sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Do Silêncio à Palavra

- ... Não sei se não andei sempre a dizer a mesma coisa...
- Que coisa é essa?
- Escrever não é um processo límpido. A maior parte das vezes tenho a sensação de entrar num labirinto levado por um ritmo, de perseguir qualquer coisa que me foge e amo desesperadamente, e desesperadamente quero possuir, numa luta corpo a corpo, em que o ser se joga inteiro. Mas sobre isto não tenho ideias claras, e não é por se falar muito numa coisa que ela se torna transparente. Vou às cegas para o poema, como certos animais caminham por instinto para o local da morte. As palavras aí estão, amorfas, ainda. A mão, com infinita paciência, vai-se aproximando, criam-se tensões entre algumas, outras fundem-se para sempre, assim vai nascendo o poema. Ritmo, palavras, imagens, e a ordem dos factores não é arbitrária. Um pequeno organismo começa a respirar, a exigir atenção. Compreende?

Eugénio de Andrade
Entrevista gravada concedida a Helena Vaz da Silva ("Expresso", 27.05.78)
Do Silêncio à Palavra, Rosto Precário, obra de Eugénio de Andrade/14

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