Vale a pena vivê-lo só por isso?, é o que me pergunto,
mais a ti, zero-sete, que bem sabes deste assunto
e que vejo, abatido e triste, cansado de dias e dias,
depois de um ano completo com escassas alegrias.
Dizes que sim, agora, pois tanto dá, tanto te faz,
sabes muito bem que o passado não volta atrás.
Que não há outra maneira, teimas-me no espanto:
que a vida é só um cada dia, e este enquanto.
Se assim tem que ser... assim bem que seja,
mas trezentos e sessenta e seis sem tristeza
parece-me muito mais do que posso aguentar;
enfim, se for útil, guardo ainda o 07 p'ra lembrar.
domingo, 30 de dezembro de 2007
sábado, 29 de dezembro de 2007
Aquilo que não lhe entrava pela cabeça
Aquilo que não lhe entrava pela cabeça, entrava-lhe irremediavelmente pela vagina. É por isso mesmo que ainda hoje a vida lhe custa tanto a carregar.
Quando se casou não o fez por sentir amor, fê-lo porque procurava uma solução e todos os dias repetia: “nunca fui tão feliz!”. Mas eu nunca soube se ela procurava convencer os outros ou se procurava uma forma desesperada de auto convencimento.
Quando se casou não o fez por sentir amor, fê-lo porque procurava uma solução e todos os dias repetia: “nunca fui tão feliz!”. Mas eu nunca soube se ela procurava convencer os outros ou se procurava uma forma desesperada de auto convencimento.
A flor lentamente secou
A flor lentamente secou.
Os cravos estão secos nas bermas das estradas, junto aos passeios.
A minha cidade lentamente definha.
O meu país lentamente definha, não interessa aquilo que surge das funestas tentativas para remediar esta situação. Este é o nosso espaço… um jardim sedento de sol, água e esperança.
Os cravos estão secos nas bermas das estradas, junto aos passeios.
A minha cidade lentamente definha.
O meu país lentamente definha, não interessa aquilo que surge das funestas tentativas para remediar esta situação. Este é o nosso espaço… um jardim sedento de sol, água e esperança.
Unhappy Birthday
I've come to wish you an unhappy birthday
'Cause you're evil
And you lie
And if you should die
I may feel slightly sad
(But I won't cry)
Loved and lost
And some may say
When usually it's Nothing
Surely you're happy
It should be this way ?
I say "No, I'm gonna kill my dog"
And : "May the lines sag
the lines sag heavy and deep tonight"
'Cause you're evil
And you lie
And if you should die
I may feel slightly sad
(But I won't cry)
Loved and lost
And some may say
When usually it's Nothing
Surely you're happy
It should be this way ?
I say "No, I'm gonna kill my dog"
And : "May the lines sag
the lines sag heavy and deep tonight"
Língua Portuguesa
A minha pátria é a língua portuguesa, e só;
Outros cantares, falares diversos, tenham dó!
Sei que me davam um lugar no estrangeiro,
Conferências e palestras no mundo inteiro.
Podia vir a conhecer belas italianas,
Dormir com elas todas as semanas;
Apaixonar-me por boas espanholas,
Ensaiar nelas o toque das castanholas.
Suecas, eslovacas, gregas, finlandesas,
Requintes lautos de camas e mesas;
Andar por o aí contente e radiante,
Ser um português muito importante.
Mas não, insisto que não quero
Por muito que louvem o esmero
Que tenho deixado aqui e além,
Sempre fixado na língua mãe.
Se me derem sabática pró poema
Fico contente: assim já vale a pena;
O mais é que não: deixem-me estar
A dormitar, a pensar, a dormitar…
Aguardando a ideia num barco à vela
E seguir firme, bem amarrado nela
A dizer, esta língua é todo o mundo;
Outras, isso não, nem por um segundo.
(14.12.2007)
A minha pátria é a língua portuguesa, e só;
Outros cantares, falares diversos, tenham dó!
Sei que me davam um lugar no estrangeiro,
Conferências e palestras no mundo inteiro.
Podia vir a conhecer belas italianas,
Dormir com elas todas as semanas;
Apaixonar-me por boas espanholas,
Ensaiar nelas o toque das castanholas.
Suecas, eslovacas, gregas, finlandesas,
Requintes lautos de camas e mesas;
Andar por o aí contente e radiante,
Ser um português muito importante.
