Ainda sonha com a guerra?
Às vezes tenho um pesadelo tremendo. Sonho que me estão a chamar para voltar para África. Tento explicar que já fui, argumentam que tenho que ir. E o sonho acaba aqui. Nunca sonhei com tiros ou com morteiradas. No meio daquilo tudo havia muito humor. Havia um homem, o Bichezas, que cuidava do morteiro que estava ao pé da messe. Tínhamos mais medo dele do que do MPLA porque o Bichezas disparava com o morteiro na vertical. Aquilo subia…e toda a gente fugia. Apesar de tudo, penso que guardávamos uma parte sã que nos permitia continuar a funcionar. Os que não conseguiam são aqueles que, agora, aparecem nas consultas. Ao mesmo tempo, havia coisas extraordinárias. Quando o Benfica jogava, púnhamos os altifalantes virados para a mata e, assim, não havia ataques.
Parava a guerra?
Parava a guerra. Até o MPLA era do Benfica. Era uma sensação ainda mais estranha porque não faz sentido estarmos zangados com pessoas que são do mesmo clube que nós. O Benfica foi, de facto, o melhor protector da guerra. E nada disto acontecia com os jogos do Porto ou do Sporting, coisa que aborrecia o capitão e alguns alferes mais bem nascidos. Eu até percebo que se dispare contra um sócio do Porto, mas agora contra um do Benfica?
Não vou pôr isso na entrevista…
Pode pôr. Pode pôr. Faz algum sentido dar um tiro num sócio do Benfica?
Excerto de uma entrevista na Revista Visão a António Lobo Antunes
Visão 27.11.2003
1 comentário:
Numa conversa recente, ao vivo:
- O que é para si escrever?
ALA- essa pergunta é muito íntima; se me perguntasse em que posições mais gosto de fazer amor, mais fácilmente responderia.
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