quarta-feira, 16 de abril de 2008

O Rei dos Álamos

Sem querer exagerar na poesia, mas vindo à lembrança o livro de Michel Tournier, aqui fica, na tradução de Eugénio de Castro, o belíssimo poema de Goethe:

Quem cavalga tão tarde, ao vento e pela treva?
O cavaleiro é um pai, p’lo filho acompanhado,
Pai que, nos braços seus, o seu filhinho leva,
Cingindo-o muito, a fim de o ter agasalhado.

- Porque escondes, meu filho, essa carinha, tanto?
- Dos álamos, o Rei, meu pai, não o vês?
Não o vês tu, meu pai, coroado e com manto?
- Enganas-te da bruma, alguns flocos talvez.

Vem comigo, meu lindo! Ah, vem comigo! Vens!
Contigo jogarei jogos bem divertidos;
Muitas garridas flor’s nas minhas ribas tens,
Minha mãe tem para ti áureos vestidos.

- Aos teus ouvidos, pai, dize-me cá, não chega
Tudo aquilo que o Rei me promete baixinho?
- Não te inquietes, meu filho, ó meu filho sossega:
Co’as flores secas anda o vento em murmurinho.

- Vê lá, se a vir comigo, ó lindo, te abalanças!
Tenho filhas que bem te saberão tratar,
Minhas filhas, verás! Dançam nocturnas danças
E assim te embalarão, a dançar e a cantar.

- O teu olhar, meu pai, ainda não devassa
Das princesas o grupo, além, na escuridão?
- Filho, filho, bem vejo o que em torno se passa
Só os salgueiros vês, que entre as névoas estão.

- Gosto muito de ti, dessa linda figura,
Não resistas, senão a força empregarei.
- Meu pai, o rei prendeu-me agora com a mão dura!
Ai! Quanto me magoou dos álamos o Rei!

O pai, todo a tremer, apressura a montada,
Todo abraçado ao seu queixoso pequenino,
Depois de apuros tais, chega à sua morada,
Porém nos braços seus vai já morto o menino.

3 comentários:

Anónimo disse...

A voz do silêncio!

Anónimo disse...

"Há um som para cada forma, uma forma para cada som?"

Novalis

Anónimo disse...

"As palavras depõem
contra o coração,
que não quer dizer nada
nem ouvir nada.

As suas mãos alheias
tocam balbuciando
o meu coração.
Como se lhes negará o meu coração?

A baba do sentido
devassa a minha boca
com sórdidios ouvidos.
Como me calarei? Sem que palavras?

Oh, apenas um instante de silêncio,
uma palavra de
harmonia e solidão,
de morte e de indistinção!"

Manuel António Pina, Poesia Reunida