Mas não, insisto que não quero
Por muito que louvem o esmero
Que tenho deixado aqui e além,
Sempre fixado na língua mãe.
Se me derem sabática pró poema
Fico contente: assim já vale a pena;
O mais é que não: deixem-me estar
A dormitar, a pensar, a dormitar…
Aguardando a ideia num barco à vela
E seguir firme, bem amarrado nela
A dizer, esta língua é todo o mundo;
Outras, isso não, nem por um segundo.
(14.12.2007)
sexta-feira, 28 de dezembro de 2007
receio...
os teus olhos azuis enchem-me a lembrança de cor,
mas - seja o que for -
qualquer outro tom me deixaria assim,
fora de mim.
talvez o teu sorriso -
não era preciso... -
se misture ao olhar
e desfaça este pensar,
que é desafio.
mesmo neste frio,
aqueço-me de lembranças
e saudade,
invento esperanças,
fugindo à verdade,
perco a liberdade
de ser eu.
porque me aconchegas de tão longe?,
e dizes que está perto tudo o que foge...
tinha receio de respirar o mesmo ar,
receio de misturar
o teu sangue num só;
até receio de ter dó;
de mim,
assim.
quarta-feira, 26 de dezembro de 2007
quando...
Quando...
Porquê?
Gostava de viver duas vezes
Para arriscar os mesmos dramas
Saborear as mesmas graças
Repetir.Repedir.
Se peço em Deus
Sinto descaramento
Lamento
Seria a resposta mais merecida.
Mas se não peço
Nem serve a vida.
Um dia destes deixo
Falta saber o quê.
06.2006
Quando, porquê?
Gostava de viver duas vezes,
para arriscar os mesmos dramas,
perder-me nas mesmas camas,
saborear as mesmas graças
ou desgraças.
Repetir.
Repedir.
Se peço a Deus
sinto descaramento.
- Lamento,
seria a resposta merecida.
Mas se nem peço
não serve a vida.
12.2007
Porquê?
Gostava de viver duas vezes
Para arriscar os mesmos dramas
Saborear as mesmas graças
Repetir.Repedir.
Se peço em Deus
Sinto descaramento
Lamento
Seria a resposta mais merecida.
Mas se não peço
Nem serve a vida.
Um dia destes deixo
Falta saber o quê.
06.2006
Quando, porquê?
Gostava de viver duas vezes,
para arriscar os mesmos dramas,
perder-me nas mesmas camas,
saborear as mesmas graças
ou desgraças.
Repetir.
Repedir.
Se peço a Deus
sinto descaramento.
- Lamento,
seria a resposta merecida.
Mas se nem peço
não serve a vida.
12.2007
setembro
Foi em que setembro que te senti o gosto, Amor?
Vinte anos que há ou que só tínhamos?
Sei que a neblina enevoava a manhã,
o Mondego deixava capas em sobra,
o gosto do teu beijo era cerveja.
Que seja!
Foi nessa entrega que perdeste o lance...
tanto fazia;
e ficou vazia
a margem.
Quantos sonhos sonhamos sem dormir
só nessa noite?
Só nessa noite
eu sonhei três, talvez:
amor, amor, amor, Amor.
06.2006
Vinte anos que há ou que só tínhamos?
Sei que a neblina enevoava a manhã,
o Mondego deixava capas em sobra,
o gosto do teu beijo era cerveja.
Que seja!
Foi nessa entrega que perdeste o lance...
tanto fazia;
e ficou vazia
a margem.
Quantos sonhos sonhamos sem dormir
só nessa noite?
Só nessa noite
eu sonhei três, talvez:
amor, amor, amor, Amor.
06.2006
sábado, 22 de dezembro de 2007
I knew her eight years ago. She was in my class. I don't teach full-time anymore, strictly speaking don' teach literature at all - for years now just the one class, a big senior seminar in critical writing caleed Pratical Criticism. I attract a lot of female students. (...) Ah, it's not a fast allegro, is it? Not at all. now, there's no Mozart piece with metronome markings, and why, why is that so? You remember when Mozart died..." But here I have my orgasm, the fantasy lesson is ended, and, for the moment, I am sick no longer with desire. Isn't that Yeats) "Consume my heart away; sick with desire/ And fastened to a dying animal / it knows not what it is." Yeats. Yes. "Caught in that sensual music," and so on.
