A noite é cheia de vales e baías.
E do meu peito aberto um rio largo de sangue…
Águas densas, de correntes lentas,
serpentes mortas a arrastarem-se.
Águas?
Águas negras, pastosas, alcatrão rolante.
Mas águas puras, verdes claras, atraindo
a margem donde os crocodilos fogem mastigando.
Águas em transparências lucilantes, para cima,
e as estrelas do mar, um polvo e um mefistófeles
ficam no ar sobre ilhéus e lodosos calhaus
que se descobrem.
Plantas brancas e extáticas…
Lágrimas… nuvens… e a cabeça, o perfil,
os olhos, todo o corpo da mulher amada, a prostituta
antes de virgem, que é bela e feia, velha e nova,
e não conhece os filhos!
O fogo envolve essa mulher amada
e é um guindaste erguendo-a e atirando-a,
enquanto dispersas pelo chão brilham mandíbulas
naturalmente à espera…
EDMUNDO DE BETTENCOURT
Poema de Amor, Poemas de Edmundo de Bettencourt
domingo, 27 de abril de 2008
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2 comentários:
"Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo."
Carlos Drummond de Andrade
In Alguma Poesia
Edições Pindorama
Belo Horizonte, 1930
"A Flor Da Noite
Na solidão escura
Do velho Pelourinho
Matilde, a louca mansa
Vivia mercando assim:
Olha a flor da noite ...
Olha a flor da noite ...
Seria a flor da noite
A luz da estrela solitária
A tremular tão pura
Sobre o velho Pelourinho?
Ou o som da voz ausente
Da menina prostituta
Que mercava o seu triste descaminho:
Olha a flor da noite!
Olha a flor da noite!
Ou seria a flor da noite
A face oculta atrás da aurora
Por quem o homem luta
Desde nunca até agora
A louca aprisionada
Pelos monstros do poente
E que avisa e grita alucinadamente:
Olha a flor da noite!
Olha a flor da noite!"
Vinicius de Moraes
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