domingo, 1 de junho de 2008

Eu sei

Eu sei, perco a compita ao olhar o teu olhar
que parece perfumado das pétalas das rosas
e não consigo desenhar poemas nem prosas

Agora resta-me esta escassa força de tentar.

Trouxe o arco-íris ao pincel das cores
quadratei o círculo para melhor te ver
mas o esboço só dava traços a tremer
e eu imaginava a ti melhores amores.

É um cenário nebuloso a paciência
Caminhar o caminho, único consolo
Que pouco luz no muito que imolo,
Mas que me sobra de última ciência

Vou esperar venturas no longe futuro
Certo de nada mais ter a acrescentar.
Vivo por aceitar que um teu sussurro
Possa ser um verbo acabado em mar

2 comentários:

Anónimo disse...

O caminho faz-se caminhando. E a paciência é a virtude dos sábios.
Padmé

Anónimo disse...

Azul ou verde ou roxo

Azul, ou verde, ou roxo quando o sol
O doura falsamente de vermelho,
O mar é áspero (?), casual (?) ou mol(e),
É uma vez abismo e outra espelho.
Evoco porque sinto velho
O que em mim quereria mais que o mar
Já que nada ali há por desvendar.

Os grandes capitães e os marinheiros
Com que fizeram a navegação,
Jazem longínquos, lúgubres parceiros
Do nosso esquecimento e ingratidão.

Só o mar às vezes, quando são
Grandes as ondas e é deveras mar
Parece incertamente recordar. Mas sonho...

O mar é água, é água nua,
Serva do obscuro ímpeto distante
Que, como a poesia, vem da lua
Que uma vez o abate outra o levanta.
Mas, por mais que descante
Sobre a ignorância natural do mar,
Pressinto-o, vasante, a murmurar.

Quem sabe o que é a alma ? Quem conhece
Que alma há nas coisas que parecem mortas.
Quanto em terra ou em nada nunca esquece.
Quem sabe se no espaço vácuo há portas?
O sonho que me exortas
A meditar assim a voz do mar,
Ensina-me a saber-te meditar.

Capitães, contramestres - todos nautas
Da descoberta infiel de cada dia
Acaso vos chamou de igonotas flautas
A vaga e impossível melodia.
Acaso o vosso ouvido ouvia
Qualquer coisa do mar sem ser o mar
Sereias só de ouvir e não de achar?

Quem atrás de intérminos oceanos
Vos chamou à distância ou quem
Sabe que há nos corações humanos
Não só uma ânsia natural de bem
Mas, mais vaga, mais sutil também
Uma coisa que quer o som do mar
E o estar longe de tudo e não parar.

Se assim é e se vós e o mar imenso
Sois qualquer coisa, vós por o sentir
E o mar por o ser, disto que penso;
Se no fundo ignorado do existir
Há mais alma que a que pode vir
À tona vã de nós, como à do mar
Fazei-me livre, enfim , de o ignorar.

Dai-me uma alma transposta de argonauta,
Fazei que eu tenha, como o capitão
Ou o contramestre, ouvidos para a flauta
Que chama ao longe o nosso coração,
Fazei-me ouvir , como a um perdão,
Numa reminiscência de ensinar,
O antigo português que fala o mar!

Fernando Pessoa