Philip ROTH, The Dying Animal.
Sailing to Byzantium
I
That is no country for old man. The young
In one another's arms, birds in the trees -
(...)
III
O sages standing in God's holy fire
An in the gold mosaic of a wall,
Come from the holy fire, perne in a gyre,
And be the singing-masters of my soul.
Consume my heart away, sick with desire
And fastened to a dying animal
It Knows not what it is; and gather me
Into the artifice of eternity.
W. B. YEATS, The Tower
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
canção de natal
Tocam os sinos da igreja
O som vai até ao céu
O mundo fica sabendo
Que jesus Cristo nasceu.
Ó meu Menino Jesus
Como tu não há igual
Dá-me um brinquedo bonito
No dia do teu Natal.
Tu nasceste pobrezinho
Na grutinha de Belém
A tua mãe é a minha
A minha é a tua mãe.
(Célia Almeida)
O som vai até ao céu
O mundo fica sabendo
Que jesus Cristo nasceu.
Ó meu Menino Jesus
Como tu não há igual
Dá-me um brinquedo bonito
No dia do teu Natal.
Tu nasceste pobrezinho
Na grutinha de Belém
A tua mãe é a minha
A minha é a tua mãe.
(Célia Almeida)
quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
Blues fúnebres
(directamente de um poema de W. H. Auden)
Parem todos os relógios e cortem o telefone
Entreguem um osso ao cão para que não sone
Silenciem os pianos e, em suave caminhar
Tragam p’ra fora o caixão e venham chorar.
Que os aviões o sobrevoem num gemido
Desenhando no céu a mensagem Falecido.
O papo branco das rolas de crepes se traça
E os sinaleiros calçam luvas de desgraça.
Ele era o Sul, o Leste, o Oeste e o meu Norte
A semana de trabalho e o Domingo de sorte
O meu meio-dia e a meia-noite, meu falar e cantar
Cuidava que o amor durava, mas era a enganar.
Não mais quero estrelas: cada qual seja apagada
E que seja demolido o Sol e a Lua emalada
Esvaziem o oceano e o bosque por igual
Pois daqui em diante tudo virá por mal.
Parem todos os relógios e cortem o telefone
Entreguem um osso ao cão para que não sone
Silenciem os pianos e, em suave caminhar
Tragam p’ra fora o caixão e venham chorar.
Que os aviões o sobrevoem num gemido
Desenhando no céu a mensagem Falecido.
O papo branco das rolas de crepes se traça
E os sinaleiros calçam luvas de desgraça.
Ele era o Sul, o Leste, o Oeste e o meu Norte
A semana de trabalho e o Domingo de sorte
O meu meio-dia e a meia-noite, meu falar e cantar
Cuidava que o amor durava, mas era a enganar.
Não mais quero estrelas: cada qual seja apagada
E que seja demolido o Sol e a Lua emalada
Esvaziem o oceano e o bosque por igual
Pois daqui em diante tudo virá por mal.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
a canção das ingénuas
(até lembra as mulheres ocas...)
Nous sommes les Ingénues,
Aux bandeux plats, á l'oiel blue,
Qui vivons, presque inconnues,
Dans les romans qu'on lit peu.
Nous allons entrelacées,
Et le jour n'est pas plus pur
Que le fond de nos pensées,
Et nos rêves sont d'azur:
Et nous courrons par les prés
Et rions et babillons
Des aubes jusqu'aux vesprées,
Et chassons aux papillons;
Et des chapeaux de bergères
Défendent notre fraîcheur,
Et nos robes - si légères -
Sont d'une extrême blancheur;
Les Richelieux, les caussades
Et les chevaliers Faublas
Nous prodiguent les oeillades,
Les saluts et les "hélas!"
Mais en vain, et leurs mimiques
Se viennent casser le nez
Devant les plis ironiques
De nos jupons détournés;
Et notre candeur se raille
Des imaginations
De ces raseurs de muraille
Bien que parfois nous sentions
Battre nous coeurs sous nos mantes
A des pensers clandestins,
En nous sachant les amantes
Futures des libertins.
