a mesma indecisão - lhe tivessem reservado, estava confiante de que iria encontrar."

"Sonhos de Estio" - Alexandre Villas-Diogo

Foi, pois foi-se...

E assim se foi. Mas recordar... é viver.