O português, regra geral, não acha graça nenhuma à graça propriamente dita. Ri-se, sobretudo, da desgraça. Enfim - como a própria palavra indica - do que não tem graça absolutamente nenhuma. Basta contar-lhe que andam uns indivíduos numa carrinha pintada nas cores da Cruz Vermelha a pedir dinheiro para as cheias e ele solta uma gargalhada. Fale-se-lhe no preço da carne para bife, e ele fica prostrado de boca aberta. Só a simples menção do número "dois vírgula oito" é suficiente para ele se desconjuntar a rir. Em suma - os portugueses têm uma interpretação católica do humor. A graça não é algo que tem piada, mas um estado que só se atinge depois de um grande sofrimento individual e colectivo: o estado da graça.
Basta pensar que a língua portuguesa, no que toca às acções de graça, apenas permite que as pessoas se desgracem (e desgraçam-se) sem que haja qualquer hipótese de virem, depois, a engraçar. Amam os desgraçadinhos e acham-lhes uma piada de morrer (e morrem), mas ninguém suporta um engraçadinho. Um engraçadinho, em Portugal, está condenado a uma existência semanticamente abaixo, de desgraça - Miguel Esteves Cardoso (25.07.1955), A Causa das Coisas
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