Paul Verlaine
(Poemas saturnianos e outros)
Nous sommes les Ingénues,
Aux bandeux plats, á l'oiel blue,
Qui vivons, presque inconnues,
Dans les romans qu'on lit peu.
Nous allons entrelacées,
Et le jour n'est pas plus pur
Que le fond de nos pensées,
Et nos rêves sont d'azur:
Et nous courrons par les prés
Et rions et babillons
Des aubes jusqu'aux vesprées,
Et chassons aux papillons;
Et des chapeaux de bergères
Défendent notre fraîcheur,
Et nos robes - si légères -
Sont d'une extrême blancheur;
Les Richelieux, les caussades
Et les chevaliers Faublas
Nous prodiguent les oeillades,
Les saluts et les "hélas!"
Mais en vain, et leurs mimiques
Se viennent casser le nez
Devant les plis ironiques
De nos jupons détournés;
Et notre candeur se raille
Des imaginations
De ces raseurs de muraille
Bien que parfois nous sentions
Battre nous coeurs sous nos mantes
A des pensers clandestins,
En nous sachant les amantes
Futures des libertins.
Paul Verlaine
(Poemas saturnianos e outros)
quanto puderes...
Se não podes fazer da vida o que tu queres,
tenta ao menos isto,
quanto puderes:
não a disperses em mundanas cortesias,
em vã conversa, fúteis correrias.
Não a tornes banal à força de exilada,
e de mostrada muito em toda a parte
e a muita gente,
no vácuo dia-a-dia que é o deles
- até que seja em ti uma visita incómoda.
Constantino Cavafy (1913)
tenta ao menos isto,
quanto puderes:
não a disperses em mundanas cortesias,
em vã conversa, fúteis correrias.
Não a tornes banal à força de exilada,
e de mostrada muito em toda a parte
e a muita gente,
no vácuo dia-a-dia que é o deles
- até que seja em ti uma visita incómoda.
Constantino Cavafy (1913)
When You Are Old
When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;
How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false and true,
But one man loved the pilgrim soul in jou,
And loved the sorrows of your changing face,
And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amind a crowd of stars.
W. B. Yeats
(Os pássaros brancos e outros poemas)
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;
How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false and true,
But one man loved the pilgrim soul in jou,
And loved the sorrows of your changing face,
And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amind a crowd of stars.
W. B. Yeats
(Os pássaros brancos e outros poemas)
terça-feira, 18 de dezembro de 2007
the body artist
"Sempre que era obrigada a curvar-se e a procurar alguma coisa nas zonas mais baixas e recônditas do frigorífico soltava um gemido, mas nem sempre, diga-se, gemido esse que se assemelhava ao queixume de toda uma vida. (...) Ele continuou a agitar a embalagem, ainda em pé. Agitou-a durante mais tempo do que o necessário porque estava distraído, pensou ela, e porque isso lhe dava uma prazer apatetado e inocente, que se esgotava na puerilidade do gesto, no sacolejar repetitivo, no ruído viscoso e no cheiro a laranja exalado pelo pacote de cartão. (...) - Ela segurava o fio de cabelo entre o polegar e o indicador, contemplando-o com uma repugnância genuína levada aos limites do artifício, a boca paralisada num esgar oblíquo. (...) Nada podia descrevê-lo. Era um cheiro em estado puro. Era a matéria de que é feito o cheiro, isolado de todas as suas fontes."
Don DeLillo, O Corpo Enquanto Arte
segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
natal
Combinaste o encontro no portal
(abrigado em lonas e cartão)
avançando a desculpa do Natal
e uma treta de ter q'dar a mão.
Cheguei, estava tudo a gelar,
um frio que abrasava os ossos.
Bem melhor é dar um salto ao bar:
uns finos sempre apagam os remorsos.
Há anos que combinas este adeus...
Como podia andar tão distraído?
Agora é tarde p'ra ver, menino Deus
que eras quem segredava ao ouvido.
(abrigado em lonas e cartão)
avançando a desculpa do Natal
e uma treta de ter q'dar a mão.
Cheguei, estava tudo a gelar,
um frio que abrasava os ossos.
Bem melhor é dar um salto ao bar:
uns finos sempre apagam os remorsos.
Há anos que combinas este adeus...
Como podia andar tão distraído?
Agora é tarde p'ra ver, menino Deus
que eras quem segredava ao ouvido.
