Na noite de sete de Março de 1914, Fernando Pessoa, poeta e fingidor, sonhou que acordava. Tomou o café no seu pequeno quarto alugado, fez a barba e vestiu-se com esmero. Enfiou a gabardina, porque lá fora chovia.(...) Fernando tomou lugar num compartimento onde estava sentada uma senhora aparentando cinquenta anos, que lia. Era a sua mãe e não era a sua mãe, e estava imersa na leitura. Fernando Pessoa pôs-se também a ler. Naquele dia tinha de ler duas cartas que lhe tinham chegado da África do Sul e lhe falavam de uma infância longínqua.
Fui como uma erva e não me arrancaram, disse a certa altura a senhora que aparentava cinquenta anos. A frase agradou a Fernando Pessoa, que a anotou num caderninho. (...)
À porta da casa estava uma velhota com óculos e uma touca branca. Pessoa percebeu subitamente que se tratava da tia-avó de Alberto Caeiro, e ergueu-se em bicos dos pés, beijando-a na face.
Não me canse muito o meu Alberto, disse a velhota, tem uma saúde tão fraca.
Afastou-se para o lado e Pessoa entrou na casa. Era uma sala ampla, mobilada com simplicidade. Havia um fogão de sala, uma pequena estante, um aparador cheio de pratos, um sofá e duas poltronas. Alberto Caeiro estava sentado numa das poltronas e tinha a cabeça inclinada para trás. era o Headmaster Nicholas, o seu professor da High School.
Não sabia que o caeiro era o senhor, disse Fernando Pessoa, e fez um ligeiro cumprimento com a cabeça. Alberto Caeiro fez-lhe um gesto fatigado para entrar. Entre, caro Pessoa, convoquei-o aqui porque queria que soubesse a verdade (...)
ANTONIO TABUCCHI, Sonhos de Sonhos, Quetzal, 3.ª ed., 1998
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