quinta-feira, 1 de maio de 2008

POEMA do DIA

Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brandas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do Sol no sítio errado,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E que tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.

JOSÉ SARAMAGO
Retrato do poeta quando jovem

1 comentário:

Anónimo disse...

"Vem Vento, Varre

Vem vento, varre
sonhos e mortos.
Vem vento, varre
medos e culpas.
Quer seja dia,
quer faça treva,
varre sem pena,
leva adiante
paz e sossego,
leva contigo
noturnas preces,
presságios fúnebres,
pávidos rostos
só covardia.
Que fique apenas
ereto e duro
o tronco estreme
de raiz funda.
Leva a doçura,
se for preciso:
ao canto fundo
basta o que basta.

Vem vento, varre!"

Adolfo Casais Monteiro