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
rm
No dorso do teu encanto,
esgotado de espanto,
imagino, sonho, minto
além do que vejo e sinto:
a voz doce do teu nome engano,
o tom de mentires, frágil,
o sopro de teus olhos onde abano
o medo de fugir, não fora ágil.
Até no fumo que sobe
o teu batom
oiço esse som
do teu nome.
Um ponto incandesce
e desce
da ponta do cigarro parado
que o lábio guarda, alheado.
Sonho, daí partindo,
ir indo, ir indo...
percorrer a brasa do teu ser
até poder...
sempre seguindo,
e entender
lá no (teu) fundo
o fim do Mundo.
esgotado de espanto,
imagino, sonho, minto
além do que vejo e sinto:
a voz doce do teu nome engano,
o tom de mentires, frágil,
o sopro de teus olhos onde abano
o medo de fugir, não fora ágil.
Até no fumo que sobe
o teu batom
oiço esse som
do teu nome.
Um ponto incandesce
e desce
da ponta do cigarro parado
que o lábio guarda, alheado.
Sonho, daí partindo,
ir indo, ir indo...
percorrer a brasa do teu ser
até poder...
sempre seguindo,
e entender
lá no (teu) fundo
o fim do Mundo.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
1. poema simples
Poucos conhecem a infâmia
do melhor do que há em nós
ou a vergonha cansada
de ter ainda outra voz
em rima pobre sem nexo
nem louvor na embaixada
Do nosso amor fica sempre
um gosto a coisa deixada
para os mistérios do sexo
como roupa desleixada
só eu sei como te deito
na minha mão debruçada
(...)
Eu era, se é que era,
mais um aroma no ar
a voz ao longe que espanta
quando cessa de cantar
ou outra imagem qualquer
capaz de a ti acordar.
(...)
António Franco Alexandre, Uma Fábula.
do melhor do que há em nós
ou a vergonha cansada
de ter ainda outra voz
em rima pobre sem nexo
nem louvor na embaixada
Do nosso amor fica sempre
um gosto a coisa deixada
para os mistérios do sexo
como roupa desleixada
só eu sei como te deito
na minha mão debruçada
(...)
Eu era, se é que era,
mais um aroma no ar
a voz ao longe que espanta
quando cessa de cantar
ou outra imagem qualquer
capaz de a ti acordar.
(...)
António Franco Alexandre, Uma Fábula.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
blues fúnebres
Ainda a pensar nos "sete casamentos e quatro pecados mortais"
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky tle message He Is Dead
Put crêpe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever. i was wrong.
The stars are not wanted now, put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the woods;
For nothing now can ever come to any good.
W. H. Auden, Another Time (1940)
Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky tle message He Is Dead
Put crêpe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last for ever. i was wrong.
The stars are not wanted now, put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the woods;
For nothing now can ever come to any good.
W. H. Auden, Another Time (1940)
domingo, 9 de dezembro de 2007
lágrima de preta
Encontrei uma preta/que estava a chorar/pedi-lhe uma lágrima/para a analisar.
Recolhi a lágrima/com todo o cuidado/num tubo de ensaio/ bem esterilizado.
Olhei-a de um lado/do outro e de frente/tinha um ar de gota/muito transparente.
Mandei vir os ácidos/as bases e os sais/ as drogas usadas/em casos que tais.
Ensaiei a frio/experimentei ao lume/de todas as vezes/deu o que é costume.
nem sinais de negro/nem vestígios de ódio/Água (quase tudo)/e cloreto de sódio.
António Gedeão, Máquina de Fogo (1961)
Recolhi a lágrima/com todo o cuidado/num tubo de ensaio/ bem esterilizado.
Olhei-a de um lado/do outro e de frente/tinha um ar de gota/muito transparente.
Mandei vir os ácidos/as bases e os sais/ as drogas usadas/em casos que tais.
Ensaiei a frio/experimentei ao lume/de todas as vezes/deu o que é costume.
nem sinais de negro/nem vestígios de ódio/Água (quase tudo)/e cloreto de sódio.
António Gedeão, Máquina de Fogo (1961)
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
Dois cigarros
Ogni notte è la liberazione. Si guarda i riflessi
dell'asfalto sui corsi che si aprono lucidi al vento.
