Deus criou-me para criança, e deixou-me sempre criança. Mas porque deixou que a Vida me batesse e me tirasse os brinquedos, e me deixasse só no recreio, amarrotando com mãos tão fracas o bibe azul sujo de lágrimas compridas? Se eu não podia viver senão acarinhado, porque deitaram fora o meu carinho? Ah, cada vez que vejo nas ruas uma criança a chorar, uma criança exilada dos outros, dói-me mais que a tristeza da criança o horror desprevenido do meu coração exausto. Doo-me com toda a estatura da vida sentida, e são minhas as mãos que torcem o canto do bibe, são minhas as bocas tortas das lágrimas verdadeiras, é minha a fraqueza, é minha a solidão, e os risos da visa adulta que passa usam-me como luzes de fósforos riscados no estofo sensível do meu coração.
Bernardo Soares
2 comentários:
Este texto é belíssimo. De uma sensibilidade extremamente apurada.
Obrigada Senhor, por o partilhar neste dia de aniversário.
É verdade, é um texto muito belo e que, no dia de hoje, assenta maravilhosamente.
Enviar um comentário