"O mar estava calmo naquela tarde de finais de Setembro... constatava Luís do cimo das rochas.
Pouca coisa tinha mudado ao longo daqueles anos todos... Dez ou doze no total. A mesma sensação de promessa incumprida, o mesmo sentimento de demanda inacabada, a mesma irrequieta inquietude de quem, qual animal encurralado, sabe que o lugar ideal é outro, bem distante do presente, exíguo e sufocante.
Por fim, tinha aprendido a saborear lentamente essa derrota interior, com um travo amargo de conformismo e uma certa fragrância agridoce de incompletude acomodada.
Acaso o destino lhe daria outra chance?
Pela estranha combinação dos termos da retórica pergunta assim formulada, Luís experimentava, uma vez mais, um familiar, mas odiado, cepticismo.
Restava-lhe, pois, suspirar... Um longo suspiro a acompanhar o som de mais uma onda que, suavemente, e sem esforço, rebentava junto às rochas, abaixo da sua varanda.
Ao levantar-se da sua cadeira de lona, dirigiu-se à sala, atravessando a soleira da porta de vidro corrida, fronteira àquele seu belveder de rubros tijolos cozidos e alva cal. O copo largo acabado de pousar no balcão do bar... O scotch mal acabado e as duas pedras de gelo ainda, lentamente, a derreter.
A noite era de festa - a última dos tempos do Estio que findava, ingrato ou insensível, deixando apenas recordações de dias grandes e de um calor propício a tais divagações adolescentes.
Noite de festa no salão de baile da terra. Gambiarras de lâmpadas colocadas nas copas das árvores que assim largavam agora todo o seu viço, a par de uma luz dourada acolhedora. O cheiro a frango assado, as conversas soltas e os acordes de um fanhoso órgão em teste de som preencheriam o ar. Este o cenário que o esperava. Pelo menos, sempre seria melhor do que ficar em casa a embebedar-se que nem um perdido.
De todo o modo, uma coisa era certa. O cenário que o esperava, mesmo assim, só o faria querer e desejar encontrar-se noutro lugar. Naquele onde o sonho de uma vida morava.
Eugénia tinha chegado há poucas horas. Depois de ter que fazer conversa com um taxista que parecia ter aprendido inglês pela cartilha de um qualquer marialva mais instruído, foi prontamente encaminhada ao quarto que tinha previamente reservado na pensão da aldeia. O ar estava abafado e o cheiro a naftalina vindo dos lençóis de linho provocava-lhe náuseas. Pousadas as malas começou a despir-se, encaminhando-se para a banheira de ladrilhos verdes e brancos. Indecisa entre um duche e um banho de imersão, abriu despreocupadamente a torneira misturadora. O som da água assim a jorrar sempre a tinha acalmado. Sim, porque Eugénia estava nervosa. Que loucura esta de largar a agência e vir sem nada dizer! A primeira vez que tinha tentado cumprir a promessa, o Destino, ou simplesmente o acaso, tinha-lhe pregado uma partida com que não contava. A ingratidão provou ser uma arma cruel, quando combinada com um desprezo sofrido e a invocação de compromissos que não podiam, de maneira nenhuma, competir com o que eles os dois tinham, há tantos anos. Ao entrar na banheira que acabou por deixar encher, Eugénia tentava imaginar como chegaria à fala com ele. A última mensagem recebida dizia que ele estaria ali durante todo o Verão, a descansar, indo apenas embora de regresso à cidade no final de Setembro, princípios de Outubro. A anafada senhora da recepção tinha-lhe tentado dizer qualquer coisa sobre uma festa que teria lugar, ao que parecia, naquela noite, no salão de baile.
A aldeia despertava-lhe qualquer coisa de familiar. Estava habituada a uma insularidade rural que aqui parecia ter sido quase clonada. Quem diria?
Puxando os molhados cabelos castanhos-claros para trás, Eugénia deixou-se mergulhar na banheira, afundando-se na espuma dos sais que tinha colocado na água tépida. Tinha tomado uma decisão. À hora do começo da festa, iria a terreiro, em romaria, deixando-se por lá ficar... O que quer que o destino, ou, de qualquer modo, o acaso - mais uma vez a mesma indecisão - lhe tivessem reservado, estava confiante de que iria encontrar."
"Sonhos de Estio" - Alexandre Villas-Diogo
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
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9 comentários:
Alexandre Villas-Diogo? Quem é?
Será Galego?
Creio que é mais da linha de Sintra.
Caro(a) Queijadas, tenho a dizer-lhe que, de facto, é amigo de casa da Mãe. Ali para os lados da Praia das Maçãs. Quando quiser, apareça.
Gosto muito da Praia das Maçãs. Estive lá no ano anterior àquela Revolução.
Aquela pastelaria na esquina da Praça da República ainda existe?
Eugénia vai a terreiro e isso é fundamental. Estamos certos que, com essa vontade firme, conseguirá os seus intentos.
Não será lá mais para os lados da Aguda?
Aguda é capaz de não ser... Grave, talvez.
Grave, Gravíssimo?
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