"Radio Free Albemuth" é um romance de ficção-científica, da autoria de Philip K. Dick, publicado em 1985. Brevemente resumido, o livro conta a história de Nicholas Brady, um indivíduo nascido e criado em Berkeley - mas que, a certa altura, se muda para Orange County -, e da sua luta contra uma América totalitária, entregue aos desmandos do tirano presidente Francis Fremont.
O propósito deste herói trágico começa a despontar no dia em que uma entidade extraterrestre entra em contacto rádio-telepático com ele, por via de um satélite que gira em órbita da terra há milhares de anos. Nestes seus diálogos com uma transcendência que nunca entrou "para as suas contas", Nicholas vê-se a braços com uma tarefa hercúlea: descodificar uma quantidade massiva de pistas que lhe são fornecidas, qual "download", por VALIS (Vast Active Living Intelligence System). Tudo com a finalidade de ele perceber qual o caminho mais certo para a tarefa que lhe foi cometida de libertar a América.
Ora, nesse mesmo processo, este protagonista, que contracena em discurso directo com o próprio autor da obra, confidencia-lhe que, na tentativa de compreender tudo quanto lhe é dito por essa voz oculta nos seus sonhos nocturnos, se viu obrigado a comprar a enciclopédia "Britannica".
Aparte o final dramático que se deixa à descoberta de todos os convivas da esplanada, este é o pormenor que me inspirou o presente post e relativamente ao qual esta pequena introdução apenas serve uma função contextualizante.
De facto, há já algum tempo que andava para lançar um même subordinado ao tema "antes do google". A analogia por ora proporcionada apenas me pareceu deliciosa. Passo a desenvolver.
Tendo em conta a data em que o romance foi publicado - 1985 - voltamos a uma época, não tão distante quanto isso, bem conhecida de todos com, pelo menos, 25 ou 26 anos, em que o processo pelo qual alguém adquiria informação era um pouco mais complexo do que clicar no botão do rato ou digitar uma entrada na barra de pesquisa do Google.
Com pelo menos duzentos anos de tradição, a bela da Enciclopédia sempre foi uma das ferramentas mais importantes para um conhecimento que se queria livresco, ainda que conciso, e mais ou menos rigoroso.
Uma espécie de mainframe de dados, em suporte de papel, dividida por grossos volumes que hoje se encontram compactados naquilo a que se veio a designar por "disco rígido".
Na verdade, e tomando como mero exemplo essa grande obra que era a "Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura", bastava saber procurar a entrada certa para adquirir um manancial de informação razoável acerca do tema que se pesquisava.
Mesmo quando não fosse esse motivo, a Enciclopédia dava sempre um toque decorativo ao lar de uma qualquer família que aspirasse a um suposto título de "gajos-cultos-até-têm-uma-enciclopédia".
Hoje nada é assim. Basta um laptop, uma ligação à net, e o problema está resolvido.
Não sei se me sinto muito bem com essa banalização, com a falta do ritual de ir à estante e procurar o tomo certo, procurar a entrada pretendida e ler... ler mesmo e não fazer um "scroll down".
Recordando, precisamente, com alguma nostalgia esses outros tempos, ainda recentes, não posso deixar de manifestar algum desagrado pelo desprezo a que foi votada a "Enciclopédia".
E quem diz a Enciclopédia, diz os livros ou qualquer outra forma escrita, em suporte de papel.
Será que não estaremos a perder dadas qualidades e a alimentar uma certa preguiça mental que nos faz apenas sentir apelo por aquilo que poderemos apreender quase por osmose - em contacto com um teclado, um rato e um monitor? Enfim, estupidamente rendidos às "tecnologias de informação".
De qualquer modo e à parte o toque vintage que me é querido,
Apenas quero, com este esboço de manifesto, que a Mariana, o Cachapa e o Ricardo falem, claro, de enciclopédias.
Originalmente publicado na esplanada.
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