quinta-feira, 1 de maio de 2008

POEMA DO FERIADO

Era ele que erguia as casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Nada sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De facto como podia
Um operário em construção
Compreender como um tijolo
Valia mais que um pão?
Tijolo ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia…
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento.
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse facto extraordinário
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- garrafa, prato, facão –
Era ele que os fazia.
Ele um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, cadeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele que o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabeis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou a sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção,
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo o que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

………….

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão.
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voa
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

VINICIUS DE MORAES
O Operário Em Construção.

1 comentário:

Anónimo disse...

E o operário oportunamente disse NÃO. Há tanto não a dizer-se, tantos nãos que são condição de um verdadeiro (sentido)sim.