"Sentada à mesa junto à janela entreaberta do quarto, este tão estranho para ela quanto aquele da pensão cujos lençóis e a cama tinha afinal deixado imaculados, Eugénia olhava para a taça do gelado com ar pensativo.
No seu íntimo, procurava recordar, até ao mais pequeno pormenor, os acontecimentos da noite anterior.
Já alta a Lua e depois de ter arriscado a sua sorte na quermesse (onde ganhou alguns bordados e rendas), tinha-se decidido a entrar no salão de baile, onde o artista local, virtuoso das teclas, num misto de melancolia e saudade, tocava e cantava a balada da despedida do Verão. Um mote simples, supostamente inspirado no melhor do rock 'n roll.
'... E na praia do meu coração/Sopra já o vento da separação', esta uma das estrofes, em pobre rima, que prenunciava uma qualquer intempérie, pouco desejada por todos os amantes dos dias grandes, ali presentes.
Ao aproximar-se do bar improvisado em ripas de madeira e com uma tosca cobertura de folhas de videira e louro, desejosa de um bom, mas ali impossível, gin tónico, Eugénia avistou Luís à conversa com alguns daqueles que seriam os homens bons, importantes, da terra. Possivelmente comerciantes e caciques locais. Ao contemplá-lo longamente, Eugénia deu-se conta de que ele tinha envelhecido um pouco, mantendo, no entanto, aquele enigmático ar que desde a primeira vez a tinha seduzido... O sorriso a três quartos do lábio e o olhar fixo que procurava sempre prescutar o íntimo do seu interlocutor, deixando-o no mínimo embaraçado, confuso e, por fim, rendido a quaisquer que fossem os seus argumentos.
De súbito, reparou que Luís olhava na sua direcção. A sua atitude tinha mudado, constatava ela. Os seus olhares cruzaram-se e logo ali sentiram um certo desconforto, imperceptível para os demais convivas que lhes estavam próximos.
Eugénia sentia agora um adocicado aperto no peito, um típico peso no estômago e um rubro calor na face. Luís encaminhava-se para ela, deixando para trás a sua enfadonha tertúlia, esta ainda a tentar perceber o porquê do abrupto 'até já' com que ele se despediu.
A sorte deste reecontro estava prestes a ser ditada..."
"Sonhos de Estio", Alexandre Villas-Diogo
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
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13 comentários:
Em vez do gin tónico, conseguiu uma mini?
Isso sim... Afinal, era o baile da terra.
As senhoras não bebem minis.
As senhoras bebericam minis.
O bebericam está bem observado, há que reconhecer, caro Viriato. Mas as minis também têm outro nome, menos modesto, talvez mais veloz...
Caro Augusto, essa nota faz-me lembrar um outro slogan: "Bosch é brom".
Alexandre O'Neil.
Ainda bem que o autor foi identificado!
Fica por conta dele...
Brosch... Primeiro estranha-se e, depois, entranha-se.
As minis?
Ou as médias?
Brejeirices muito masculinas!
E o romance que ia tão dentro do tom...
Também há que diga, aos 96 tenho esperança, pode ter sido apenas uma volta a mais...
As brejeirices não podem ser femininas?
Passiflora, o tom do romance continuará. A história está longe de ter acabado.
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