Ogni rado passante ha una faccia e una storia.
Ma a quest'ora non c'è piú stanchezza: i lampioni a migliaia
sono tutti per chi si sofferma a sofferma a sfregare un cerino.
La fiammella si spegne sul volto alla donna
che mi hai chiesto un cerino. Si spegne nel vento
e la donna delusa ne chiede un secondo
che si spegne: la donna ora ride sommessa.
Qui possiamo parlare a voce alta e gridare,
che nessuno ci sente. Leviamo gli sguardi
alle tante finestre - occhi spenti che dormono -
e attendiamo. la donna si stringe le spalle
e si lagna che ha perso la sciarpa a colori
che la notte faceva da stufa.
(...)
Cesare Pavese, Dopo (Lavorare stanca)
dell'asfalto sui corsi che si aprono lucidi al vento.
Ogni rado passante ha una faccia e una storia.
Ma a quest'ora non c'è piú stanchezza: i lampioni a migliaia
sono tutti per chi si sofferma a sofferma a sfregare un cerino.
La fiammella si spegne sul volto alla donna
che mi hai chiesto un cerino. Si spegne nel vento
e la donna delusa ne chiede un secondo
che si spegne: la donna ora ride sommessa.
Qui possiamo parlare a voce alta e gridare,
che nessuno ci sente. Leviamo gli sguardi
alle tante finestre - occhi spenti che dormono -
e attendiamo. la donna si stringe le spalle
e si lagna che ha perso la sciarpa a colori
che la notte faceva da stufa.
(...)
Cesare Pavese, Dopo (Lavorare stanca)
quarta-feira, 5 de dezembro de 2007
Carta aos "Puros"
Ó vós, homens sem sol, que vos dizeis os Puros
E em cujos olhos queima um lento fogo frio
Vós de nervos de nylon e de músculos duros
Capazes de não rir durante anos a fio.
Ó vós, homens sem sal, em cujos corpos tensos
Corre um sangue incolor, da cor alva dos lírios
Vós que almejais na carne estigma dos martírios
E desejais ser fuzilados sem lenço.
(...)
Ó vós, a quem os bons amam chamar de Puros
E vos julgais os portadores da verdade
Quando nada mais sois, à luz da realidade,
Que os súcubos dos sentimentos mais escuros.
Ó vós que só viveis nos vórtices da morte
E vos enclausurais no instinto que vos ceva
Vós que vedes na luz o antónimo da treva
E acreditais que o amor é o túmulo do forte.
(...)
Ó vós que vos negais à escuridão dos bares
Onde o homem que ama oculta o seu segredo
Vós que viveis a mastigar os maxilares
E temeis a mulher e a noite, e dormis cedo.
Ó vós os curiais; ó vós, os ressentidos
Que tudo equacionais em termos de conflito
E não sabeis pedir sem ter recurso ao grito
E não sabeis vencer se não houver vencidos.
Ó vós que vos comprais com a esmola feita aos pobres
Que vos dão Deus de graça em troca de alguns restos
E maiusculizais os sentimentos nobres
E gostais de dizer que sois homens honestos.
Ó vós, falsos Catões, chichisbéus de mulheres
Que só articulais para emitir conceitos
E pensais que o credor tem todos os direitos
E o pobre devedor tem todos os deveres.
Ó vós que desprezais a mulher e o poeta
Em nome de vossa vã sabedoria
Vós que tudo comeis mas viveis de dieta
E acheis que o bom do alheio é a melhor iguaria.
Ó vós, homens da sigla; ó vós, homens da cifra
Falsos chimandos, calabares, sinecuros
Tende cuidado porque a Esfinge vos decifra...
E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.
Vinicius de Moraes, Para Viver Um Grande Amor.
E em cujos olhos queima um lento fogo frio
Vós de nervos de nylon e de músculos duros
Capazes de não rir durante anos a fio.
Ó vós, homens sem sal, em cujos corpos tensos
Corre um sangue incolor, da cor alva dos lírios
Vós que almejais na carne estigma dos martírios
E desejais ser fuzilados sem lenço.
(...)
Ó vós, a quem os bons amam chamar de Puros
E vos julgais os portadores da verdade
Quando nada mais sois, à luz da realidade,
Que os súcubos dos sentimentos mais escuros.
