quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O Leilão do Lote 49, Pynchon



Thomas Pynchon é um escritor genial, que, por vontade própria, se esconde do mundo há décadas. Em 1963 foi publicado um dos seus mais aclamados romances, V, e logo considerado de um tipo inovador, como tinha sido a escrita de Joyce ou Beckett. Espera-se fervorosamente a publicação, em breve, de um novo livro. Entretanto, foi feita uma nova tradução portuguesa do seu "O leilão do lote 49" (Relógio D'Água), o romance em que Oedipa é feita testamenteira dos bens do seu antigo amante (um tal Pierce Inverarity) e em que, no cumprimento dos seus deveres do cargo, descobre estranhas revelações. No último suplemento do Expresso dá-se nota da contínua actualidade e beleza deste livro (texto de Rogério Casanova, pontuação cinco estrelas) e, além do mais, diz-se que "uma passagem (na pág. 10 desta edição) continua a parecer-me o naco de ficção mais bem pontuado de todos os tempos". Aqui fica a passagem: "Contudo, tinha acreditado nos carros. Excessivamente, talvez: e como poderia ter sido diferente, quando via dirigir-se-lhe toda aquela gente ainda mais pobre do que ele, pretos, mexicanos, brancos, uma multidão sete dias por semana, trazendo para troca as carripanas mais inverosímeis: verdadeiros prolongamentos metálicos e motorizados deles próprios, das suas famílias, reflexo do que haviam sido as suas vidas, que eles punham a nu, ali, diante de um estranho como ele, para que as examinasse, chassis amolgados, cheios de ferrugem, guarda-lamas com cores que as tornam invendáveis e para desencorajar Mucho, e o interior cheirando desesperadamente a crianças, a aguardente dos supermercados, a duas e a três gerações de fumadores de cigarros, ou simplesmente a pó - e, limpo o interior dos carros, era preciso examinar os resíduos destas vidas, e era impossível distinguir entre aquilo que tinha verdadeiramente sido rejeitado (e supunha que por medo se guardava o pouco que aparecia) e aquilo que muito simplesmente (talvez tragicamente) tinha sido perdido: talões agrafados oferecendo descontos de 5 a 10 cêntimos, bilhetes, propaganda de baixa de preços em supermercados, beatas, pentes desdentados, ofertas de empregos, páginas amarelas arrancadas de listas telefónicas, farrapos de roupa interior ou de vestidos fora de moda que serviram para desembaciar uma pára-brisas para que se pudesse ver o que havia para ver, um filme, uma mulher ou um carro que se cobiçava, um chui que talvez o levasse dentro porque não tinha mais nada para fazer, ninharias todas elas envoltas invariavelmente, como uma salada de desespero, num condimento cinzento de cinzas, de gases concentrados de escapes, de poeira, de desperdícios humanos - ficava doente só de olhar, mas tinha de olhar."

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