sábado, 17 de maio de 2008

L'occasione

- Quem és tu, que mulher mortal não és?
Com graça tanta o céu te adorna e dota!
Descansa! Porque tens asas nos pés?
- Eu sou a Ocasião que ninguém nota.
A causa deste infindo labutar
É que ando com meus pés sobre uma roda.
Voo algum, meu correr pode igualar,
Mas estas asas nos meus pés mantenho
Pra que se iluda, ao vê-las, vosso olhar.
À frente, esparsos, meus cabelos tenho;
Neles escondo o peito e o rosto belos
Pra não me conhecerem quando eu venho.
Minha cabeça atrás não tem cabelos,
Pois, evitar que os tirem, não consigo,
Os que ultrapasso e em vão tentam prendê-los.
- Dize-me: essa quem é, que vem contigo?
- A Penitência; ouve, porém, se entendes:
Quem me não prende, prende-a por castigo.
E tu, que o tempo a discursares despendes,
Todo ocupado em pensamentos vãos,
Desleixado! não vês e não compreendes
Como é que eu te fugi por entre as mãos!

Niccolò Machiavelli (1469 – 1527)
Versão de A. Herculano de Carvalho, oiro de vário tempo e lugar

1 comentário:

AugustoMaio disse...

Para que conste (ainda que em tempo algo tardio)este poema é lindo. E, além disso, profundo e muito muito interessante.