Ó vós que só viveis nos vórtices da morte
E vos enclausurais no instinto que vos ceva
Vós que vedes na luz o antónimo da treva
E acreditais que o amor é o túmulo do forte.
(...)
Ó vós que vos negais à escuridão dos bares
Onde o homem que ama oculta o seu segredo
Vós que viveis a mastigar os maxilares
E temeis a mulher e a noite, e dormis cedo.
Ó vós os curiais; ó vós, os ressentidos
Que tudo equacionais em termos de conflito
E não sabeis pedir sem ter recurso ao grito
E não sabeis vencer se não houver vencidos.
Ó vós que vos comprais com a esmola feita aos pobres
Que vos dão Deus de graça em troca de alguns restos
E maiusculizais os sentimentos nobres
E gostais de dizer que sois homens honestos.
Ó vós, falsos Catões, chichisbéus de mulheres
Que só articulais para emitir conceitos
E pensais que o credor tem todos os direitos
E o pobre devedor tem todos os deveres.
Ó vós que desprezais a mulher e o poeta
Em nome de vossa vã sabedoria
Vós que tudo comeis mas viveis de dieta
E acheis que o bom do alheio é a melhor iguaria.
Ó vós, homens da sigla; ó vós, homens da cifra
Falsos chimandos, calabares, sinecuros
Tende cuidado porque a Esfinge vos decifra...
E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.
Vinicius de Moraes, Para Viver Um Grande Amor.
Calle Principe, 25
Perdemos repentinamente
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos
conservar
mas levamos anos
a esquecer alguém
que apenas nos olhou
José Tolentino Mendonça, Baldios
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos
conservar
mas levamos anos
a esquecer alguém
que apenas nos olhou
José Tolentino Mendonça, Baldios
Anoitecer
Casas vigiam em uniformes de cal.
Nem as aves clinicam:
o vento encrespando as gralhas
contra o céu que se exila,
além da obscuridade, das janelas que seguem
nas paredes imóveis;
um tempo só de ida, com seu curso
erosivo em nosso leito,
e essa atilada luz eléctrica,
explicam a tua vinda,
meu amor. E escrevo
(...)
Sebastão Alba (A noite dividida)
Nem as aves clinicam:
o vento encrespando as gralhas
contra o céu que se exila,
além da obscuridade, das janelas que seguem
nas paredes imóveis;
um tempo só de ida, com seu curso
erosivo em nosso leito,
e essa atilada luz eléctrica,
explicam a tua vinda,
meu amor. E escrevo
(...)
Sebastão Alba (A noite dividida)
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
domingo, 2 de dezembro de 2007
Fallig man
Novo livro de Don DeLillo (O homem em queda, Sextante Editora, trad. Paulo Faria).
"- O que virá a seguir? Não te interrogas? Não apenas para o mês que vem. Nos anos vindouros.
- Não se vai seguir nada. Não há a seguir. Isto foi o a seguir. Há oito anos puseram uma bomba numa das torres. Ninguém perguntou o que ia acontecer a seguir. O que se seguiu foi isto. O momento certo para ter medo é quando não há razões para ter medo. Agora é tarde de mais.
Lianne estava de pé, junto à janela"
"- O que virá a seguir? Não te interrogas? Não apenas para o mês que vem. Nos anos vindouros.
- Não se vai seguir nada. Não há a seguir. Isto foi o a seguir. Há oito anos puseram uma bomba numa das torres. Ninguém perguntou o que ia acontecer a seguir. O que se seguiu foi isto. O momento certo para ter medo é quando não há razões para ter medo. Agora é tarde de mais.
Lianne estava de pé, junto à janela"
sábado, 1 de dezembro de 2007
Noticias
Reuniram-se dois casais de pais afectivos, três do coração, cinco candidatos à adopção e quatro de acolhimento. Juntaram ao evento vários pareceres do colégio de especialistas, do liceu de técnicos e, ainda, do instituto do amparo. Cautelarmente, foram deslocados para o local três meios aéreos, cinco meios terrestres e um avançado de campanha. Desconhece-se precisamente o número de ignições previstas. A cobertura será em directo e esta programada, em simultâneo, para as vinte em ponto. Independentemente do resultado que venha a ser alcançado, foi mandado abrir um inquérito e já está garantido apoio psicológico.
P D
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