A opinião pública, sendo um fenómeno do instinto, manifesta-se, como todo o instinto, não-intelectualmente. Ora, como o próprio da inteligência é definir e esclarecer, conclui-se que a opinião pública nunca se define, nunca explica em termos de ideias o seu conteúdo instintivo. É um estado de mera tendência; é uma atmosfera, uma pressão, de modo nenhum uma orientação ou uma atitude.
A opinião pública, como todo o instinto, manifesta-se conservativamente. O instinto não origina, não cria, não se adapta. A opinião pública nunca se adapta, nem se procura adaptar; adapta as coisas a si, ou procura fazê-lo. Ante uma novidade, ou a absorve e a converte em sua substância, ou a rejeita. Assim é o instinto. A qualidade que busca adaptar-se às coisas não é o instinto, é a inteligência.
A opinião pública, por fim, como todo o instinto, é radicalmente antagonista. A inteligência, perante o não-ela, como busca compreender, não odeia, porque se aproxima; e, quando chega a compreender, em regra tolera, e por vezes ama. "Compreender", disse-se, "é amar". Não é assim o instinto. O que ele não sente como seu, sente como contra si. "Quem não é por mim é contra mim" é a divisa do instinto, e, portanto, da opinião pública. Fernando Pessoa, 1919.
1 comentário:
Muito bem visto, mesmo que visto há tanto tempo ido.
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