quinta-feira, 24 de setembro de 2009

- Há uma data na varanda desta sala - disse Germana...

- É uma fatalidade que pesa sobre nós, as mulheres. Não sabemos viver sós, enquanto que o homem procura o isolamento, mesmo quando se dirige para a multidão - disse ela. Há raros momentos de clarividência, mesmo nas criaturas mais triviais, e é sempre o sofrimento que os provoca. Quina acrescentou um dos seus aforismos, que sublinhou com uma ironia, pois aquela mulher, vestindo, da casa Drecoll, um traje de cetim marinho e ratine branca que lhe dava o ar duma preceptora elegante, parecia-lhe uma princesa que brinca a ser desgraçada, que se diverte a fazer experiências amargas, para quebrar a monotonia.
..........................................
Esta moralidade indignava Germa, mais do que a prática dela. Era uma injúria às boas intenções, a esse recato virginal e defeso na alma até do homem mais vil, e que ele mantém como argumento de emergência, depois da queda e em face da morte. Se ela declarasse, diante do pai, que preferia o perigo embora o temesse, que odiava a dádiva embora a cobiçasse, que aceitar é ser vencido e que a luta seria para ela como que uma fatalidade, um apelo constante, uma necessidade absurda e inapelável, ele rir-se-ia na sua cara e havia de sentenciar, com a sua tenebrosa filosofia de mundano gasto, de velho a quem a vida adaptou à lei da gravidade, ao valor da inércia, ao poder da fraqueza:«Fala-me daqui a vinte anos, e mostra-me então o lucro das tuas teorias.»
nnnnnnnnnnnnnn
AGUSTINA BESSA-LUÍS, a sibila

Sem comentários: