terça-feira, 18 de dezembro de 2007

the body artist



"Sempre que era obrigada a curvar-se e a procurar alguma coisa nas zonas mais baixas e recônditas do frigorífico soltava um gemido, mas nem sempre, diga-se, gemido esse que se assemelhava ao queixume de toda uma vida. (...) Ele continuou a agitar a embalagem, ainda em pé. Agitou-a durante mais tempo do que o necessário porque estava distraído, pensou ela, e porque isso lhe dava uma prazer apatetado e inocente, que se esgotava na puerilidade do gesto, no sacolejar repetitivo, no ruído viscoso e no cheiro a laranja exalado pelo pacote de cartão. (...) - Ela segurava o fio de cabelo entre o polegar e o indicador, contemplando-o com uma repugnância genuína levada aos limites do artifício, a boca paralisada num esgar oblíquo. (...) Nada podia descrevê-lo. Era um cheiro em estado puro. Era a matéria de que é feito o cheiro, isolado de todas as suas fontes."


Don DeLillo, O Corpo Enquanto Arte

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