O que foi atado
na terra
continua atado
no Céu
e o que foi desatado
na Terra
continua desatado
no Céu
(no Inferno
é ao contrário)
mas o que não chegou
a ser atado na Terra?
penso em ti
meu marido
não vivemos
no mesmo século
nem na mesma cidade
nunca nos cruzámos
porque não pudemos
procurámo-nos
um ao outro
lavados em lágrimas
a ver os outros
namorarem-se
às três pancadas
eu li o Yoga para grávidas
e o Vou ter um bebé
eram a ficção científica
que eu mais apreciava
não aceitei o bolo
em forma de coração
que os rapazes
dão às raparigas
no Tirol
até porque não mo deram
as nossas mãos
no escuro do cinema
e no escuro da noite
não eram para ser
partilhadas
imagino-te morto
cheio de sex-appeal
e eu viva
sem sex-appeal nenhum
um dia morro
como tu
a vida não era isto
nós sabíamos
no Céu há muitas moradas
(para nós um duplex certamente)
ADÍLIA LOPES
Dois Ciprestes, Florbela Espanca espanca
domingo, 20 de abril de 2008
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2 comentários:
Adília Lopes, pseudónimo de uma, além do mais, cronista do Público, nascida em 1960, faz parte da "Antologia crítica da poesia portuguesa do século XX" (Século de Ouro), precisamente com o poema que consta da mensagem. Aí é comentado pelo crítico Fernando Guerreiro que diz, no final:
"A sua poesia é uma poesia alegre, dos loucos de deus (e da vida), de caridade pela criação (mundo).
Extensão metamórfica de um Sujeito-Pop, o que quer dizer popular e poroso ao real (às suas falhas, a restas e aberturas), e não mais uma triste reposição de um Orfeu sempre mais interessado em confirmar o carácter mórbido (morto) do seu fantasma do que em reconfigurar, reanimar, como se fosse a primeira (última) vez, a matéria viva do mundo.
Assim, o que foi (se)parado do céu, ultrapassado o portal dos "dois ciprestes" - fim de um mundo mas também boca de outro - pode de novo ser junto como real, pela poesia, em vida."
De poeta e de louco todos nós temos um pouco!
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